Economia

Após 3 meses de guerra na Ucrânia, inflação deve seguir pressionada

Especialistas comentam as possibilidades do cenário enquanto não há perspectiva de acordo.

Publicado

em

Tempo médio de leitura: 9 min

A guerra da Rússia na Ucrânia completou três meses nesta terça-feira (24) e, apesar dos conflitos armados não terem se expandido para mais países, os impactos econômicos seguem afetando diversas economias pelo mundo.

Inicialmente, com países se posicionando contra a guerra, sanções foram impostas à Rússia, como o banimento de importações de commodities do país, congelamento de reservas do banco central russo e o bloqueio de bancos locais ao acesso à Society for Worldwide Interbank Financial (SWIFT) – um sistema bancário que permite transferências de recursos entre bancos ao redor do mundo. Isso tudo com o propósito de que a Rússia fosse isolada do sistema global, de modo que perdesse suas fontes de recursos e o governo não conseguisse financiar invasões ao território ucraniano. 

Porém, os resultados dessas medidas econômicas e financeiras não têm impactado somente a Rússia. O banimento de importações da região, por exemplo, têm levado à escassez e ao aumento dos preços das commodities disponíveis no resto do mercado, o que faz com que haja aumento da inflação e das taxas de juros no mundo.

Márcio Coimbra, presidente do conselho da Fundação Liberdade Econômica (FLE), explica que num mundo globalizado os impactos naturalmente tendem a ser sentidos em todos os países. “Ainda que esteja acontecendo a milhares de quilômetros, uma disputa armada pode afetar o bolso do brasileiro. Não há como fugir dessa repercussão estando numa conjuntura de economias interligadas”, comenta.

Para Cassiano Konig, sócio da GT Capital, “isso tudo irá refletir numa queda no PIB global, dado a representatividade da Rússia”. 

Outro fato que tem causado efeitos na economia e no mercado de capitais é que muitas empresas estrangeiras que estavam na Rússia suspenderam as suas atividades no país devido às grandes dificuldades em fazer negócios e às preocupações com as suas imagens corporativas. Alguns exemplos de instituições que se retiraram foram Renault, Apple (AAPL34), Alphabet (GOGL34), Airbnb (AIRB34), Netflix (NFLX34) e Mc Donald’s (MCDC34). 

Commodities durante a guerra 

O conflito entre os países europeus e a aplicação de sanções à Rússia têm prejudicado toda a cadeia produtiva e as negociações ao redor do mundo, visto que os países têm papéis estratégicos na comercialização de diversas matérias-primas, como trigo e cereais, petróleo, gás natural, carvão e metais preciosos. Vale ressaltar que como a Ucrânia está sendo atacada, ela não consegue produzir e exportar na mesma proporção que antes da guerra. 

Para Piter Carvalho, economista da Valor Investimentos, a diminuição do ritmo de importações da Rússia e Ucrânia está “afetando principalmente os países mais pobres, como [os que estão] na África, já que alimentos e energia chegam com maior dificuldade”. 

Ele ainda comenta que o “petróleo disparou, o barril passa dos US$ 110 e deve subir ainda mais, principalmente quando se tira a Rússia do setor, já que [ela] é quase o terceiro maior produtor da matéria-prima”. Ele conclui que “saiu um player gigante no momento em que as economias estavam tentando uma retomada” pós-pandemia. 

Na mesma linha, Fabricio Gonçalvez, CEO da Box asset management, comenta que a pausa nas importações tornará os “preços das commodities cada vez mais caros”, tanto para as indústrias quanto para os consumidores finais.

Para Cassiano Konig, o comércio global precisará se adequar à nova realidade. “O Brasil buscou um novo parceiro comercial para suprir as necessidades do insumo para produção de fertilizantes, por exemplo. Então, outras economias devem fazer o mesmo, assim o ciclo produtivo global irá se readequar. Acredito que os países que possuem uma produção mais auto suficiente das commodities tendem a ter o impacto mais suavizado”, acrescenta o sócio da GT Capital.

Para Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos, quando o cenário não for mais de guerra, “é bem provável vermos economias pensando em desenvolver [um sistema] de segurança alimentar, estocando alimentos, estocando grãos, para caso aconteça algum outro tipo de coisa semelhante” a esse conflito. 

Komura também observa que será preciso pensar em questões relacionadas à energia. “Energia é uma questão bastante importante. Na última década, houve falta de investimentos em combustíveis fósseis, o que ocasionou no que estamos vendo hoje: preço de petróleo muito alto. Então, vamos ter que tomar uma decisão. Ou vamos ter que investir pesado em energia renovável… ou teremos que fazer uma transição mais lenta para uma matriz energética mais limpa“. 

