O governo brasileiro lançou nesta segunda-feira (22) uma nova política industrial para o desenvolvimento do setor nos próximos anos, através de subsídios e empréstimos na ordem de R$ 300 bilhões. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), a ideia é “reverter a desindustrialização precoce do país”.
No entanto, a missão não é fácil. Desde a década de 1990, o Brasil tem sofrido um processo de desindustrialização, com a indústria perdendo participação no Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Para se ter uma ideia, em meados dos anos 1980, a indústria de transformação representava cerca de 35% do PIB brasileiro.
Porém, a redução da fatia industrial na economia nacional foi se agravando nos últimos dez anos, perdendo espaço também na produção mundial, que atualmente caiu à metade, passando de quase 3% para pouco mais de 1%. Já no início da segunda década do século XXI, sob impacto da pandemia, a fatia da produção nacional no PIB doméstico era de 10%.
Em novembro de 2023, a indústria brasileira ainda se encontrava abaixo do patamar pré-pandemia (fevereiro de 2020) e quase 20% aquém do nível recorde alcançado em maio de 2011. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e também da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Missões da Mazzucato
Talvez, por isso, o MDIC buscou inspiração nas “missões” da política industrial proposta pela economista italiana Mariana Mazzucato. Professora da University College London, fundadora do Institute for Innovation and Public Purpose, ela é autora de quatro livros, entre eles, “Missão Economia: um guia inovador para mudar o capitalismo”.
Em artigo publicado por ela pelo Valor Econômico no dia do anúncio do governo, Mazzucato destacava que a nova estratégia industrial do Brasil sinaliza uma “mudança de maré”, com potencial para colocar o país em um rumo de desenvolvimento econômico definido por um “crescimento direcionado, que seja sustentável, inclusivo e resiliente”.
O economista-chefe do Banco Master, Paulo Gala, também professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que a ideia central das “missões” propostas por Mazzucato é direcionar a economia e a inovação em direção a objetivos sociais e ambientais mais amplos, indo além apenas do crescimento econômico.
Para o economista, as missões propostas pela professora diferem da tradicional ideia de política industrial uma vez que o governo deve estabelecer metas claras para resolver problemas complexos, mobilizando recursos e promovendo a colaboração entre empresas, universidades e a sociedade civil.
“As missões de política industrial são uma abordagem inovadora para orientar a intervenção do Estado na economia”
Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master e professor da FGV.
Segundo o economista, a política industrial desempenha um papel importante na economia, em especial dos países emergentes, de modo a promover o crescimento, a diversificação, a competitividade da indústria e o desenvolvimento de capacidades tecnológicas. Como resultado, é possível alcançar um crescimento econômico mais equilibrado.
Daí porque as “missões” direcionam esforços e recursos para áreas específicas que requerem soluções inovadoras e transformadoras, promovendo a criação de valor público e melhorando a qualidade de vida das pessoas. “O que é uma economia orientada por ‘missões’? É estabelecer um objetivo claro, ambicioso e urgente”, emenda Gala.
Durante a divulgação da “Nova Indústria Brasil”, o vice-presidente da República e também ministro do MDIC, Geraldo Alckmin, explicou que o plano de “neoindustrialização” terá metas para cada uma das seis missões (ou áreas), que irão nortear as ações até 2033. São elas:
- missão 1: cadeias agroindustriais
- missão 2: saúde
- missão 3: bem-estar das pessoas nas cidades
- missão 4: transformação digital
- missão 5: bioeconomia, descarbonização e transição energética
- missão 6: defesa
Missão fiscal
Para fomentar a nova política industrial, o governo vai disponibilizar R$ 300 bilhões para financiamento até 2026. Os recursos serão geridos pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
O montante será disponibilizado de forma contínua nos próximos três anos por meio de linhas de crédito específicas, reembolsáveis ou não, contanto que os projetos estejam alinhados com os objetivos e prioridades das “missões” de reindustrialização. Foi aí, então, que o mercado financeiro acendeu a luz amarela.
Na visão de especialistas, o anúncio colaborou para a bolsa brasileira caminhar na contramão dos mercados no exterior na segunda-feira (22). Enquanto o S&P 500 renovava o recorde de alta, o Ibovespa descia mais um degrau, atingindo o menor nível desde meados de dezembro. Já o dólar deu um salto e encostou de vez na marca de R$ 5.
- Cotação do Ibovespa hoje
- Cotação do dólar hoje
Isso porque a notícia sobre o programa de financiamento para a reindustrialização do Brasil somou-se ao impasse entre o Congresso Nacional e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em torno da Medida Provisória (MP) da reoneração, elevando a preocupação fiscal e deixando o mercado inseguro.
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O economista e gestor de portfólio Dan Kawa lembra que já há algumas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem sinalizando certo desconforto com a possibilidade de uma desaceleração econômica ao longo de 2024. Diante disso, o mandatário se mostra disposto em adotar medidas de apoio ao crescimento, vistas como expansionistas.
“A postura do presidente mostra que, na visão dele, não existe um ‘trade-off’ entre o crescimento e as contas fiscais do país.”
Dan Kawa, economista e gestor de portfólio, na rede social X (ex-Twitter).
Portanto, por mais que tenha o selo de uma renomada economista europeia, a posição de Mazzucato a favor da liderança do governo em projetos de investimento de longo prazo acaba criando ruídos políticos e pressões, mesmo que pontuais, nos ativos locais. Ainda mais em um contexto de restrição fiscal.
Missão sem ruído
Porém, é importante ressaltar que, por ora, a nova política industrial do governo não sugere gastos públicos adicionais. O economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, explica que para haver pressão sobre o Orçamento, o BNDES teria de retomar o “antigo expediente” de usar as emissões do Tesouro Nacional.
“Isso teria consequências muito ruins para a sustentabilidade fiscal”, afirma. Entretanto, Salto lembra que o BNDES já conta com montante expressivo de recursos para financiar políticas públicas, tendo desembolsado R$ 75,4 bilhões em 2023 e devendo desembolsar valor similar ou superior neste ano.
Além disso, o analista da Ajax Asset, Rafael Passos, destaca que as discussões sobre eventual alteração na taxa de juros cobrada pelo BNDES permanecem distantes, com a TLP seguindo como referência. “Mesmo com os ruídos iniciais, o programa não deve gerar impactos negativos no médio prazo”, completa, em comentário.
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