Imagine que você tem ações, digamos, da Petrobras (PETR3, PETR4), e decide vender para comprar ações da Vale (VALE3). Ou o contrário, comprando papéis da Petrobras. Ou ainda que escolha outro ativo. São decisões que dizem respeito apenas ao investimento em si, mas o que queremos fazer com o dinheiro, seja agora ou no futuro? A aposentadoria? Uma viagem? Há muitas outras opções, valorizadas em caráter individual, com motivações que quase nunca estão expressas nas leis de mercado. E a razão é porque o mercado financeiro é um sistema complexo.
A grosso modo, um sistema complexo é formado por várias partes e seu funcionamento depende da interação entre elas, não apenas da soma das partes como um todo. Outro exemplo é o cérebro humano. Mais do que simplesmente a quantidade de neurônios que temos, a maneira como eles interagem entre si influencia a maneira como tomamos decisões e lidamos com as tarefas do cotidiano.
Mas poderia falar do trânsito nas cidades, equipes de futebol durante uma partida e das sociedades. No caso dos investimentos, se só houvesse compradores ou só vendedores, não existiria mercado.
Economistas já avançaram muito no entendimento desta relação. Um dos estudos pioneiros, por exemplo, é do final da década de 90. Hank Eskin, ex-consultor e empreendedor do Vale do Silício, lançou um projeto, Where ‘s George (Onde está George) para lidar com o mais complexo dos sistemas complexos: o uso do dinheiro.
A ideia era acompanhar a circulação das notas de dólar – de US$ 1 a US$ 100. O método foi simples, porém eficiente. As notas foram carimbadas com uma mensagem do projeto e um pedido para que as pessoas entrassem em um site, informassem o número de série delas e seu código postal. Assim, o pesquisador poderia saber por onde andavam.
No total, 55 mil pessoas participaram, informando a localização de uma nota carimbada. Com os dados, foi possível traçar o caminho do dinheiro quantas vezes trocava de mão, aproximadamente, já que nem todas as vezes em que aconteceu foram registradas. A história, contada no documentário WheresGeorge.com, de 2006, foi um dos primeiros estudos a unir economia e sistemas complexos.
Mas, apesar da eficiência, este foi um sistema rudimentar. Atualmente, a quantidade de informações disponíveis, que vão desde posts em redes sociais, dados do GPS e registros do celular, entre muitos outros, leva os estudos sobre sistemas complexos a outras fronteiras: da matemática, da estatística e da física.
Aplicando as regras universais dos dois campos, uma série de estudos coordenados pelo físico Gourab Ghoshal, professor da University of Rochester, e publicados tem sido capaz de reunir mais variáveis para entender o trânsito nas cidades, a mobilidade das pessoas em geral e até a progressão de doenças.
A ideia, mais do que compilar dados, é tentar estabelecer leis universais. Por exemplo, tentando entender por que pessoas escolhem determinado trajeto a partir de como quem pode ou não encontrar, se o caminho é mais curto ou mais longo, a quantidade de sinais de trânsito existentes etc.
Em tese, se todos os dados possíveis pudessem ser compilados, levariam a roteiros completos sobre as decisões do dia a dia. Por exemplo, não só porque as pessoas fazem algumas escolhas, como onde almoçar, mas os acontecimentos e interações que as motivam. Dada a quantidade de informações e a variedade de decisões, fora a impossibilidade de saber tudo sobre todo mundo, os pesquisadores sabem que é um objetivo impossível.
Abrem, no entanto, o caminho para que se estabeleça regras sobre como as pessoas agem em determinadas situações. Embora os trabalhos não estejam diretamente ligados ao mercado financeiro, abrem caminho para estudar o comportamento dos investidores com as mesmas premissas – ou muito parecidas.
É um objetivo ainda distante, mas entender o comportamento do mercado passa não só pela compra e venda de ativos, mas por uma variedade de interações hoje fora do radar das análises tradicionais de investimento. Ferramentas e dados em diversos podem ampliar o que sabemos. Um campo de pesquisa ainda no início, mas que, no futuro, vai mudar a maneira como entendemos os investimentos. E como investimos.
As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação.
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