Com as boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) ganhando notoriedade no mercado financeiro, investidores têm optado por fazer aportes em empresas que também tragam esse conceito em seu DNA. Diante disso e da falta de informações específicas das companhias, tem sido um desafio acompanhar de perto as práticas ESG de empresas de capital aberto.
Marcos Rodrigues, sócio da BR Rating e MRD Consulting, lembra que o assunto não é novo. Começou a ser falado na Organização das Nações Unidas (ONU) há mais de 30 anos, mas a pandemia o transformou em tema de prioridade. O ESG tem influenciado bastante, e positivamente, as estratégias empresariais das companhias listadas na bolsa de valores.
“As empresas têm se organizado, tomado mais cuidado com seus relatórios de sustentabilidade e percebido que o mercado em geral tem olhado as companhias com estratégias ESG com muito mais consideração”, diz Rodrigues.
Cacá Takahashi, vice-presidente da Anbima, chairman da BlackRock e coordenador do grupo consultivo de sustentabilidade, acredita que o ESG encontrou o espaço ideal nas discussões do mercado. “O fato de lidarmos com eventos inesperados e sem a real noção dos impactos deixou algumas questões ainda mais evidentes – por exemplo, as sociais”, diz.
Já Fabio Alperowitch, sócio-diretor da Fama Investimentos, aponta que o ESG era um assunto ignorado e que não fazia parte da pauta da diretoria, presidência e conselhos de empresas de capital aberto até 2 anos atrás e que, apesar de ter ganhado notoriedade, ainda não se faz presente nas práticas empresariais.
“Hoje, existe, sim, uma preocupação com este assunto. Algumas empresas estão poucos sensibilizadas com essa agenda. Outras, mais. Agora existe um holofote sobre a temática, então passa a ter algum tipo de atenção, mas ainda é muito superficial na maioria dos casos”, avalia Alperowitch.
Impactos das práticas ESG
Estudo feito pela Ágora Investimentos apontou que a adoção da agenda ESG pelas empresas promove diversos impactos positivos, como lucro e maior valor na bolsa de valores, vantagens competitivas e melhor reputação.
Bruno Komura, analista de renda variável da Ouro Preto Investimentos, ressalta que o tema ESG é um dos pilares para a criação de valor ao longo do tempo para as empresas. Segundo ele, essas práticas estão se tornando cada vez mais importantes para os clientes das companhias.
“Para que a empresa tenha perspectiva de longo prazo, é preciso atender a essas novas demandas. O principal impacto positivo é a sustentabilidade dos negócios sob vários aspectos (ambiental, pessoa, etc). Com esta tendência, novas tecnologias estão sendo desenvolvidas e também estamos vendo mais disrupção. Isto abre oportunidades para quem está inovando”, afirma Komura.
Rodrigues defende que os impactos das práticas ESG são um caminho sem volta, pois, de alguma forma, elas geram valor para a economia, atraindo investimentos nacionais e internacionais.
Alperowitch ressalta outro fator como positivo, o de uma nova geração no país. Segundo ele, a sociedade está mudando bastante e a geração Z está se importando no momento de consumo em saber como a empresa afeta o clima ou se tem violação de diretos humanos.
“Todas essas questões influenciam para a decisão de consumo dessa nova geração e de investimento também. Então, as empresas que não acordaram para estas questões, provavelmente, serão atropeladas”, afirma o gestor da Fama Investimentos.
Condutas ESG são teoria ou prática?
Estudo do Instituto Akatu (de valorização do consumo consciente) em parceria com a consultoria GlobeSkan mostrou que, em 2021, houve uma queda generalizada na avaliação do consumidor sobre o comprometimento das companhias com a sociedade e o meio ambiente.
De acordo com o instituto, há duas possibilidades para o resultado do levantamento: a primeira é que as empresas brasileiras tenham tido, em 2021, um desempenho inferior no cumprimento de suas responsabilidades. A segunda é que a exigência dos consumidores aumentou após 2020, quando as companhias foram excepcionalmente ativas.
Além disso, um estudo da PwC, empresa de auditoria, analisou os pilares ESG nos relatórios não financeiros divulgados por 78 das 81 empresas que faziam parte do Ibovespa na carteira de maio a agosto de 2021 e identificou que 31% dos relatórios que destacam temas ESG não adotam metas claras relacionadas a esses assuntos.
O levantamento também apontou que os formatos preferenciais de apresentação são o relatório de sustentabilidade e o relatório anual. Veja:
Ainda de acordo com a PwC, 26 das 67 empresas que divulgaram relatórios (39%) não participam de nenhum índice vinculado a questões de sustentabilidade, 16 empresas (24%) participam de ao menos um índice, enquanto 25 empresas (37%) têm suas ações listadas em mais de um índice. Confira:
Para Komura, no momento, as práticas ESG por parte das empresas estão mais na teoria. Segundo ele, as companhias estão à procura das melhores práticas para implementar e mostrar e que quando as discussões estiverem mais maduras, o ideal é atuar de forma que haja alinhamento com o modelo de negócios e não tentando ser o melhor em todas as frentes.
Já para o gestor Fabio Alperowitch, as atitudes das companhias listadas em bolsa não estão nem na teoria, nem na prática, mas, sim, no departamento de marketing.
“Boa parte das empresas tem feito alguma coisa, mas mais para mostrar do que para transformar. Elas mais falam do que fazem, outras mal falam. Vai demorar para mudar este cenário enquanto a capacidade crítica das pessoas ainda é muito baixa. O Brasil é extremamente desigual. Olhando grandes indicadores sociais e ambientais, só estamos piorando”, diz Alperowitch.
Práticas ESG: como acompanhar e avaliar?
