Embora já tenha mostrado sinais de recuperação após o tombo em 2020, o setor de turismo, um dos mais afetados pela crise, ainda não conseguiu retomar o patamar pré- pandemia. No entanto, empresários e representantes do segmento se mostram confiantes de que, até o final do ano, a retomada deve ganhar força.
O setor ainda precisa crescer 29,5% para retornar ao patamar de fevereiro do ano passado – ou seja, antes da crise. Mas os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) mostram expansão rápida nos últimos meses: em maio e junho, o índice de atividades turísticas acumulou um ganho de 43%.
Manoel Linhares, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hoteis (ABIH Nacional), confirma que “o primeiro semestre de 2021 marcou o início da recuperação do setor de turismo no Brasil, ainda que os números tenham ficado muito abaixo dos anos anteriores”.
A recuperação ganhou força com o avanço da vacinação. “Nos três primeiros meses deste ano, incluindo o Carnaval, a hotelaria apresentou um índice médio de ocupação de 50% – uma boa melhora, mas que sequer cobre os custos operacionais de um hotel. Foi a partir de março que alguns destinos (…) começaram a apresentar números de ocupação hoteleira melhores”, diz Linhares, acrescentando que “o avanço da vacinação tem sido fundamental para retomada das atividades no setor de turismo no Brasil”.
No entanto, a segunda onda da pandemia em abril freou a retomada. Uma das maiores empresas do ramo no país, a CVC (CVCB3) reportou no segundo trimestre de 2021 um aumento de 25% das reservas confirmadas de viagens, mostrando um reaquecimento da demanda pela vacinação. Mas o número total de reservas ficou quase estável, com alta de apenas 0,9%, justamente pelas restrições de atividades por causa da segunda onda de covid. A CVC teve prejuízo de R$ 175,6 milhões no período.
De qualquer maneira, com o calendário de imunização seguindo e o número de contaminações diminuindo, a expectativa do setor é de recuperação mais forte até o final do ano. É o que diz Paulo Michel, CEO da rede Louvre Hotels Group-Brazil.
“Fechamos o primeiro semestre em linha com o que havia sido orçado e abrimos julho super bem. Agosto deve superar e setembro, por sua vez, vai iniciar como o melhor mês do ano até o momento. Tudo indica que, daqui pra frente, os números serão ainda mais positivos”, espera.
Também confiante, Arthur Medeiros, diretor financeiro e de estratégia da Aros Hotéis & Resorts, fala sobre os planos para o Royal Tulip Holambra (SP), que deve ser inaugurado em outubro. “Do ponto de vista de gestão, estamos decolando novamente, mas nada garante que não tenhamos que passar por novos períodos de lockdown ou algo semelhante. Sendo assim, gestão de custos sóbria, governança transparente, relação aberta com os investidores e constantes atualizações são o segredo”, planeja ele.
Medeiros conta que o cenário atual chegou a atrapalhar o cronograma dos preparativos para a inauguração do novo hotel, com “alguma pontual desaceleração de obras que foi causada não por qualquer temor de mercado, mas sim pela falta de insumos”.
De fato, números mostram que a pandemia de covid-19 desajustou cadeias produtivas e afetou assim diversos segmentos, incluindo a construção.
Quem voltou a viajar?
É consenso no setor que o turismo de lazer está se recuperando mais rápido que as viagens de negócios. Já se fala inclusive em “mudança de perfil” de hóspedes.
A Louvre Hotels Group, por exemplo, lançou serviços e pacotes para quem está em trabalho remoto e deseja se hospedar, com opções de contratação mensalista e “hotel office”. Mas o CEO da rede comenta que, apesar de observar “evolução crescente em diversos segmentos”, “o destaque segue sendo para o lazer, com algumas exceções”.
A rede tem 15 hotéis em 8 estados e, segundo Paulo Michel, alguns já retomaram o patamar pré-pandemia, “mas com uma mudança significativa no perfil dos hóspedes”. “O hóspede business ainda deve levar algum tempo para retornar, mas o lazer está retornando com bastante força”, diz ele.
Medeiros também notou mudanças no perfil dos clientes na Aros Hotéis & Resorts neste início de retomada. “Aqui, temos algumas mudanças importantes. O público de lazer aumentou demais em função das viagens ao exterior que ainda estão escassas. É evidente que as pessoas vão voltar a viajar para o exterior, mas acreditamos que uma parte deste público foi fidelizado e entendeu que ‘perto de casa’ é possível ter bons produtos e bons momentos de lazer”, diz ele.
“O trabalho remoto também está abrindo um público que, às vezes, vai a um hotel para ter um pouco de espaço e relaxamento, sabendo que poderá continuar suas atividades profissionais. Essa mudança de mercado vai, certamente, incrementar nossos níveis de ocupação, e o investidor fareja bons negócios”, acrescenta Medeiros.
Outros desafios para o setor de turismo
Além de mudanças no perfil dos turistas e novas estratégias de negócios, economistas apontam que o setor ainda precisa lidar com desafios de um cenário mais amplo. Um deles é a própria incerteza sobre a pandemia.
“A expectativa antes da variante delta era muito positiva. A vacinação avançou e gerou muito otimismo. Aí veio a questão da variante delta, que não é tão letal, mas o multiplicador de contaminação é maior. Isso gera um freio das expectativas”, comenta Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.
De qualquer forma, ele diz que “a expectativa para o setor é, sim, de alguma melhora, (…) mas com esse fator no radar”.
João Beck, economista e sócio da BRA, diz que o pior da crise no consumo por serviços “ficou para trás em relação à mobilidade, abertura econômica e progresso da vacinação”, mas “todos os outros problemas ainda não foram endereçados”.
Entre eles, Beck cita como preocupações ainda no radar fatores que podem continuar pesando sobre a inflação (ou seja, limitando a capacidade de consumo das pessoas), como a crise hídrica e as dúvidas fiscais. “Enquanto eles persistirem, teremos mais altas de juros que freariam essa retomada do consumo por serviços”, diz o economista.
Sobre o setor de turismo, ele diz que “a retomada já começou”, mas aponta que ainda há “muitos desafios pela frente”. “Há uma instabilidade constante na demanda pelo receio que, naturalmente, muitas pessoas ainda têm. E a fonte importante de receita de viagens corporativas ainda patina e não deve voltar ao patamar anterior, conforme a cultura corporativa se adapta aos novos instrumentos de comunicação online.”
De toda forma, Linhares, da ABIH, segue confiante. “A expectativa é que, depois de mais de um ano convivendo com restrições na mobilidade devido ao isolamento social, as pessoas busquem no turismo uma forma de relaxar e descontrair, o que certamente deve aquecer o setor no segundo semestre deste ano.”
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