Além disso, para o analista da Ouro Preto Investimentos, as reservas dos bancos centrais – que são ativos (crédito) que os países possuem em moeda estrangeira –  são, de certa forma, como armas. Isso porque quando os recursos são congelados os países podem ter problemas econômicos. Portanto, devido a esse fato, os bancos centrais e governos podem, no futuro, começar a utilizar metais preciosos como reserva de valor. “Pode haver um incentivo para desenvolver ou comprar mais ouro, prata e outros metais”, conclui Komura. 

Inflação e taxa de juros 

A inflação foi um dos principais efeitos trazidos pela guerra na Ucrânia e, segundo os especialistas, não há perspectiva clara de algum alívio nesse aumento dos preços de bens e serviços. Especialmente porque a pressão segue sobre as commodities que não estão sendo mais produzidas e importadas da Rússia e Ucrânia. Ou seja, o mundo todo está pagando mais caro pelas matérias-primas que estão disponíveis no mercado.

Esse aumento de preços tem levado bancos centrais de diversos países a elevarem suas taxas de juros, numa tentativa de controlar a inflação reduzindo o estímulo ao consumo (ou seja, esfriando a demanda). O mesmo aconteceu no Brasil, onde o BC subiu a taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic, para 12,75%, e indicando a perspectiva de mais elevações.

“A pressão inflacionária global está forte e os bancos centrais já estão subindo juros”, comenta Marcelo Oliveira, CFA e fundador da Quantzed. “O americano, inclusive, está acelerando o ritmo [de alta de juros], pois o verão está chegando e a inflação de serviços tende a subir, dado a demanda reprimida desde a pandemia.”

“O banco central europeu está vocalizando que vai subir juros agora no segundo semestre e vai retirar liquidez para combater a inflação… Até a guerra normalizar e a China resolver o [aumento nos casos de] covid-19, a inflação global continuará pressionada e as taxas de juros da maioria dos países vão continuar subindo para combater isso”, acrescenta Oliveira.

Konig, da GT Capital, diz que “com o efeito do lockdown no mundo, algumas economias vinham postergando o aumento de juros, mas a guerra fez o processo se acelerar. O Brasil correu na frente, agora os efeitos do aumento do juros para conter a inflação não estão sendo vistos no curto prazo”. 

Para ele, “num cenário pós-guerra não se sabe como ficará o comércio entre a Rússia e o restante do mundo. Esse conflito serviu para que diversos países em torno da Rússia ligassem o alerta para a dependência do petróleo e seus derivados”.

Como ficam as bolsas de valores? 

Os conflitos entre Rússia e Ucrânia também têm impactado negativamente as bolsas de valores. Marcelo Oliveira, da Quantzed, explica que, “enquanto os mercados não tiverem previsibilidade de até onde a alta de juros nos EUA irá, as bolsas vão continuar pressionadas, dado que, quanto mais os juros subirem, mais desafios as empresas terão para manter as margens de lucro”. Ele finaliza que “o cenário é muito desafiador pela frente, ainda não vemos mudanças de humor para começar a acreditar em uma retomada”.

Na mesma linha, Konig comenta que “as bolsas continuarão tendo bastante volatilidade à medida que vão ocorrendo os desdobramentos da guerra e o acirramento político em torno deste conflito”. Para ele, “num cenário pós-guerra os efeitos podem levar a uma melhora longa e gradual dos ativos de risco”.

Por outro lado, segundo o sócio da GT Capital, “o índice Ibovespa vem sendo negociado abaixo da sua média histórica e diversas empresas, inclusive, abaixo do valor patrimonial. [Portanto,] o investidor que agir de forma seletiva e alinhar as suas expectativas com uma visão de médio a longo prazo tende a colher excelentes frutos logo ali na frente”.

Atual momento entre Rússia e Ucrânia 

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, reconheceu nesta quinta-feira (26) que as sanções ocidentais contra seu país estavam perturbando suas cadeias de abastecimento, mas disse que não conseguiriam isolar o país do acesso à tecnologia.

Falando por videoconferência aos líderes dos ex-Estados soviéticos, Putin disse que a Rússia continuaria trabalhando para encontrar substitutos para as importações estrangeiras não mais disponíveis para o país, mesmo que isto não fosse uma “panaceia para todos os males”.

Aparentemente referindo-se aos Estados Unidos, ele disse que nenhum “policial mundial” conseguiria usar sanções para enfraquecer países como a Rússia, a China e muitos outros que estavam perseguindo o que ele chamou de uma política independente. Os ataques da Rússia à Ucrânia permanecem e não há previsão de acordo entre os países. 

*Com informações da Reuters sobre atual momento da guerra.

Mais Vistos