O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgou nesta sexta-feira (29) o resultado para o PIB (Produto Interno Bruto) no primeiro trimestre de 2020. A economia brasileira encolheu 1,5% no primeiro trimestre, comparado com o último trimestre de 2019, resultado desde o segundo trimestre de 2015. Para economistas ouvidos pelo InvestNews, a queda confirma que uma recessão está a caminho e pode ser o prenúncio de que a próxima década já é perdida para a economia.
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Reginaldo Nogueira, economista e diretor geral do Ibmec/SP, diz que a queda no primeiro trimestre veio dentro do esperado. “Se permanecer no mesmo patamar que este trimestre, teremos um PIB com retração entre 6% e 7% para 2020, convergindo com as estimativas do Focus“, afirma.
De acordo com o economista, o primeiro trimestre foi difícil porque em janeiro e fevereiro o Brasil já sentiu os efeitos indiretos da Covid no mundo, o que afetou as importações e exportações com a cidade de Hubei, centro logístico da China. Nos dois primeiros meses do ano, houve forte queda nos preços das commodities e do comércio exterior. Já em março, o Brasil sentiu o impacto da quarentena nas principais cidades.
Contudo, o resultado realmente desastroso só vai aparecer no segundo trimestre, preveem os economistas. “O Brasil começou janeiro otimista, acreditando em um crescimento do PIB de até 3%. Agora o jogo mudou, não é algo passageiro, e teremos um segundo trimestre super pesado”, avalia Nogueira.
Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, também enxerga a retração de 1,5% do PIB como esperada, especialmente com a paralisação de alguns setores, entre estes, serviços, hotelaria, atividade imobiliária e construção civil, deixando um cenário otimista apenas para agricultura. “A queda forte do petróleo e gás também não favoreceu a economia brasileira”, aponta. Vale estima que, para 2020, o PIB deve recuar 7,8%, queda ainda superior à projetada pelo Focus.
Vai ter recessão?
Na avaliação dos economistas não há dúvidas que teremos uma recessão no primeiro semestre de 2020. Tudo isso fruto de um primeiro trimestre perdido e um segundo que promete ser ainda pior.
Vale acredita que o segundo trimestre que deve apresentar uma forte queda. “Na margem anual, a queda do 2º trimestre comparado com o mesmo período de 2019 será de 19,6%, no terceiro trimestre a queda anual será de 9% e no 4º trimestre a queda será de 2,4%”, aponta. Ainda comparando o segundo trimestre de 2020, contra o primeiro trimestre a queda será de 17,3%. “Teremos um segundo trimestre histórico”, acrescenta.
Vale também enxerga uma recuperação lenta da economia no segundo semestre. “Muitos estados estão saindo gradualmente da quarentena, mas em um cenário de alto risco, com a curva de mortes pelo Covid crescendo, isso é complicado”, defende.
Para o economista, dado o cenário atual, o terceiro trimestre deve retrair ainda 9%, enquanto a recuperação começa a vir no quarto trimestre do ano, ainda com queda, bem menor, de 2,4%. Ele aponta que o desemprego e a queda da renda devem retardar mais ainda a retomada econômica. “Temos grandes problemas fiscais, aumento da dívida pública, crise política, uma pandemia ainda sem solução. Não será uma saída fácil”.
Pior que na era Dilma?
Segundo Vale, a década de 2010 já estava perdida, com projeções construídas desde 2014, e apesar de uma recuperação “muito pífia” em 2016 e 2017, com a crise monumental do Covid, a economia brasileira corre risco de comprometer a próxima década também.
Já Nogueira defende que com uma retração de 7% do PIB, em 2020 teremos uma queda semelhante à do biênio 2015-2016, período de crise no final do governo Dilma. Contudo, acredita que religar a economia não será tarefa fácil comparada a outras crises brasileiras. “Cresce a desigualdade, a pobreza, a renda cai e a dívida pública explode, um problema fiscal que vem desde 2013 e culmina no governo Dilma. Logo Temer tenta equacionar essa dívida, e agora virou um monstro com a arrecadação despencando”, explica.
Para Nogueira, a herança da crise será um Brasil pobre, desigual e com o peso da dívida pública muito maior. Em um ano, o Brasil terá acumulado as perdas de um biênio (2015 e 2016).
O economista destaca que o Brasil ainda não tinha se recuperado do rombo de 2013 e com a pandemia ficou ainda mais pobre. “Brasil teve queda da renda per-capita e ficou ainda pior do que tinha em 2013. A renda do brasileiro não volta antes da segunda metade desta década”, alerta.
Nogueira afirma que estamos na segunda década perdida da economia brasileira. “É muito difícil que em 2023 a gente tenha a renda per-capita que tinha em 2013”, diz. Em dados o economista aponta que em dezembro de 2019 nossa renda per-capita já era 7% menor do que em 2013. Na projeção mais otimista, a renda volta só em 2024. “Fazendo um cálculo em 2024 teremos a mesma renda per-capita que em 2014. A pandemia joga o PIB 7% para baixo, então a recuperação econômica só volta no período 2028 a 2030”,aponta.
Oferta e demanda
Olhando para o lado da oferta, o PIB teve forte queda nos serviços (-1,6%), na indústria (-1,4%) e na construção civil (-2,4%). Fechando em alta no primeiro trimestre apenas para agropecuária, que avançou 0,6%.
Para os economistas, a indústria foi afetada pela quebra das cadeias de produção global. Pesou também a forte dependência da economia brasileira da indústria estrangeira. Os serviços foram afetados pela quarentena, enquanto a construção civil além da pandemia, sofreu com a dificuldade de financiamento. Outro fator que impactou a indústria foi a taxa de câmbio elevada, o que atrapalha as importações.
A agropecuária é a única atividade que não sofre restrições, puxada pelas commodities, o câmbio que favorece a exportação, especialmente para a China, e a forte participação do Brasil na cadeia produtiva de alimentos a nível mundial. “Teremos uma safra recorde no agro, com exceção do algodão, que sofre pela queda de produção de vestuários. O etanol também cai, mas de resto tudo vai muito bem”, conclui Vale.
Do lado da demanda caiu o consumo das famílias (-2%), e as exportações (-0,9%). E subiu no primeiro trimestre os investimentos das empresas em meios de produção (3,1%) e as importações (2,8%). Os gastos do governo ficaram praticamente estáveis (0,2%) em comparação ao último trimestre de 2019.
O que pesa na demanda é o consumo das famílias, que recuou 2%. Se permanecer no mesmo ritmo nos próximos trimestres, Nogueira projeta uma queda de consumo em 2020 de 8,24%. “Com os gastos do governo praticamente estáveis, ainda teremos surpresas no consumo no segundo trimestre”, diz. Ele também destaca que a alta dos investimentos em produção foram fruto de estoque, não se limitando apenas à pandemia.