Não existe um documento oficial, obrigatório e específico que reúna as melhores práticas ESG por parte das empresas de capital aberto.
No final do ano passado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou alteração das regras do chamado formulário de referência, um dos documentos obrigatórios das companhias abertas que oferece um panorama das empresas aos investidores.
O órgão regulador fez a ampliação da exigência de divulgação de informações sobre os aspectos ambientais, sociais e de governança dos negócios. As novas regras, que começarão a valer para os formulários de 2023, com dados referentes a 2022, têm caráter de orientação para o mercado e não de obrigação e exigência de conduta.
Na avaliação de Fabio Alperowitch, gestor da Fama Investimentos, não existe essa disponibilidade de informação e o investidor pessoa física não consegue entender alguns dados sobre a temática ESG, como, por exemplo, números sobre intensidade de carbono de uma companhia.
“A informação é seletiva, a empresa mostra aquilo que ela quer. A tendência é que ela mostre o que é bom e esconda o que é ruim. A questão não é nem a disponibilidade de informação, é a falta de preparo para interpretá-las. No momento em que o público tiver esse preparo, ele vai cobrar das empresas. Hoje, isso não existe”, opina Alperowitch.
Já para Bruno Komura e Marcos Rodrigues, existem algumas formas de o investidor avaliar e acompanhar estas práticas de perto. Confira as principais dicas deles:
1-) Verifique redes sociais, sites e relatórios da companhia
O investidor deve pesquisar fontes oficiais de informações da empresa e constatar se são divulgados dados sobre a temática ESG, de que forma e periodicidade são feitos e por quais canais.
2-) Faça o acompanhamento de informações
A partir da identificação dos canais de divulgação de informações, é necessário acompanhá-los com frequência.
3-) Atenção aos produtos e serviços das empresas
Outra forma de o investidor conseguir acompanhar essas práticas é por meio, caso seja perceptível, dos produtos e/ou serviços da companhia.
4-) Fique atento aos possíveis desvios de atitudes
O acompanhamento no dia a dia é a melhor forma de verificar as práticas de uma companhia, o que permitirá uma avaliação mais crítica de qualquer informação, ou desvios de atitude, por problemas que podem parecer pequenos, mas que possam reduzir a credibilidade dos dados divulgados.
5-) Acompanhe indicadores e métricas
Existem índices, como o de sustentabilidade da B3, em que é possível acompanhar o comportamento das empresas. Além disso, há também companhias que prestam serviços dedicados às avaliações de práticas ESG.
Greenwashing: como evitar?
O termo greenwashing pode ser traduzido do inglês como “lavagem verde”, ou seja, consiste em promover propagandas e discursos com características de valores sustentáveis, mas, na prática, essas atitudes não acontecem, sendo apenas estratégia de marketing das empresas.
De acordo com os especialistas ouvidos pelo InvestNews, esta prática é comum entre empresas e requer atenção dos investidores.
De acordo com Fabio Alperowitch, o greenwashing prática acontece pelo olhar muito novo que algumas pessoas têm sobre o assunto e que, por isso, não possuem capacidade crítica para entender o que de fato é fundamental.
Já Komura aponta ser importante ter regulamentações e certificações, mas, para que tudo não passe de uma ação de marketing, é preciso fiscalizar.
Marcos Rodrigues, sócio da BR Rating e MRD Consulting, considera que o greenwashing existe e a empresa que se propõe a ser diferente deve ficar atenta para não ter comportamento inadequado.
“A certificação é importante, a regulamentação é determinante, com direitos que regulem a gestão das empresas, o comportamento das pessoas. O ESG acaba sendo uma política de comportamento envolvendo os três pilares. Ele, precisa, sim, ter muita regulamentação”, destaca Rodrigues.
Tendências ESG
Para Fabio Alperowitch, gestor da Fama Investimentos, as práticas ESG vão além de seus pilares, sendo preciso falar de questão social de trabalho, corrupção, inclusão etc.
“A gente precisa abrir um pouco nosso leque e olhar mais para o lado e não achar que ao olhar carbono e equidade de gênero as empresas estão adequadas ao ESG”, alerta Alperowitch.
O gestor acredita que a geração Z tem esses conceitos mais fortes e, a partir do momento em que passarem a ocupar seu espaço na sociedade, como consumidores e integrantes do mercado de trabalho, este assunto se resolve. Segundo Alperowitch, ainda vai demorar para essas pessoas ocuparem esses espaços e a preocupação que fica é de como serão os próximos anos até lá.
Para Komura, ainda há muitos problemas para focar além das questões ESG, como incerteza em relação às eleições, além da pandemia que ainda não chegou ao fim. “Enquanto não resolvermos esses pontos, veremos as empresas caminhando em direção às boas práticas, mas não devemos ver nada disruptivo”, considera o analista da Ouro Preto Investimentos.
Segundo ele, o movimento ESG ainda está no início e é preciso esforço para implementar, mas, com o tempo, é importante as empresas incorporarem essas práticas no dia a dia.
Marcos Rodrigues, sócio da BR Rating e MRD Consulting, considera que as práticas ESG são um caminho sem volta e que as empresas têm cada vez mais investido na temática, estando mais preocupadas em dar resposta ao que está acontecendo.
“A pandemia foi um alavancador no aspecto ESG. Percebeu-se que a sociedade corre sério risco se não tiver políticas de preservação, de tratamento às pessoas, de como gerir recursos. Então, as empresas precisam se manter atualizadas, criar controles e governança, ministrar treinamento, fazer com que o acionista entenda o que está acontecendo, ou seja, essas companhias têm bastante lição de casa a executar”, conclui Rodrigues.
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