A entrevista concedida no último domingo (13) pela atriz Larissa Manoela ao programa “Fantástico’, da Rede Globo, levantou questões sobre qual a segurança jurídica que menores têm quanto à gestão patrimonial de pais ou responsáveis.
Aos 22 anos, a atriz, que tem 18 anos de carreira na TV e no cinema, além de contratos como embaixadora de seis marcas nacionais e internacionais, expôs a briga com os pais que controlavam todo seu dinheiro até então. Os R$ 18 milhões estimados em patrimônio como fruto da carreira da artista foram deixados para ambos em virtude dos contratos assinados em uma holding familiar.
Segundo Rafael Stuppiello, advogado da área de Planejamento Sucessório e Patrimonial do Machado Meyer Advogados, a gestão patrimonial dos menores está definida no Código Civil e não no Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo o Artigo 1689 que aponta que pai e mãe têm direito ao usufruto e administração de bens de filhos menores, e o artigo 1.693 o que define que as administrações dos bens dos filhos menores é de responsabilidade dos pais.
“Todo fruto e rendimento desse patrimônio é também de direito dos pais. Se o menor tem um imóvel e este gera renda, esta pode ser usada para pagar as dívidas do referido imóvel e para ser usado pelos pais como bem entenderem. Todo fruto e rendimento deste patrimônio é inclusive dos pais”.
Rafael Stuppiello, advogado de sucessão PATRIMONIAL.
O jurista comenta que esse efeito termina assim que o menor fizer 18 anos, salvo raras exceções. Mas até que a maioridade não chega, os pais não têm a necessidade inclusive de prestar contas de como administram o dinheiro.
No caso de Larissa Manoela, em que o patrimônio é expressivo, Stuppiello reitera que é necessário abrir a discussão sobre a necessidade dos pais prestarem contas sobre o patrimônio. No entanto, faltam regras mais claras sobre o tema.
Litígio ou indenização
Marco Sabino, professor da FIA Business School e sócio do MV Advogados, diz que a atriz poderia entrar na Justiça em um “contencioso”, apontando que ela foi vítima de confiança, e que o patrimônio era dela, oriundo dos seus esforços. No entanto, a artista já declarou que vai abrir mão do patrimônio e não vai pedir indenização ou processar. “Ela quer colocar um ponto final e começar uma outra jornada”.
Ainda segundo Sabino, faltam na legislação do país regras mais claras sobre o trabalho de menores, em especial, artistas mirins. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, o trabalho infantil é proibido até os 16 anos.
Mas a autorização para a atuação de menores em projetos artísticos é decidida na Justiça. Atualmente, há no Congresso um Projeto de Lei sendo redigido para dar mais proteção a crianças e adolescentes e seu próprio patrimônio, conforme apontou o professor da FIA.
“Do ponto de vista jurídico, qualquer pessoa só tem capacidade de dispor dos seus bens quando for maior de idade, porque aí considera-se que a pessoa pode manifestar validamente sua vontade. E é normal que, num caso de artistas mirins ou de inflenciadores, os pais ou tutores administrem a carreira, renda e patrimônio”, disse ao InvestNews.
Há limites na gestão de menores?
Segundo Stuppiello, a administração dos bens do menor não é irrestrita, uma vez que a partir do artigo 1.689 é especificado o limite de gestão, além dos requisitos obrigatórios.
“Os pais não podem alienar os imóveis dos filhos, contrair empréstimos, usar o patrimônio para adquirir bens para terceiros, tendo eventualmente limites e atos com autorização judicial”.
rafael Stuppiello.
No entanto, o advogado se absteve de afirmar se no referido caso da artista houve de fato desvio ou ainda violência patrimonial, sendo esta última uma forma de privação de acesso ao patrimônio da própria pessoa.
“A violência patrimonial foi definida na Lei Maria da Penha, sendo o artigo 7 inciso 4 onde se aponta que a violência patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure privação do acesso a um patrimônio, bens materiais ou recursos econômicos próprios da vítima”. O advogado reiterou que a lei vale para pais contra filhos, maridos contra esposas, e vice-versa.
A questão é que não há especificações quanto ao percentual da renda do menor que pode ser utilizado como retribuição pelo trabalho desempenhado pelos pais pela gestão da carreira. Mas os advogados reiteram que é incontestável que o menor de 18 anos é uma pessoa vulnerável, já que toda assinatura de contratos, por exemplo, é feita por parte dos pais.
“Mas se os pais agem contra as crianças, eles podem ser destituídos da gestão patrimonial do menor. E isso pode ser provocado por um terceiro, no caso um familiar, um irmão mais velho, um tio”, apontou o professor da FIA Business School. No entanto, são casos delicados “uma vez que acontecem entre quatro paredes”.
Para os pais “de boa fé” daqueles que começam desde cedo a exercer algum tipo de atividade – a exemplo de influenciadores ou artistas mirins -, o sócio do MV Advogados indica que o ideal é que sejam mantidos os arquivos de todo capital recebido e gasto no período gerido, assim como seja realizada uma contabilidade bem feita.
“Tenham um bom registro de tudo, se cerquem de bons profissionais para ajudar na gestão do patrimônio, tenham um diálogo constante com os filhos e o fundamental: tenham transparência nas estruturas patrimoniais”, recomenda.
Holding familiar pode ser solução
A criação de holdings também é apontada pelo advogado Jossan Batistute, especialista em direito patrimonial, como uma segurança. Segundo o especialista, essa é uma ferramenta estratégica lícita e legal para definir e delimitar a participação de cada membro da família na gestão do patrimônio e dos recursos.
“No caso, mais importante que a holding em si é a maneira como ela é constituída, como são distribuídas suas quotas e os direitos, deveres e previsões diversas em seu contrato social, acordo de sócios e, até mesmo, um conselho de administração se for o caso. Além disso, a holding propiciará uma redução de impostos sobre rendas de aluguel e é uma excelente estratégia de organização e blindagem patrimonial”, afirma o especialista.
Jossan Batistute, especialista em direito patrimonial.
O especialista explica que, como estrutura jurídica, a holding possibilita o pagamento de menos impostos porque, como pessoa física, cada cidadão pode vir a dever ao fisco 27,5% de Imposto de Renda sobre as rendas de aluguel, por exemplo. “Ao contrário, a holding pode se enquadrar no regime tributário do lucro presumido, o que derruba o tributo para 11,33% aproximadamente”.
Logo, a holding é apontada como uma estratégia relevante para se pagar menos impostos. Mas todos os sócios familiares precisam estar conscientes da participação de cada um sendo definido contratualmente. “Dessa maneira, a holding se torna a melhor opção como forma de delimitar a participação de cada um na gestão dos bens, pois, estes são geridos por quem administrar a empresa”.
Mas, no caso da atriz, os pais colocaram inicialmente em contrato apenas 2% de participação da Larissa Manoela na holding familiar.
Veja também
- Mercado de arte esquenta e Nova York terá megaleilão de obras avaliadas em R$ 8,7 bilhões
- Para atrair os mais ricos, JHSF e KSM constroem até praias nos condomínios
- Horário de verão pode favorecer bares, mas companhias aéreas temem ‘nó logístico’
- Selena Gomez virou bilionária, e não foi por causa da música
- EUA processam Live Nation, dona da Ticketmaster, por monopólio