Você sabia que uma fintech fundada por brasileiros é destaque em um dos principais rankings mundiais de startups disruptivas de rápido crescimento?
E não para por aí: um dos jurados deste ranking também é brasileiro. Estou falando da lista anual das 50 startups mais disruptivas do mundo e que tendem a impulsionar mudanças nos mais diversos setores: a Disruptor 50.
Trata-se de um ranking compilado anualmente pela CNBC, que é um dos maiores canais de notícias de negócios nos Estados Unidos.
A fintech Brex, empresa fundada por brasileiros e baseada em San Francisco, nos Estados Unidos, ocupa a segunda colocação na edição 2023 do ranking. Ela oferece cartões de crédito corporativos e gestão financeira para startups e empresas de tecnologia, chegando a atingir um valor de mercado estimado em US$ 12 bilhões.
Aliás, a Brex ficou atrás apenas da Open AI, dona do Chat GPT, que ocupa a primeira posição e que é cliente das soluções de serviços financeiros da Brex.
Essa lista das startups mais inovadoras do mundo é feita a partir de um processo de avaliação criterioso por vários jurados, considerando o nível de inovação, crescimento, potencial de impacto e de moldar o futuro dos seus setores, transformando soluções tradicionais a partir de modelos de negócios e uso de tecnologias inovadoras.
Por isso, o ranking é reconhecido pelo potencial de prever negócios inovadores que conseguem alcançar grande sucesso. Por exemplo, logo após o Waze ter aparecido na lista de 2013, o Google (GOGL34) adquiriu a startup israelense por cerca de US$ 1,3 bilhões. Hoje, a empresa conta com mais de 140 milhões de usuários ativos. Um grande sucesso!
O Spotify (S1PO34) também, uma vez startup, apareceu na lista de anos atrás. Lançado em 2008, o serviço de streaming de áudio tem atualmente mais de 80 milhões de músicas, quase 500 milhões de usuários ativos sendo que, desse total, quase 200 milhões são usuários que pagam pelo serviço em mais de 180 países.
Agora, no ranking de 2023, pela segunda vez consecutiva em 2º lugar, apareceu a Brex, empresa fundada em 2017 pelos brasileiros Henrique Dubugras e Pedro Franceschi, com a proposta de transformar o setor de finanças corporativas.
De maneira geral, trata-se de uma empresa de serviços financeiros que ajuda outras empresas na gestão de gastos e pagamentos de contas. O negócio iniciou como uma empresa de cartão de crédito para pequenos negócios e startups, disruptando a indústria de cartões. Ela dava limites a startups e empresas de tecnologia que não conseguiam acesso a este meio de pagamento.
Conforme cresceu, a Brex começou a atender outras demandas dos seus clientes corporativos. Por exemplo, avançou para o setor de gestão de gastos corporativos com uma proposta bastante interessante: diferentemente de soluções existentes, o software da Brex tenta diminuir burocracias que poderiam deixar os negócios mais lentos. Lembrando que a lentidão é algo que poderia punir resultados de empresas de tecnologia e startups baseadas em modelos ágeis.
Com isso, a Brex conseguiu oferecer uma solução para acelerar a velocidade dos negócios enquanto ajudava as empresas a criarem uma cultura financeira em escala global.
Para se ter uma ideia, os concorrentes da Brex incluem a American Express e bancos grandes que oferecem cartões corporativos, além de várias empresas que oferecem soluções para a gestão de gastos corporativos.
Em meio à grande concorrência, os fundadores da Brex dizem que o diferencial do negócio é a integração entre o cartão e o software de gestão de gastos. De fato, ter ambos é um grande potencial. Os gestores em uma empresa não precisam aprovar todo tipo de despesa, a não ser que esteja fora da política deles. Recibos de gastos também, pois o software integrado permite reunir automaticamente recibos envolvendo gastos em restaurantes, viagens e outros gastos dos funcionários ao desempenharem suas atividades na empresa, inclusive em outros países. Imaginem o tempo economizado dos gestores! E ainda há potencial desta inovação para futuramente contribuir com orçamento e contabilidade nas empresas.
