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Infiltrado na Limer

BBB: sob olhar da agenda ESG, programa rende prêmio ou eliminação?

Uma das maiores vitrines da TV, o BBB 23 foi recordista de anunciantes, número de participantes negros/as, gerou debates, mas terminou com baixa audiência e engajamento nas votações.

Ao final de 2022, antes mesmo da estreia em janeiro de 2023, já não havia espaços disponíveis para novas marcas aparecerem no BBB – Big Brother Brasil e a 23ª edição rendeu um faturamento recorde para a Globo, melhor desempenho comercial da história do programa. As marcas foram bem contempladas no início, quando a estreia do BBB aumentou a audiência da faixa horária da TV Globo em 35% em São Paulo e 47% no Rio de Janeiro, comparado com as últimas quatro segundas-feiras, dados informados pela diretora de negócios integrados em publicidade da Globo, Manzar Feres. Além disso, a estreia superou a média de toda a temporada de 2022, com mais de 36 milhões de espectadores.  

Ao iniciar a edição com metade da “Casa” ocupada por pessoas negras, a diversidade presente e visível foi muito bem recepcionada e a imagem positiva aferida tanto na movimentação das redes como em veículos de comunicação que – já tradicionalmente – cobrem o programa. Porém, conforme se identificavam as práticas de perseguição, imputação de estereótipos negativos e desrespeito de alguns / algumas participantes brancas contra algumas pessoas negras, a imagem positiva inicial de inclusão e diversidade foi declinando junto com a audiência. 

Casa do BBB23 (Foto: Globo/Paulo Belote)
Casa do BBB23 (Foto: Globo/Paulo Belote)

Outra iniciativa que dialoga com a pauta ESG, uma parceria da Globo com a Braskem (BRKM5), manteve seu valor positivo agregado, um espaço de conscientização sobre práticas de coleta seletiva. Além disso, a água de reuso nos banheiros, sistema exclusivo de captação de água de chuva, energia limpa e 100% renovável foram algumas ações de sustentabilidade colocadas em prática em edições do BBB. Semanalmente, nessa edição, havia um momento em que as pessoas ainda dentro do programa, eram recompensadas pela qualidade do lixo entregue por meio da coleta seletiva.

Segundo informações da própria emissora, as ações atendem ao “compromisso de valorizar e proteger a biodiversidade, promover a consciência ambiental e respeitar os limites naturais do nosso planeta, assumido publicamente pela Globo em sua agenda ESG (Environmental, Social and Governance – em português, Ambiental, Social e Governança) e alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.”

Esse cenário positivo para as marcas e para a emissora foi mudando conforme os conflitos e polêmicas emergiam e, a partir do final de março, o declínio de audiência tornou-se um fato. Logo no início da edição houve um alerta de relacionamento abusivo de um dos participantes contra uma mulher, ambas pessoas brancas. Semanas depois dois participantes brancos foram eliminados, com pressão do público e dos patrocinadores – aqui a agenda ESG prevaleceu – e respondem a inquérito por importunação sexual.

De uma das maiores vitrines publicitárias, com grande engajamento e movimentação nas redes sociais com viés positivo, uma fonte de entretenimento aguardada durante o ano inteiro, o programa de 2023 tornou-se uma bomba-relógio, principalmente nas redes sociais. Virou assunto constante nos espaços virtuais de interação pela exposição de comportamentos e atitudes de participantes que foram lidos e apontados por atos derivados de racismo estrutural, intolerantes, abusivos, persecutórios. Inclusive, houve um episódio – e consequente denúncia de racismo religioso – que teve como vítima um participante negro, uma ação em que três pessoas não-negras estão envolvidas. 

Foto: Reprodução.

Em relação às marcas anunciantes, o sucesso de público almejado, ao final da edição, não foi alcançado, seja em números ou posicionamento de imagem. Conforme as pessoas negras iam sendo eliminadas e a “Casa” ia se esvaziando – algo já previsto, a audiência caía – algo não previsto. Além disso, a quantidade de votos em cada “paredão”, a dinâmica que elimina um participante, outra métrica de engajamento com o programa, em contraponto ao que aconteceu em outras edições, em que a audiência era maior e quantidade média de votos crescia mais próximo do final e da grande final.

Num paralelo com o mundo corporativo, a partir de alguns pontos constantes da pauta ESG, sobre a inclusão, verificamos que é necessário muito mais que a presença de pessoas negras para que haja real mudança. É preciso que essas participações sejam acompanhadas de mudanças de mentalidade, ações e atitudes de todos que integram os processos e cotidiano, que convivem diretamente – na condição de lideranças ou de colaboração – com a diversidade humana que integra as equipes. 

Embora a ampliação do debate sobre questões raciais, intolerância religioso, assédio contra mulheres, assim como a identificação e defesa de parte do público com quem foi prejudicado na edição seja algo positivo, as práticas desrespeitosas e persecutórias com participantes negros agregaram imagem negativa ao programa, consequentemente às marcas.

Alguns participantes agentes dessas práticas – por ação ou omissão, mesmo com rejeição de parte do público, concorreram à grande final por terem torcidas organizadas, com tempo e recursos para influenciar no resultado das votações. Sem poder retirar algumas dessas pessoas do programa, vendo os participantes negros que tinham posicionamentos de mais letramento racial saírem, a audiência deliberadamente abandonou o programa. 

Outra parte da audiência, composta por pessoas que assinam o Globoplay para terem acesso ao conteúdo 24h por dia, anunciaram nas redes sociais que cancelaram assinaturas em protesto. A Globoplay abriu o sinal para não assinantes nos últimos dias do programa e mesmo assim não conseguiu melhorar expressivamente os números. A coluna de Patrícia Kogut, no jornal O Globo, no dia 26 de abril, logo após a grande final, informou que a edição teve “a pior audiência da História do reality” e, ainda, a menor média geral. A vencedora foi uma mulher branca que, na maior parte da edição, só votava em pessoas negras.

Segundo matéria da Revista Fórum publicada em 24 de abril, “o último Paredão do BBB 23 (…) recebeu a menor quantidade de votos: 22 milhões. Ou seja, não houve mobilização da audiência, visto que grande parte dela se revoltou com a eliminação sequencial de todos os confinados negros da casa e acusa a atração de ser racista.” 

O BBB mostra que, mesmo num jogo em que há – hipoteticamente – condições de igualdade e incentivo à diversidade, a convivência intramuros com pessoas que não tem adesão às práticas ESG pode envenenar o processo. Sem as devidas ações internas de comunicação, sensibilização, antigas práticas podem vulnerabilizar, gerar denúncias, ou mesmo antecipar a saída da diversidade que se pretende incluir. Para as marcas, organizações, empresas, que tentam agregar valor a partir da pauta ESG fica o alerta de paredão. O público mais bem informado e atento percebe quando o “produto” entregue não corresponde à propaganda, vai questionar e/ou deixar de consumir, e ainda vai jogar na arena pública a incoerência.

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