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Economia

Por que os argentinos têm seis tipos de câmbio?

Com uma inflação anual superior a 36%, dependência excessiva do dólar e poucas reservas, argentinos criam métodos alternativos para proteger seus patrimônios em meio a crise

O peso argentino (assim como o real nos últimos meses) figura sempre entre as piores colocações na lista das moedas com o pior desempenho frente ao dólar. Em 2021 até agora, o dólar oficial já tem alta acumulada de quase 7% sobre o peso. Em um ano, o avanço é de 45%. No entanto, acompanhar as cotações do dólar não é tarefa fácil na Argentina, que convive com seis tipos de câmbio – cada um cheio de burocracias e restrições.

A situação econômica da Argentina é complexa. O país, que lida com uma inflação de mais de 4% ao mês, viu sua economia encolher 10% em 2020 em meio à pandemia, voltando ao patamar de 2010. Além disso, ainda não consegue solucionar a situação de sua dívida externa, que já acumula nove calotes soberanos com os credores estrangeiros até 2020.

Em entrevista ao InvestNews, o economista argentino Ricardo Amarilla, da Economática Argentina, explica como o país foi parar em uma realidade na qual sua moeda local convive com seis tipos de taxa câmbio. Veja a seguir:

IN$- O que está por trás da situação vivida na Argentina hoje?

Ricardo Amarilla – Antes de falar do câmbio, primeiro precisamos compreender que a situação da economia argentina já estava bastante complicada muito antes da pandemia começar.

A pandemia foi um golpe muito duro os argentinos, as estimativas apontam uma queda de 12% para o Produto Bruto Interno (PIB) em 2020. Em 2021, obviamente a gente não vai se recuperar. Os efeitos do coronavírus afetaram diversas nações, mas Argentina vivia uma situação delicada há 5 anos, então a pandemia agravou ainda mais o nosso problema.

Somado a isso tem o fator cultural: o argentino utiliza o dólar como moeda para poupar, isso por causa da inflação elevada que o país enfrenta desde 2007. Em 2019, fechamos o ano com uma inflação de 53,83%, e em 2020 foi de 36,15%. Apenas no mês de janeiro deste ano acumulamos uma inflação mensal de 4,05%, superior à inflação do Brasil em um ano.

Então, em um país onde a inflação corrói o poder de compra, os argentinos preferem economizar em uma moeda estrangeira e não em pesos argentinos.

O segundo conflito é o elevado nível de pobreza que deixou muitas pessoas fora do sistema e fez com que Argentina se dolarize aos poucos. O resultado é um Estado grande e um setor privado que está encolhendo cada vez mais. Como temos muito desemprego, a inflação também atacou o salário real e os impactos na economia foram negativos.

Na Argentina também temos muitos produtos importados, vivemos uma economia dolarizada, em consequência quanto mais o dólar sobe, mais sobem os preços.

Foi por este motivo que o governo tentou domar a inflação, que é o principal problema da nossa economia. Esta também é muito instável, dependemos muito do preço de uma moeda que é o dólar, mas que não é a nossa moeda. Isso não ocorre no Brasil.

No nosso país, a regra é a seguinte: “se o dólar aumenta, sobe a inflação também. Se a inflação cai o dólar cai”.

IN$ – Por que existe o controle do dólar na Argentina e qual a consequência disso?

Ricardo Amarilla – Como a inflação estava afetando os ingressos da população argentina que recebia em pesos argentinos, então uma saída foi controlar o preço do dólar. O lógico em uma economia normal com oferta e demanda é que o dólar acompanhe a inflação, mas na Argentina não aconteceu assim. Eles deixaram o preço do dólar fixo, mas a quantidade de compra ilimitada no começo.

Então você imagina: um dólar barato com os argentinos em plena crise. Milhões de argentinos correram para comprar. O resultado foi que as reservas do governo começaram a esgotar, algo que já estava escasso desde 2019.

Foi quando o câmbio passou por uma nova mudança. Além de limitar o preço, (em 2020) ficou restrita também a quantidade. E nem todos os argentinos podiam mais comprar dólar do governo.

IN$ – Quantos tipos de câmbio existem na Argentina, e por quê?

Ricardo Amarilla – Atualmente temos seis tipos de câmbio: dólar oficial, dólar contado com liquidação (negociado na bolsa americana), dólar MEP (negociado na bolsa argentina), dólar informal (geralmente é ilegal), dólar solidário e dólar soja ou do exportador.

Isso ocorre porque o Banco Central tem poucas reservas, na ordem de US$ 39 milhões, e também usa o dólar para controlar a sua economia (inflação, preços dos produtos). Então, eles fixaram o preço do dólar e (em 2020) a quantidade a ser vendida. Em consequência, nem todos os argentinos podem comprar dólares do governo.

Como a maioria das pessoas procura a moeda americana para poupar e proteger seu patrimônio, surgiram outras alternativas no setor privado. Do lado legal, nós, argentinos inventamos, por exemplo, tentar arranjar dólares por meio da bolsa de valores.

IN$ – Poderia explicar melhor o que é o dólar oficial e o que mudou no seu funcionamento durante a pandemia?

Ricardo Amarilla – Depois que o dólar começou a ficar muito barato, muitas pessoas começaram a comprar na pandemia, como uma espécie de refúgio para crise, e isso afetou no número de reservas.

