A Câmara dos Deputados aprovou a reforma tributária nesta sexta-feira em dois turnos e com placar folgado, em uma votação histórica após décadas de discussão e a partir de acordo do governo com parlamentares, conferindo uma vitória ao Executivo e abrindo caminho para que ela seja promulgada ainda este ano.
Ainda que seja considerada uma conquista para o governo — o texto-base foi aprovado em primeiro turno por 371 votos favoráveis, bem acima do mínimo necessário de 308, e por 365 no segundo –, a conclusão da reforma tributária atesta a força política do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O texto aprovado nesta sexta-feira, dia incomum para votações no Congresso, preserva a estrutura central da proposta, mas suprime alguns trechos incluídos pelos senadores após uma primeira análise da Câmara, onde teve sua tramitação iniciada.
A ideia dos parlamentares que negociavam a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) era promover apenas supressões de dispositivos para evitar que o texto tivesse de retornar ao Senado. Assim, garantiram que ela possa ser promulgado ainda neste ano, muito provavelmente na próxima semana, a última de funcionamento do Congresso antes do recesso parlamentar.
A votação da reforma foi acelerada após um acordo firmado em almoço na terça-feira entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da Câmara, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
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Reportagem da Reuters publicada na quinta mostrou que o governo concordou com a derrubada de veto a trecho do arcabouço fiscal que permitia o contingenciamento das emendas de comissão em troca da aprovação da reforma tributária e de outras matérias da pauta econômica.
A expressiva liberação de emendas parlamentares na reta final dessas negociações também contribuiu, segundo fontes do Congresso, para aumentar a disposição de deputados e senadores para realizar as votações.
Próximos passos
A efetiva implementação do novo sistema ocorrerá após período de transição e ainda dependerá da aprovação de leis complementares de regulamentação.
A reforma substitui PIS e Cofins (federais) por uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), e aglutina ICMS (estadual) e ISS (municipal) em um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Pouco depois de a Câmara aprovar o texto-base em primeiro turno, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que sua equipe terá que calcular o impacto das mudanças feitas pela Câmara dos Deputados na reforma tributária, mas avaliou que a alíquota padrão do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) deve seguir próximo à faixa anteriormente estimada.
A Fazenda havia calculado que a alíquota padrão do IVA — a ser definida posteriormente em projeto de lei — ficaria entre 25,9% e 27,5%, a partir de mudanças à proposta aprovadas no Senado.
O texto define que será criado um imposto seletivo a ser cobrado na produção ou comercialização de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, podendo incidir também sobre armamentos.
O novo sistema terá um teto para a arrecadação da tributação sobre consumo, mantendo patamar equivalente à média da receita observada no período de 2012 a 2021 como proporção do PIB.
A proposta define ainda que o Fundo de Desenvolvimento Regional, destinado a compensar Estados impactados pelas novas regras, receberá um aporte anual total que, após período de transição, chegará a 60 bilhões de reais em 2043.
O novo modelo ainda terá um sistema de “cashback”, que retornará parte do tributo a famílias mais pobres. O mecanismo será regulamentado posteriormente.
Exclusões
O relator da proposta, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), excluiu do texto alguns regimes tributários diferenciados adicionados pelo Senado a setores específicos, como saneamento, concessão de rodovias, transporte aéreo, economia circular, energia solar e combustíveis.
“Não podemos perder de vista que a redução da alíquota para um bem ou serviço adquirido pelo consumidor final implicará o aumento da alíquota para o restante da economia”, argumentou o relator, no parecer.
Em outra alteração, foi eliminada a regra que previa a criação de uma cesta básica estendida com desconto de 60% na tributação. Esse benefício seria complementar à cesta básica principal, isenta do tributo.
O texto do Senado previa a criação de uma Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) para estimular a competitividade da Zona Franca de Manaus, mas o dispositivo foi suprimido por Ribeiro. Será mantida previsão de cobrança de IPI para essa finalidade.
“Diante da forte rejeição à ideia de tributar as demais unidades da Federação com uma Cide, com o objetivo de aumentar a competitividade da região amazônica, e ainda direcionar os recursos desse tributo para a mesma região, chegou-se ao consenso de se alterar o modelo de benefício da ZFM, mantendo a vantagem competitiva da região com o uso do IPI e não da Cide”, explicou o deputado no relatório.
Ainda em relação à Zona Franca, foi eliminada a possibilidade de empresas da região importarem combustíveis com favorecimento tributário.
Outra supressão diz respeito a dispositivo que premiaria Estados que ampliassem sua arrecadação durante o período de transição da reforma. O dispositivo havia sido alvo de críticas de governadores, que passaram a anunciar aumentos de tributos estaduais em busca de turbinar receitas.
O relator eliminou ainda artigo que autorizaria servidores públicos estaduais e municipais a alcançar o limite remuneratório dos servidores federais, que é mais alto.
Em destaques aprovados depois da votação do texto-base em primeiro turno, deputados retiraram do texto dispositivos que permitiam que fabricantes de peças automotivas se beneficiassem com incentivo fiscal para instalação de montadoras nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Nos minutos finais de votação da proposta em segundo turno, foi aprovado um destaque retirando do texto a possibilidade de a União instituir o imposto seletivo – destinado a desestimular o consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente – sobre armas e munições.
Eram necessários ao menos 308 votos para manter esse trecho no texto, mas o número de deputados que votou pela manutenção não passou de 293, razão pela qual o dispositivo foi excluído.
O advogado Anderson Trautman Cardoso, sócio da área Tributária do Souto Correa Advogados, avaliou a aprovação da reforma tributária como positiva, mas lembrou que ela ainda carece de leis posteriores para que seja regulamentada.
“É um momento histórico para o Brasil, mas muitos pontos ficaram para ser tratados em lei complementar, de modo que o efetivo efeito benéfico da reforma dependerá dessa regulamentação”, ponderou Cardoso.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) comemorou: “O país passará a ter um sistema tributário mais moderno, transparente e alinhado às melhores práticas internacionais, simplificando a vida de quem gera emprego e renda no Brasil”.
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