A China viveu, desde 2020, três intensos anos de uma política de “Covid Zero”. A estratégia de combate à doença entrou em vigor na cidade de Wuhan, primeiro epicentro de coronavírus, e serviu de modelo para as demais. Há seis meses, as rotas aéreas da China com Hong Kong foram reabertas, marcando uma nova fase para a economia do país. Desde então, no entanto, o ritmo de atividade tem se mostrado abaixo das expectativas, segundo especialistas.
Para Ricardo Schweitzer, CEO da consultoria Ricardo Schweitzer, ainda não há clareza sobre a magnitude e a duração dos estímulos que a economia chinesa planeja para o reaquecimento do mercado. “Além de ajustes pontuais nas taxas de juros, o governo vem sinalizando que planeja programas de estímulo envolvendo setores como construção civil, infraestrutura, tecnologia e consumo doméstico”, explica.
Há alguns meses o presidente Xi Jinping declarou “vitória” contra a pandemia de covid-19, relaxando algumas políticas de controle até então bem restritivas, que provocaram inclusive protestos e manifestações negativas dos chineses.
Agora, seis meses depois do relaxamento, ainda que os consumidores chineses estejam gastando, outros números trazem incertezas sobre a força da recuperação. A demanda por imóveis, por exemplo, está baixa – o que se torna um problema, de maneira que o mercado imobiliário é um dos principais vetores de crescimento da economia chinesa.
Simultaneamente, as exportações, um outro importante vetor de crescimento, estão enfraquecendo. Segundo especialistas da VG Research, esse movimento pode ser explicado, em parte, pela alta inflação no mercado exterior, que reduz a demanda por produtos chineses.
“O governo chinês tenta reaquecer a economia de todas as formas, incluindo cortes na taxa de juros. A retomada não está sendo como o esperado e dados mais recentes sugerem que a indústria chinesa continua em desaceleração com temores de uma piora nas condições macroeconômicas”, diz Lucas Schwarz, analista da VG Research.
Economia chinesa deve crescer de maneira moderada
A produção industrial e as vendas no varejo chinês ficaram abaixo das expectativas em abril. As pesquisas de confiança empresarial de maio também decepcionaram, indicando que o impulso da reabertura está perdendo força. No ano, o índice Hang Seng acumula perdas de 4,16% no ano, enquanto o MSCI China derrete 19,86%.
O mercado revisou suas projeções de crescimento da economia chinesa para 2023, de 6% para 5,5%. “Mais revisões para baixo podem ser necessárias, uma vez que essa estimativa ainda está acima da meta do governo chinês, de cerca de 5%. Além disso, as autoridades parecem relutantes em adotar medidas agressivas para apoiar a economia”, comenta Guilherme Gentile, head de análises da Dividendos.me.
O cenário-base com o qual o mercado atualmente trabalha é de uma China de crescimento moderado. “Há grandes expectativas de que os estímulos do governo possam acelerar esse ritmo”, aponta Schweitzer.
A VG Research projeta que o país crescerá cerca de 4% nos próximos anos e que o setor industrial não será o principal vetor dessa expansão.
Isso porque o PIB está crescendo, mas a reabertura tende a se concretizar com a força do componente de serviços. “O índice dos gerentes de compras (PMIs, na sigla em inglês) permanecem aquém das expectativas. Acreditamos que o crescimento futuro da China vai se concretizar, mas em um ritmo menor do que no passado”, observa Luan Alves, analista-chefe da VG Research.
“Dessa forma o cenário para o Brasil é um pouco mais complexo, pois dessa vez o PIB precisará reagir via mercado interno e não só dependendo do agronegócio e commodities”, complementa.
Commodities espelham falta de fôlego
A desaceleração da economia chinesa, provocada pela rígida política e agravada pela crise no setor imobiliário, impactou principalmente commodities como minério de ferro, cobre, níquel e alumínio, diante da participação relevante da China no mercado. O país é um forte comprador de minério e petróleo.
As commodities traduzem muito bem a falta de fôlego da China, explica Fabiano Vaz, sócio e analista de ações da Nord Research. “O minério de ferro é um indicador muito importante da economia chinesa. A commodity respondeu bem à reabertura do país, com reposição de estoques e uma alta no preço. Com uma demanda menor, posteriormente, os preços recuaram.”
Ele comenta ainda que, após três anos de fronteiras fechadas e rígidas restrições de circulação de pessoas em províncias contaminadas, a expectativa era de que o consumo no país voltasse a todo vapor – o que não aconteceu.
“A economia chinesa é muito focada na poupança, com ativos imobiliários, um setor que passa por uma crise forte. O governo estimulava muito o setor, o principal do país, principalmente a infraestrutura, o que não acontece mais pelas dívidas altas. Atualmente, tentam estimular a economia pela queda nos juros, que não tem tido um efeito tão relevante até então”, explica Vaz.
Tensões preocupam mercado
Riscos associados à pandemia, tensões comerciais e geopolíticas continuam sendo fatores que podem influenciar a trajetória da economia global. Nesse cenário, a tensa relação entre China e Estados Unidos continua sob o foco.
“As tensões comerciais e geopolíticas continuam a representar riscos para a estabilidade econômica. Disputas comerciais entre grandes economias, como Estados Unidos e China, podem levar a interrupções nas cadeias de suprimentos globais e afetar negativamente o comércio internacional”, pondera Gentile.
A economia mundial desaquecida, com os juros subindo nos Estados Unidos e na Zona do Euro, também adiou, em partes, a forte reabertura chinesa que o mercado esperava.
“Agora, sem grandes estímulos, como foi visto no passado, os próximos trimestres devem vir mais fracos. A China deve encontrar uma maneira diferente da do passado para se reerguer”, avalia Fabiano Vaz.
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