Foi quando além de regular o preço do dólar oficial, o governo começou a regular também a quantidade que era vendida. Eles preferiram vender aos importadores do que vender dólar para que os argentinos viajem ou economizem nas suas casas.

Mas os importadores também tinham medo, viram que o dólar estava barato e compraram muito mais do que precisavam. Então, foi quando o governo restringiu ainda mais a venda do dólar oficial. Agora é tudo muito limitado e cheio de burocracias.

Porém, o dólar oficial pode ser comprado pelos importadores, pessoas que trabalham no setor produtivo. E também esse tipo de dólar se tornou uma referência para a economia argentina e seus preços.

Até o dia 25 de fevereiro, a cotação de US$ 1 oficial era equivalente a 95,08 pesos argentinos.

IN$ – Como os argentinos compram dólares no setor privado?

Ricardo Amarilla – Como os argentinos buscavam comprar dólar mas o governo não queria vender para eles, a alternativa foi procurar no setor privado. Então surgiram três alternativas:

A primeira é o dólar informal, que na sua maioria é ilegal no país. É um mercado pequeno, regulado pela oferta e demanda, em que os argentinos compram dólar em locais que aqui chamamos de “cavernas”. A cotação deste tipo de dólar até o dia 25 de fevereiro era de 143 pesos argentinos.

Além desse dólar informal, existem duas alternativas legais por meio da bolsa de valores.

Uma é o dólar contado com liquidação, que basicamente funciona assim: você compra uma ação ou bonds (títulos de dívida pública argentina) na bolsa argentina e vende estes ativos nas bolsas americanas em Wall Street sob a forma de ADR (Recibos Depositários Americanos). E, desta forma você ganha dólares. Então os argentinos utilizam essa estratégia não pensando em investir, e sim focados apenas em obter dólares.

A segunda alternativa é o dólar MEP: você compra uma ação ou bonds na Argentina em pesos e vende no mercado local, na nossa bolsa, mas em dólar.

Até o fechamento de 25 de fevereiro, o dólar com liquidação custava 151,02 pesos argentinos e o dólar MEP era negociado a 141,92 pesos argentinos.

IN$ – O que é o dólar exportador?

Ricardo Amarilla – A gente conhece também como o dólar soja, que é o dólar oficial que o governo paga aos exportadores, mas com impostos de 33% – ou seja, eles recebem menos.

Então, quando os exportadores vendem as suas mercadorias, cobram o dólar oficial, mas pagam essa taxa de retenção – o que torna o câmbio menor para eles. A última cotação do dólar soja era de 63,70 pesos argentinos, até o fechamento de 25 de fevereiro.

Acontece que, como o governo regula o dólar de forma artificial, na Argentina existe um grande risco de desvalorização. Porque o dólar poderia estar mais caro e saltar, mas isso ainda não aconteceu pela falta de reservas internacionais no país.

Então, como o dólar exportador estava muito barato, por causa da inflação, muitos exportadores decidiram guardar as suas mercadorias esperando que o governo valorize o câmbio.

As importações já estavam em queda, mas as exportações também começaram a diminuir e o resultado foi menos dólares entrando na economia argentina, e as reservas se esgotando ainda mais.

IN$ – O que é o dólar solidário?

Ricardo Amarilla – O dólar solidário é raridade. Como comentei, poucas pessoas têm acesso ao dólar oficial argentino, que está mais focado nos importadores. Mas, por exemplo, quando você paga os boletos de um voo internacional ou compras no seu cartão de crédito em outra moeda, você acaba utilizado o dólar solidário.

Esse tipo de dólar nada mais é que o dólar oficial, mas com imposto de 65% sobre o valor pago. Então quando você faz uma compra internacional no seu cartão de crédito, o governo te cobra o dólar solidário com este imposto.

No dia 25 de fevereiro, o dólar solidário fechou cotado a 156,88 pesos argentinos.

IN$ – Há quem diga que a economia Argentina é como uma panela de pressão prestes a explodir. Você concorda?

Ricardo Amarilla – Embora pareça, não somos um desastre. Na economia argentina, existem setores que estão indo bem e outros que estão indo muito mal, mas a média é ruim.

O governo argentino tem gastos, mas caiu a atividade no país e por isso eles não conseguem arrecadar impostos. Mas os gastos são os mesmos. Então eles começaram a emitir muitos pesos, porque também nenhum credor estrangeiro quer empresar mais dinheiro para Argentina. Eles já pediram muito no passado e ninguém quer mais.

Então, o governo que não arrecada impostos emitiu mais pesos argentinos. E, na quarentena, teve que pagar o salário de mais de 1 milhão de funcionários de empresas. Não teve outra saída, foi preciso dar assistência a milhões de argentinos.

O resultado foi uma montanha de dinheiro, inflação reprimida, uma situação bastante delicada.

Mas acredito que a Argentina não quer chegar ao extremo de viver uma hiperinflação. Teremos momentos difíceis no futuro, sem dúvida. Porém, o que falta para o nosso país são instituições que extrapolem o poder do governo.

Outro problema é o excesso de populismo. Com um déficit fiscal elevado, é inevitável que o Estado não seja grande, mas Argentina precisa é de um crescimento no setor privado, ter uma economia capitalista que permita que as empresas criem empregos. Para isso, são necessárias instituições que vão além do partido político da vez.

Mas o pano de fundo argentino é um governo que gasta muito, emite muito dinheiro, e a situação provoca ainda mais inflação.