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Coluna do Samy

Um macaco vendado toma decisões igual a um analista de mercado?

Teoria dos eventos aleatórios pontua que situações do passado não necessariamente vão se repetir no futuro; entenda.

Você sai para uma caminhada aleatória. Passa por um vendedor de cachorro-quente, uma mulher com o cão na coleira e, em uma rua onde não costuma passar, descobre que abriu uma cafeteria. O café é ótimo. Depois, caminhando um pouco mais, você encontra um amigo que não via há muito tempo. Acaba retornando para casa renovado e com a certeza de que o passeio valeu a pena.

É um exemplo de evento aleatório. A mesma caminhada em outro dia pode ser muito diferente. O vendedor não foi trabalhar, assim como a mulher do cachorro resolveu sair mais cedo – ou mais tarde. A cafeteria, sacrilégio, está fechada. E, além de não encontrar o amigo, começou a chover forte, fazendo o passeio ser abreviado. É óbvio que, de volta ao lar, a sensação é mais de frustração do que de qualquer outra coisa.

Existe uma teoria a respeito, batizada de teoria dos eventos aleatórios. É uma teoria com raízes antiquíssimas, remontando à Idade Média e ao desejo das pessoas da época de saber a probabilidade de ganhar no jogo – outro evento aleatório. Foi aperfeiçoada pelo francês Louis Bachelier mais de um século atrás. Em 1973, o economista americano Burton G. Malkiel, professor de Princeton, defendeu no livro A random walk down Wall Street (Uma caminhada ao acaso em Wall Street) que se trata de uma boa estratégia de investimento. Vendeu desde então 1,5 milhão de exemplares.

Um macaco de olhos vendados escolhendo ações tem a mesma chance de sucesso do que um especialista de mercado, diz o enunciado mais famoso de Malkiel, compreensivamente, para horror dos especialistas do mercado. A ideia geral é de que, assim como em qualquer caminhada, eventos do passado não necessariamente vão se repetir no futuro. Ou seja, o desempenho recente de um papel ou de um fundo não garante lucro agora só porque já aconteceu.

As variações de cada papel, segundo o economista, independem do que acontece com outros papéis. São por isso aleatórias. Um enunciado que entra em confronto com a análise técnica, que busca tendências baseadas no desempenho passado de um ativo. Mas também descarta o investimento baseado em resultados e projeções de lucro e receita, entre outros fundamentos, defendendo que as informações chegam incompletas e atrasadas ao mercado (vide o caso atual das Americanas (AMER3)) e ainda podem ser mal interpretadas.

Nestas condições, um desempenho superior ao mercado seria praticamente impossível a não ser que o portfólio tente acompanhar a distribuição aleatória de ganhos e perdas, fazendo com que uma carteira com muitos ativos, dezenas, de preferência, tenha mais chance de sucesso do que uma carteira com poucos ativos, focada em empresas que vêm apresentando lucro.

Mas dá certo? Um experimento do americano The Wall Street Journal tentou responder, comparando durante 14 anos os resultados de quatro profissionais do mercado americano e, na falta dos chimpanzés, quatro investidores que montaram seus portfólios atirando dardos aleatoriamente em um painel com os nomes de ações.

O período do experimento foi de prosperidade para a economia americana ao longo de quase todos os anos 90, abrangendo a disparada das ações das empresas de internet nos Estados Unidos, mas também de turbulência, englobando as crises da Ásia, Rússia e Brasil, a partir de 1997, o estouro da bolha pontocom, em 2000, e os ataques do 11 de setembro, em 2001.

A cada seis meses, o jornal trocava os atiradores de dardos e os gestores e analistas. Havia uma fila de gente querendo participar, o que garantiu uma variedade de estratégias dos especialistas convidados. Em 2002, quando o experimento foi encerrado, os atiradores de dardos acabaram com um prejuízo de 1% em relação ao dinheiro investido no início, em 1988. Os especialistas foram um pouco melhor, com um ganho de 8,2%.

Ponto para as teorias tradicionais de investimento, mesmo com um desempenho também ruim. Mas resultados tão próximos também demonstram que a tese da aleatoriedade faz certo sentido. Primeiro porque foram fortemente influenciados pelo último semestre do estudo, quando as ações escolhidas pelos dardos caíram mais de 12% enquanto os papéis dos especialistas subiram 38%.

O próprio Burton Malkiel se envolveu na discussão, apontando que o pequeno número de papéis no portfólio dos atiradores de dardos não tinha como replicar o mercado como um todo. A divulgação das ações aos leitores do jornal também teria interferido na variação normal dos preços, com os leitores acompanhando uma e outra carteira.

No final, o jornal nunca declarou um vencedor. Como o próprio experimento, a teoria da aleatoriedade parece mais divertida do que eficiente. Mas como a análise técnica e os fundamentos também não garantiram um retorno espetacular, ficou para futuros estudos comprovarem qual funciona realmente melhor.

*Samy Dana é Ph.D em Business, apresentador do Cafeína/InvestNews no YouTube e comentarista econômico.

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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