Conceitualmente falando, a Brex identificou um segmento de clientes corporativos formado por startups e empresas de tecnologias que estavam insatisfeitas com as soluções dos bancos tradicionais. E aí, ela focou em uma atividade feita por esses clientes, como o pagamento de despesas com cartão, para fazer algo melhor do que soluções existentes e depois avançar em outras atividades como a gestão de gastos corporativos.
Fazendo uma analogia, na parte de cartões, é algo similar ao que o Nubank fez no Brasil, porém, focado nos indivíduos. O Nubank também identificou segmentos de clientes insatisfeitos com as soluções dos grandes bancos tradicionais e transformou esse mercado.
O que as empresas mais inovadoras do mundo têm de diferente? Thales Teixeira, jurado da CNBC, responde
Thales Teixeira é jurado brasileiro do Disruptor 50 há mais de quatro anos, professor na Universidade da Califórnia e ex professor associado por dez anos na Harvard Business School. Ele também fundou uma consultoria global focada em disrupção, a Decoupling.co, e é autor do livro Unlocking the Customer Value Chain – Desvendando a Cadeia de Valor do Cliente, em português.
Em entrevista exclusiva comigo para o Por Dentro do Negócio, Thales conta como funciona a escolha das empresas que entram para o ranking e fala sobre a evolução das inovações digitais no mundo dos negócios.
Thales, você poderia nos contar sobre os bastidores da escolha das empresas mais disruptivas do mundo? Como jurado, o que você leva em consideração?
Thales Teixeira: Todos os anos, avaliamos milhares de candidatos de startups do mundo inteiro, mas a maioria vem dos Estados Unidos. Elas nos mandam uma variedade de dados, a maioria confidenciais, como informações financeiras, comerciais e plano de negócios. Elas mostram os números, o que têm feito no último ano e, baseado nessas informações, escolhemos as 50 mais disruptivas entre milhares de uma variedade de setores, como agtech (agronegócio+tech), marketing tech, fintech, insurtech, retail tech e assim por diante. Os jurados escolhem entre si os parâmetros mais importantes para uma empresa ser classificada como disruptiva. Particularmente, eu advogo em termos de tração comercial, de fit com o mercado, capacidade de roubar participação de mercado de empresas estabelecidas e de crescer fortemente.
Vejo que muita coisa mudou no ambiente das startups nos últimos anos. Considerando a evolução dos tipos de inovações e startups desde quando você começou a servir como jurado desse ranking, quais as principais mudanças que observou?
T.T.: Quando comecei esse trabalho de jurado mais de quatro anos atrás, a onda era de startups que estavam no varejo, negócios B2C (business-to-consumer). Então, elas tinham mais exposição na mídia, conseguiam mais investimento e cresciam mais rapidamente. De lá para cá, o que temos visto é uma migração de B2C para B2B (business-to-business). As startups que mais crescem criam produtos e serviços para outras empresas. Neste ano, a startup mais disruptiva foi a que criou o Chat GPT, que é uma exceção porque a ferramenta pode ser usada por consumidores e por empresas. Mas a partir daí, a maior parte dos demais colocados é B2B.
A Brex, que ficou em segundo lugar, que é uma empresa que oferece serviços financeiros, na maior parte, para as empresas.
Fazendo a conexão com algumas mudanças, observei que a inteligência artificial foi apontada como determinante para gerar mais de 50% das receitas em 21 das 50 empresas no ranking de 2023. O que chama a sua atenção sobre o crescente papel da inteligência artificial entre os disruptores?
T.T.: Podemos simplificar a história dos últimos 40 anos de avanços tecnológicos com a entrada avassaladora do computador pessoal nos anos 1980 e 1990, depois a segunda onda veio com a internet e, agora, o que se fala é que o potencial da inteligência artificial é tão grande quanto a entrada da internet e do computador pessoal para a vida das pessoas e para as empresas. Muito se discute sobre inteligência artificial, mas a grande verdade é que a maioria das empresas está tentando criar plataformas de ferramentas que possam executar casos específicos muito mais valiosos para consumidores e outras empresas usando inteligência artificial, por exemplo, a criação de filmes, de scripts, de imagens, de conteúdo jornalístico, informações de educação, jogos, entre tantos outros.
Após a divulgação da lista, você esteve em um evento com Henrique Dubugras, cofundador da Brex. O que a empresa tem de mais interessante e diferente das demais disruptoras na sua visão?
