Houve muito ruído em torno da última decisão do Copom. Mas uma coisa ficou bem clara na comunicação: seu objetivo é ancorar as expectativas de inflação. Para Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management, isso significa que o espaço para novos cortes na Selic ficou bem menor.
“Não vejo as expectativas [projeção de inflação] sendo ancoradas tão cedo, especialmente as de prazo mais longo”, diz Solange. “Se as expectativas continuarem piorando, o espaço para um novo corte será nulo.”
O compromisso de ancorar as expectativas e levar a inflação para a meta foi reiterado ontem pelo diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, candidato a suceder Roberto Campos Neto na cadeira de presidente da autarquia. Ainda assim, Solange considera o desafio grande. Em parte, porque o mercado ainda tem dúvidas sobre como o Banco Central vai agir no futuro, quando houver a troca do presidente da autarquia. “Não dá para dizer que a credibilidade do BC saiu ilesa”, afirma.
Mas a dificuldade vem também da política fiscal do governo, considerada expansionista e, portanto, inflacionária. E muito do cenário externo, uma vez que não se sabe qual é o espaço para o Federal Reserve cortar os juros. “Não vejo a inflação global caindo tanto daqui para frente”, afirma.
Diante dessas dúvidas, a economista acredita que o mercado vai chegar à próxima reunião do Copom, no dia 19 de junho, muito dividido sobre qual será o próximo passo da política monetária. “A menos que a gente tenha uma mudança muito grande de cenário até lá, o que é improvável, o espaço para um novo corte será discutível”, diz.
Esse clima é muito propício para volatilidade dos ativos e aumento do chamado prêmio de risco – o juro adicional que o investidor exige ao comprar títulos públicos de longo prazo ou reais. Mas uma parte dessa instabilidade pode ter a ver também com as dores da adaptação ao funcionamento da autonomia do Banco Central – formalmente implementada em 2023.
“O mercado ouviu o Campos Neto falar em Washington que a indicação de que haveria um novo corte de 0,5 ponto em maio não valia mais. E entendeu isso como uma mensagem do Copom”, lembra. “Mas com o BC autônomo, cada membro do Copom fala por si.”
A falta de explicações mais profundas sobre o voto de cada diretor dissidente é outro aspecto que precisa ser melhor ajustado à nova realidade. “Essa informação precisaria vir já no comunicado da decisão, para evitar ruídos”, defende.
Por fim, Solange ressalta que o excesso de declarações do governo atrapalha. “Muita gente do governo fala sobre o Banco Central, quer comentar a ata. Se o BC é uma instituição independente, acho que não deve haver tantos comentários sobre se gostaram ou não gostaram da ata, se a decisão foi boa ou não”.
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