
O que explica esse descompasso? É que, aqui, a inflação continua preocupando. E as previsões para a inflação em 2026 estão acima do teto da meta, de 3%, desde o começo do ano. Até cederam um pouco, é verdade, mas não a ponto de deixar o BC tranquilo. E o que agrava essa preocupação é o fato de que, mesmo com o juro tão alto há tantos meses, a atividade econômica ainda está forte. O emprego e a renda ainda não esfriaram como se esperava. E, diante disso, o risco da inflação reacender é muito grande.
Já nos Estados Unidos, por exemplo, o cenário é diferente. O emprego vem se deteriorando: o desemprego por lá subiu de 4,3% para 4,4% em setembro (os dados estão defasados por causa da paralisação dos serviços públicos provocada pelo shutdown), ao mesmo tempo em que as contratações do setor privado estão em queda. Tanto é que já tem gente dentro do BC americano defendendo um corte ainda mais forte, de 0,5 ponto percentual.
No Brasil, o desemprego continua perto das mínimas históricas. E a renda aquecida. Essa “resiliência do mercado de trabalho” foi, inclusive, citada pelo Banco Central no comunicado da sua decisão como uma fonte de “incerteza”.
Ainda assim, tem muita gente no mercado – economistas, analistas, gestores, investidores – que acredita que há espaço para a Selic cair já no começo do ano que vem. E o principal argumento para essa expectativa é que já começa a haver algum sinal de alívio da inflação corrente, aquela que é calculada mês a mês.
“Começamos a ver uma estabilidade na inflação de serviços. O patamar ainda é elevada e incompativel com a meta, mas parece ter se estabilizado e vai iniciar um ciclo de queda daqui para frente”, disse Leonardo Porto, economista-chefe do Citi Brasil, em evento realizado pela instituição. A inflação de serviços acumula uma alta de 6,2% no período de 12 meses encerrado em novembro.
O segundo ponto é o dólar enfraquecido perante diversas divisas do mundo. São vários os motivos para isso, mas o mais relevante é a guerra comercial sem precedentes travada pelo presidente americano, Donald Trump, contra inúmeros países. Um dólar mais fraco, vale explicar, faz com que os insumos e produtos importados, como trigo e combustíveis, fiquem mais baratos, aliviando o preço final para os consumidores no Brasil.
Tudo isso é verdade, mas o BC preferiu evitar qualquer compromissos e manter uma certa dose de ceticismo: no comunicado, ele fez questão de ressaltar que as expectativas para a inflação seguem desancoradas – um termo para explicar que as projeções do mercado estão acima da meta – e que a atividade está forte. Para fazer essa convergência da inflação acontecer, o BC repete no comunicado de hoje o que já disse antes: a política monetária tem que ficar em patamar “significativamente contracionista por período bastante prolongado”. É um recado claro.
O Banco Central também tem que operar de olho em outro elemento: a agenda de “bondades” fiscais do governo. É o caso da isenção de Imposto de Renda para salários até R$ 5 mil, um projeto importante para rendas mais baixas, mas que tem força para impulsionar o consumo e, consequentemente, a inflação.