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Economia

Salário mínimo x inflação: 2 gráficos que mostram o impacto no poder de compra

A renda do brasileiro subiu acima da inflação por um longo período nos últimos 26 anos, mas a história será diferente.


Não é novidade que a inflação — o aumento dos preços de produtos e serviços — corrói a capacidade de compra do brasileiro ao longo do tempo. Nos últimos 26 anos, o real perdeu 84% do seu poder aquisitivo com uma inflação acumulada de 524,93%. Em consequência, uma cédula de R$ 100 passou a comprar apenas 16% do que comprava em 1º de julho de 1994. Mas e o salário mínimo, perdeu ou ganhou da inflação neste período? Para que o brasileiro continue comprando uma quantidade de bens e serviços suficientes para sobreviver, o reajuste anual do mínimo passou a ser obrigatório a partir de 28 de junho de 2007. Conheça essa história.


Salário mínimo superou a inflação

Apesar de o real ter perdido 84% do seu poder de compra em 26 anos, um levantamento feito pelo matemático financeiro José Dutra Vieira Sobrinho com exclusividade para o InvestNews mostra que, neste mesmo período, a evolução do salário mínimo superou a inflação oficial (veja o gráfico na arte acima).

Desde 1º de Julho de 1994 até setembro de 2020, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 524,93%. Neste período, a valorização do salário mínimo foi de 1.512,90%.

O levantamento considerou um salário mínimo inicial de R$ 64,79 em julho de 1994 e um salário final de R$ 1.045 em 2020.

Com o crescimento acentuado do salário mínimo contra a inflação do período, o poder de compra do brasileiro também cresceu. Ou seja, ele começou a adquirir mais bens e serviços ao longo do tempo, apesar da desvalorização do real.


Os diferentes reajustes

Até 2008, o salário mínimo era reajustado por critérios do presidente da República junto ao Congresso. “Muitas centrais sindicais e associações entravam em jogo para debater o reajuste, alegando a produtividade daquele ano”, aponta André Galhardo, economista-chefe da consultoria Análise Econômica.

Até então, as correções acompanhavam geralmente o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Este indicador era escolhido no lugar do IPCA, que mede a inflação oficial do consumidor, porque apontava a variação do custo de vida médio para as famílias com renda mensal de 1 a 5 salários mínimos.

Além do INPC, sindicatos e categorias sugeriam algum ganho acima da inflação. Mas não existia uma lei que obrigasse o governo a olhar outros indicadores além da inflação para estabelecer este reajuste.

Em 2007, foi criada a Lei do Salário Mínimo (Lei Nº 11.498). Na época, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) entendeu como necessário transformar o reajuste salarial em política pública. Com a nova lei, o salário mínimo passou a ser reajustado sempre olhando para o INPC, mais a variação do PIB (Produto Bruto Interno) de dois anos antes. Por exemplo, para calcular o salário mínimo de 2008, foi necessário considerar a variação do INPC em 2007 e o PIB de 2006.

Com o reajuste do INPC, era possível repor o poder aquisitivo do salário mínimo, e com base no crescimento da economia, era calculado o ganho real (acima da inflação). Ainda, quando o PIB era negativo por causa de crises econômicas era considerado no cálculo o PIB zero.

Em 2010, o governo Lula tentou criar uma política permanente de valorização do mínimo até 2019, com possibilidade de prorrogar até 2023, lembra Galhardo. Era a lei nº 12.255, que acabou não vingando.

No governo de Jair Bolsonaro, o reajuste do salário mínimo sofreu mudanças importantes. O ministro da economia, Paulo Guedes, pautou o governo segundo uma política de corte de gastos na máquina pública. Com isso, o salário mínimo passou a ser reajustado apenas de forma nominal, sem ganhos reais e considerando apenas o INPC.

“Guedes decidiu não aumentar o salário mínimo em termos reais, porque para ele o principal problema do brasileiro são as contas públicas e o impacto que a Previdência tem nisso”, explica Galhardo.


Mais cestas básicas com o mínimo

Embora o poder de compra do salário mínimo tenha crescido nos últimos 26 anos, é importante ficar atento a como evoluiu o poder de compra do brasileiro em diferentes períodos e governos.

E como entender o aumento do poder de compra? Nas palavras de Dutra, é a quantidade de coisas extras que seu salário pode comprar em relação a um momento anterior.

Veja o exemplo da gasolina: suponhamos que em 1994, o custo médio era 0,50 centavos o litro. Na época, com um salário mínimo de R$ 64,79, você conseguiria comprar 130 litros de gasolina. Em 2020, com um salário mínimo de R$ 1.045 e um preço médio estimado de R$ 4,15 por litro, você compraria 251 litros.

Portanto, hoje você consegue comprar 121 litros a mais do que no início do Plano Real. Em ganhos reais, hoje você conseguiria comprar 93% mais gasolina do que comprava em 1994.

Outro exemplo que comprova o crescimento do poder aquisitivo do brasileiro nos últimos anos com o salário mínimo é a cesta básica (veja a arte ao lado).

