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Economia

Acordo tem custo e posterga problema da dívida nos EUA, dizem especialistas

Nas últimas décadas, iminência de calote dos EUA já ocorreu quase 80 vezes.

A aprovação pelo Congresso de um acordo para evitar o calote da dívida dos Estados Unidos foi bem recebida pelo mercado, por retirar do radar – ao menos temporariamente – um fator de incerteza. No entanto, especialistas apontam que as contrapartidas para o acordo têm seus efeitos, e destacam ainda que, mais uma vez, o problema sobre o teto da dívida dos Estados Unidos foi jogado para frente. 

Capitólio dos Estados Unidos, Washington 24/5/2023 REUTERS/Jonathan Ernst

Depois de vários dias de negociação entre republicanos e democratas, o acordo que suspende o teto de US$ 31,4 trilhões da dívida foi aprovado na noite desta quinta-feira (1º) – a poucos dias da data de 5 de junho, quando o Tesouro norte-americano ficaria sem dinheiro. Com a legislação aprovada, o limite de empréstimos federais será suspenso até 1º de janeiro de 2025.

Apesar do alívio pelo acordo, a situação não é inédita. “Nas últimas sete décadas, o teto da dívida americana foi aumentado 78 vezes”, comenta Ariane Benedito, economista especialista em mercado de capitais, acrescentando que, então, “é possível que a próxima discussão seja mais um embate para um aumento”. 

Marco Saravalle, analista e sócio-fundador da SaraInvest, concorda. “O que a gente sabe é que talvez os gastos americanos vão continuar subindo ao longo dos próximos anos. Ou seja, esse assunto vai voltar em algum momento. Talvez após as próximas eleições presidenciais. Com certeza vai voltar à pauta.”

Presidente da Câmara dos EUA, Kevin McCarthy, e presidente norte-americano, Joe Biden 22/05/2023. REUTERS/Leah Millis/File Photo

Nesse sentido, a crítica é que essa sucessão de acordos apenas “posterga” uma solução mais estrutural do problema. É o que aponta Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, que afirma que o ideal seria “chegar a uma solução que seja sustentável a longo prazo, e não apenas ‘empurrar’ com a barriga e ir subindo o teto da dívida indiscriminadamente”. 

Por isso, o especialista comenta que o prazo do acordo agora pode “dar tempo para pensarem em uma estrutura mais eficiente que o modelo atual“, que seria melhor “do que simplesmente aumentar o limite do cartão do crédito”.

O custo do acordo

Os especialistas também comentam o custo que o acordo terá ao governo de Joe Biden. Isso porque, desde as negociações, o grande impasse era que os republicanos exigiam medidas de corte de gastos para elevar ou suspender o teto da dívida. Para solucionar a questão, então, o governo teve que fazer concessões – o que tem seus impactos. 

“Teve corte de alguns gastos que o próprio Biden tinha aprovado para fazer modernização em algumas áreas do governo, isso teve que ser cortado. Também os recursos que teoricamente sobraram da época da covid, isso também foi cancelado”, lista Luciano Costa, economista-chefe e sócio da Monte Bravo Investimentos. 

“Além disso, que acho que é o mais duro das regras, o que foi acordado é que os gastos de 2024 vão ser mantidos no mesmo nível de 2023. É relativamente restritivo, dado que você tem, bem ou mal, alguma inflação nesse período. Além disso, para 2025, também foi acordado um crescimento só de 1% dos gastos sobre a base de 2024”, destaca ele. 

Diante das regras e do números, o economista avalia que, no final das contas, o acordo funcionou, sim, como uma elevação do teto da dívida, apesar de ser formalmente apenas uma suspensão temporária. 

“Fazendo as contas, você vai deixar com que os gastos subam em torno de US$ 3 trilhões a US$ 4 trilhões daqui até 2024. Então isso seria equivalente ao aumento do teto da dívida. No final, você continua com o mecanismo implícito.”

Luciano Costa, economista-chefe e sócio da Monte Bravo Investimentos

De qualquer forma, ele aponta que, no final das contas, “por mais que tenha uma resolução, a gente sabe que tem custos. Teve a questão do gasto sendo contido”.

Outro efeito: menos liquidez

Além da incerteza sobre o tema – que, naturalmente, leva volatilidade aos mercados financeiros – Alejandro Ortiz, analista da Guide Investimentos, cita outro fator de pressão em torno da discussão sobre a dívida dos EUA: a redução da liquidez (ou seja, quantidade de dinheiro no mercado) após a decisão do Congresso. 

“A elevação do teto da dívida vai permitir ao Tesouro americano retornar com as emissões de dívida pública. Então, ele vai ofertar muitos títulos no mercado, o que significa dizer que ele vai retirar liquidez do mercado. E isso pode ser um pouco mais desafiador para os ativos de risco como um todo.”

O mercado confia?

Apesar da iminência de um calote da dívida dos EUA ter potencial catastrófico sobre os mercados, a recorrência desse tipo de discussão reduz a desconfiança entre os investidores. 

Operadores trabalham na Bolsa de Valores de Nova York 17/08/2022 REUTERS/Brendan McDermid

Em outras palavras, é como se o mercado já não acreditasse mais na possibilidade de calote, como aponta a economista Ariane Benedito, que acrescenta, porém: “de qualquer forma, o mercado precifica expectativas, o que faz as discussões causarem volatilidade, impactando os ativos de risco”.

Mas, mesmo após os dias de incertezas, o mercado de títulos soberanos dos EUA segue considerado o mais seguro. Alves, da Ação Brasil, ressalta no entanto que deve haver atenção, já que, “em se tratando dos EUA, o calote é visto como pouco provável, mas não impossível”. 

Segundo o especialista, o “excesso de confiança no devedor que dá segurança para o mercado acreditar que o calote não vai acontecer, o que mantém a demanda pela dívida americana, e faz dela o ativo mais seguro do mundo.”

“Ela dá segurança para o mercado financeiro no mundo, e por isso essas discussões de não pagamento acontecem, só que com um peso cada vez menor, e refletem sim sobre o nível de gastos dos Estados Unidos e para onde essa trajetória de dívida pode nos levar.”

Este conteúdo é de cunho jornalístico e informativo e não deve ser considerado como oferta, recomendação ou orientação de compra ou venda de ativos.

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