O economista e ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira defendeu, na noite desta terça-feira (23), o novo arcabouço fiscal proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e aprovado na Câmara dos Deputados na véspera. “O arcabouço fiscal é um compromisso, e também uma forma de garantir uma certa ordem. Portanto, eu defendo essa política”, afirmou.

A declaração foi dada durante debate em São Paulo, promovido pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), como parte da celebração do aniversário de 90 anos da instituição.

Três palestrantes sentados no palco em evento FESPSP 90 anos, homem com microfone.
Luiz Carlos-Bresser Pereira e Juliane Furno debatem Estado, Desenvolvimento e Democracia em evento de comemoração aos 90 anos da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP),

O ex-ministro e também professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) associou as demandas pela aprovação do arcabouço fiscal e por ordem ao neoliberalismo e conservadorismo.

“A lógica deles é fundamentalmente a lógica da ordem. E o que você percebe é que um país que perde o controle das suas contas fiscais entra em crise geral. Então, o problema é que você pode entrar em déficit fiscal, mas tem que ser muito bem controlado.”

Bresser-Pereira comentou sobre a necessidade de aliar interesses para a construção de uma política econômica. Ele disse lembrar-se de uma frase que ouviu de seu pai sobre a política ser a arte de fazer compromissos.

“O Haddad é um político, graças a deus, porque você querer no ministério da Fazenda só um economista é uma loucura.”

Luiz Carlos Bresser-Pereira, economista e ex-ministero da fazenda

Independência do BC e teto de gastos

O debate teve mediação da diretora acadêmica da instituição, Maria Palmira da Silva, e contou com a participação de Juliane Furno, professora da Faculdade de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

A economista associou medidas como a independência do Banco Central e o teto de gastos a limitações da democracia. “É no estado, em quem ocupa o executivo do país, que a gente vota”, disse Furno. Para a professora, há um movimento de diminuição das atribuições do estado, que seriam passadas ao mercado. 

‘Doença holandesa’

Luiz Carlos-Bresser Pereira falou ainda sobre dois problemas cujo enfrentamento considera fundamentais para o alcance do desenvolvimento: o crescimento com endividamento externo e a chamada “doença holandesa” (quando a economia de um país fica dependente demais de seus recursos).

“No primeiro governo Lula, meu amigo Guido Mantega dizia que não tinha doença holandesa. O meu amigo Fernando Haddad não diz isso, mas também não faz nada. E estou cobrando dele. Ele acha que basta baixar os juros e não basta.”

Luiz carlos bresser-pereira, economista e ex-ministero da fazenda

“O Brasil, como todos os países que são exportadores de commodities, são os países que têm a chamada doença holandesa. É simplesmente o fato de que o país exporta commodities (…) que geralmente podem ser exportadas a uma taxa de câmbio substancialmente mais apreciada do que a taxa de câmbio que é necessária para que as empresas industriais que usam a melhor tecnologia do mundo sejam capazes de competir internacionalmente”, acrescentou o ex-ministro.

O professor deu o exemplo de uma suposta taxa de câmbio para commodities que fosse necessária em R$ 4,50, mas que, para a indústria, fosse R$ 5,10. Os R$ 0,60 de diferença seriam a doença holandesa, que deveria ser neutralizada com uma tarifa equivalente a esses R$ 0,60 sobre os bens manufaturados e com um subsídio sobre a exportação.

“Feitas essas duas coisas, as empresas industriais brasileiras passariam a ter igualdade nas condições, e se elas forem competentes, elas se desenvolvem”, declarou.

Crítica a governos passados

A origem do problema, segundo Bresser-Pereira, estaria no governo de Fernando Collor de Mello, que classificou como “radicalmente neoliberal”. “Foi então que o Brasil fez a abertura comercial e a abertura financeira, e perdeu o controle da sua taxa de câmbio e da sua taxa de juros.”

Ainda sobre os presidentes passados, o professor afirmou que Fernando Henrique Cardoso foi “ótimo no plano social, excelente nos direitos humanos, um governo honesto, mas um governo no plano econômico desastroso”, e chamou de “um populismo de direita da pior espécie” o governo de Jair Bolsonaro.