T.T.: Desde que comecei a trabalhar como jurado da CNBC Disruptor 50, é grande destaque uma empresa genuinamente brasileira estar no ranking. A fintech está nos Estados Unidos, mas foi fundada por dois brasileiros. Eu estive com o Henrique Dubugras alguns dias atrás, no evento da CNBC, e o que ele me falou foi um caso muito interessante. Eles começaram com uma atividade muito verticalizada, concentrada em entregar cartão de crédito para pessoas que estavam nos Estados Unidos, que tinham conseguido investidores para as startups. Ou seja, tinha um investimento por trás, só que por estarem nos Estados Unidos há pouco tempo, não tinham histórico e, por isso, não podiam ir a um banco e pedir um cartão de crédito. Eles desacoplaram essa cadeia de valor de consumidores que são fundadores de empresas porque viram que os bancos tradicionais não estavam oferecendo esse produto. De lá para cá, o que eles fizeram foi criar mais ferramentas digitais e serviços financeiros para apoiar esses fundadores de startups. Hoje, estão cada vez mais em nichos diferentes, com produtos financeiros para pessoas que têm startups de tecnologias, biotecnologia e em outras indústrias, e cada um desses serviços é muito focado nas necessidades dos clientes. Se você tem despesas financeiras de viagem com seus funcionários, folha de pagamento e tudo mais, eles estão criando mais e mais ferramentas num aplicativo só, que funciona de maneira muito mais eficiente e simples, usando toda a tecnologia disponível que eles desenvolveram nos últimos anos.
Para fecharmos nosso papo, em um dos seus artigos na Harvard Business Review, você cita que a disrupção começa com clientes insatisfeitos, não apenas com tecnologia. Poderia dar alguns exemplos e o que quer dizer com isto?
T.T.: Dando um passo para trás, quando eu era professor em tempo integral na Harvard Business School, havia várias pessoas no departamento de marketing tentando entender e explicar para nossos alunos e para as pessoas no mercado de negócios em geral o que estava acontecendo com a disrupção tecnológica. Na época, chamava-se de tecnologia disruptiva aquela criada por uma empresa e que normalmente começava com uma tecnologia ruim, pior do que a que estava no mercado, mas que aos poucos ia melhorando e depois tomava conta do mercado. Dizia-se que elas roubavam consumidores das empresas tradicionais, que acabavam morrendo, a exemplo da Xerox, Kodak e empresas automobilísticas, entre outras.
O que eu notava visitando as startups é que o negócio disruptivo delas olhava do ponto de vista do consumidor, do cliente, e elas contavam que usavam tecnologias que estavam disponíveis no mercado. Então, não era um segredo, não foi inventado lá dentro. O Facebook (FBOK34) não inventou as tecnologias que usou para disruptar o mercado de mídias sociais. O Youtube também não inventou as tecnologias para roubar participação de mercado em vídeos online. Netflix (NFLX34) não inventou tecnologias, estava disponível ao alcance de muitas outras empresas. O que essas empresas descobriram rapidamente foram oportunidades em atividades nas quais os consumidores estavam insatisfeitos. Não era uma insatisfação de modo geral, o consumidor não estava insatisfeito com seu banco em tudo, ou com todos os canais de televisão. Eles estavam insatisfeitos com coisas muito específicas, por exemplo, quanto tempo demorava para ser aprovado e receber um cartão de crédito, ou quanto tempo demorava para ir a uma locadora, pegar um filme e voltar para casa.
Com isso, essas startups, à época, criaram serviços bem nichados, segmentados, e roubaram aquelas atividades das empresas tradicionais, processo que no meu livro eu chamo de decoupling ou desacoplamento. Então, um resumo é que a maioria das startups cresce aumentando as atividades que fazem ao cliente, mas inicialmente elas conquistam apenas uma ou duas atividades da cadeia de valor do cliente que está mal feita nas empresas estabelecidas. Esse é o processo de desacoplamento (decoupling), e o que eu tenho notado é que cada vez mais, nos últimos anos, as startups que entram no ranking da CNBC Disruptor 50 começaram com processo de decoupling e depois cresceram acoplando atividades adjacentes.
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