Segundo o levantamento, em 1994, com um salário mínimo de R$ 64,79, o valor médio nacional de uma cesta básica era de R$ 63,45. Com isso um salário mínimo comprava 1,02 cestas básicas.

Em agosto de 2020, o salário mínimo era de R$ 1.045, e o valor da cesta básica era de R$ 472,16. Em consequência, um salário mínimo compra hoje 2,21 cestas básicas.

Este aumento do poder de compra foi de 121%. Isso comprova que o poder de compra com o salário mínimo aumentou.


Ganho real x política econômica

Embora o salário mínimo tenha superado a inflação sempre em curva ascendente no longo prazo, o ganho real nem sempre aconteceu em todos os governos. Ultimamente, ele vem decrescendo até ficar zerado, graças às mudanças de políticas econômicas de cada governo.

Veja no gráfico o ganho real do salário mínimo nos últimos 26 anos:

Segundo o levantamento, foi nos governos de Lula e Dilma, entre 2003 e 2016, que o brasileiro experimentou o maior ganho real e poder aquisitivo. Neste período, também o salário mínimo se tornou uma política pública para acelerar ganhos reais.

Segundo Galhardo, esse crescimento exponencial do ganho real ocorreu graças ao fato de o Brasil ter vivido uma situação fiscal confortável, com aumento de receitas e onde não existiam preocupações com previdência. “Foi este momento estável da economia que permitiu o aumento do salário mínimo”, explica.

Já na década de 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a realidade foi bem diferente. O Brasil vivia uma situação que não permitia aumentos reais do salário mínimo, porque a principal causa da inflação era o crescimento de gastos do governo.

A realidade mudou também durante o governo de Jair Bolsonaro, sob a batuta do ministro Paulo Guedes. O entendimento de reduzir a presença do estado na economia, cortar gastos e respeitar o teto fiscal se tornou diretriz, diz Galhardo. Tudo isso, somado a uma situação de crise no Brasil, fez com que o salário mínimo não tenha mais ganhos acima da inflação. O poder aquisitivo do brasileiro diminui sempre até o próximo reajuste.

Segundo Dutra, o conflito de reajustar o salário desta forma é que, enquanto o salário é reajustado apenas 1 vez ao ano, os preços de produtos sofrem reajuste mensal. Em consequência, a quantidade de produtos e serviços que você pode comprar vai diminuindo mês a mês até ocorrer o próximo reajuste. Isso não é algo bom para o brasileiro, porque o cidadão sente os impactos no bolso mensalmente. “O cidadão tem um determinando poder de compra no mês do reajuste, logo cai e começa a perda real durante um ano, até o salário ser reajustado novamente”, afirma.


A saída não é por aí

Para Galhardo, a perda do ganho real do salário mínimo vai trazer consequências principalmente para as famílias de baixa renda. Segundo dados do IBGE até 2018, 80 milhões de pessoas no Brasil ganhavam até R$ 1.000. E os 10% mais pobres, em média 21 milhões de pessoas, ganhavam até R$ 254.

Para estes grupos, o maior flagelo é o impacto inflacionário, que costuma ser maior que o estabelecido nos indicadores. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a inflação em 12 meses para famílias de renda muito baixa (renda familiar menor de R$ 1.650) foi de 3,2% até agosto de 2020.

Segundo o último boletim Focus, a previsão da inflação para 2020 é de 2,47%. No lado oposto, a variação de preços para famílias com renda mais alta (rendimentos até R$ 16.509) é de 1,54%, bem abaixo que a inflação oficial.

“As famílias mais pobres sofrem mais com a inflação dos preços. Para quem ganha um salário mínimo ou menos a situação é caótica”, reforça Galhardo. A desigualdade se fortalece nesta comparação. Famílias de renda alta têm praticamente a metade da inflação que famílias de baixa renda.

Com o reajuste do salário apenas seguindo a inflação, Galhardo aponta que esta população será a mais prejudicada. Afinal, embora a perda do poder aquisitivo seja recuperada, famílias que são expostas a uma inflação superior continuam enfrentando a perda do poder de compra.

Para Marcelo Neri, diretor do FGV Social, o salário mínimo é uma política pública que não combate a pobreza. A alternativa seria fortalecer outro tipo de benefícios como o Renda Cidadã, que sejam mais inclusivos com as pessoas de baixa renda.

Ele afirma que, como política social, o salário mínimo é responsável pelos reajustes em aposentadorias, seguro-desemprego, BPC entre outros. Contudo, isso impacta diretamente na questão fiscal brasileira. “O salário mínimo não combate a pobreza, o valor de R$ 1.045 está muito acima das linhas de pobreza e beneficiários do Bolsa Família”, explica.

Veja também: Fim do auxílio emergencial deve levar 15 milhões de volta à pobreza

Para Neri, o grande conflito com salário mínimo são regras muito generosas que afetam o Brasil, que vive uma situação fiscal complexa, e que no futuro pode trazer problemas. Ele destaca que a pandemia mostrou outras alternativas mais eficientes para auxiliar os mais pobres. Com o auxílio emergencial, por exemplo, os grandes vencedores foram os mais pobres, informais e beneficiários do Bolsa Família. “Isso gerou um desconforto na sociedade”, reflete.

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