O governo federal vê um equilíbrio nas receitas e despesas em 2024. Mas o bloqueio de R$ 2,9 bilhões no Orçamento deste ano pode não ser suficiente para convencer o Banco Central e os investidores de que a meta de déficit zero será cumprida.
No jargão futebolístico, falta combinar com os russos – no caso, com os atores do mercado financeiro. A projeção, afinal, era de que seria necessário bloquear algo entre R$ 5 bilhões e R$ 15 bilhões para continuar bancando a promessa de zerar o saldo das contas públicas.
A suspeita é de que uma política fiscal mais expansionista esteja à espreita. Ainda mais por ser ano de eleições municipais.
Além disso, a queda na popularidade de Lula também pode aflorar o viés populista do governo. Segundo o Datafolha, um ano e três meses depois de assumir o terceiro mandato, a aprovação está tecnicamente empatada com a rejeição.
“Incertezas domésticas”
O próprio Comitê de Política Monetária (Copom) atribuiu às “incertezas domésticas”, entre outros fatores, o ajuste na sinalização sobre os próximos passos da taxa Selic. Assim, uma nova queda de meio ponto percentual só vale para maio – dali para a frente o ritmo pode diminuir para 0,25 pp; ou, eventualmente, zerar.
Essa desconfiança do BC piorou o sentimento dos investidores com a gestão federal. Vale lembrar que já havia certo desconforto diante dos ruídos políticos envolvendo Petrobras e Vale, em torno da questão dos dividendos da petroleira e da sucessão na mineradora.
“Como esperado, o mercado reagiu ao tom mais hawkish [duro] do BC e a decisão do Copom aumentou a pressão nos ativos locais, deteriorando a confiança”, observou um diretor-gerente da mesa de operações de um banco estrangeiro.
Daí porque não houve grande entusiasmo com o relatório bimestral de receitas e despesas divulgado nesta sexta-feira (22). Em linhas gerais, o documento reduz o resultado primário projetado e prevê um excesso de despesas esperadas, o que induziu ao bloqueio.
“O recado geral é que os números estão mais realistas. Ponto para a Fazenda”
FELIPE SALTO, ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN INVESTIMENTOS, EM COMENTÁRIO
A Fazenda estima um déficit primário de R$ 9,3 bilhões. Como a “margem de erro” para a meta de déficit zero é de 0,25% do PIB, a regra do arcabouço fiscal permite um buraco de até R$ 28,8 bilhões sem penalidades para o governo.
Ou seja: vende-se o cumprimento da meta com certa folga. Felipe Salto, de qualquer forma, ressalta que os gastos devem subir ao longo do ano, em especial por causa da Previdência – mesmo diante da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contrária à revisão de vida toda, que permitiria a segurados aumentar suas aposentadorias. Isso afastou um potencial impacto de R$ 480 bilhões nos cofres públicos para as próximas décadas.
Para Salto, o bloqueio combinado com contingenciamento precisará convergir com um corte de gastos mais alto e receitas mais elevadas. A conferir.
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