O real teve a 7ª maior valorização em relação ao dólar em julho, numa lista com 62 divisas. A alta foi de 1,55%. O levantamento foi feito a partir da base de dados da Investing. Para especialistas, apesar do bom desempenho da moeda brasileira no último mês, a alta pode não se estender por muito tempo.
Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, comenta que, na verdade, “essa valorização é menos relevante do que parece, pois muito desse movimento representa um retorno à média próxima a R$ 5,20 [em relação ao dólar], que é a estimativa para o ano de 2022 pela maioria dos analistas de mercado”.
“O movimento que vimos em julho dificilmente se repetirá nos próximos meses à medida que as eleições forem se aproximando, e teremos sim uma cotação do dólar cada vez mais nervosa nas próximas semanas”, acrescenta.
Para Carla Beni, economista e professora de MBAs da FGV, fazer a previsão do dólar é algo complexo, já que ele depende da interação dos agentes econômicos – empresas, setor financeiro, governo e setor externo.
No entanto, ela aponta que a estimativa do relatório Focus, do Banco Central, divulgado semanalmente, costuma ser a mais assertiva. No documento publicado na última segunda-feira (1º), a previsão de fechamento do dólar em 2022 estava em R$ 5,20 para US$ 1.
“Se não tivermos uma grande oscilação em outubro por causa das eleições… E se as exportações continuarem elevadas, isso vai ser melhor para a valorização do real, só que nós temos decisões importantíssimas até o fim do ano que podem, sim, oscilar o mercado cambial”, pontua Beni.
Moedas que mais valorizaram no mundo no último ano
No acumulado dos últimos 12 meses, o real também acelerou, ficando na 4ª posição do ranking mundial, com alta de 0,7%. À frente da moeda brasileira, ficou o sol peruano, em 3ª posição, com valorização de 3,63%; o kwacha zambiano, em 2ª posição, com valorização de 17,07%; e o rublo russo, em 1ª posição, com valorização de 18,7%.
Para Idean Alves, da Ação Brasil Investimentos, esse movimento anual do real também é uma elevação da média esperada. Ele comenta que um ponto que acelerou o desempenho da moeda ao longo de todo o período foi a “balança de exportação favorável, muito por conta do alto fluxo das commodities“.
Na mesma linha, Carla Beni, da FGV, comenta que a alta se deve aos elevados níveis de exportação no ano. Ela explica que a moeda de um país agrário exportador (como é o caso do Brasil) sofre uma influência muito grande da variação de preço das commodities. Portanto, se os valores das commodities, que são precificadas em dólar, tiverem elevação (como vêm acontecendo), isso tornará a exportação mais lucrativa e fará com que o país receba mais dólares – o que, consequentemente, aumentará a oferta da moeda estrangeira no território nacional e fará com que o preço dela caia em relação ao real.
Alves acrescenta que outro fator que contribuiu para o desempenho do real foi “o fato do nosso mercado local estar muito barato e os nossos pares emergentes estarem em um momento pior. Então, nesse quesito, o Brasil se sobressai, sendo uma boa opção para muitos investidores.”
“Sem contar com a renda fixa que está pagando taxas de retorno bastante elevadas até se comparadas com o histórico de juros dos últimos 20 anos. Tudo isso ajuda a ‘estabilizar’ a cotação do dólar e a valorizar o real”, afirma ele.
Real desvalorizou nos últimos cinco anos
Apesar do bom desempenho no mês de julho e no acumulado dos últimos 12 meses, o real teve forte baixa nos últimos cinco anos. A moeda caiu 39,6%, ficando na 55ª posição do ranking mundial.
Beni, da FGV, explica que nestes últimos anos o país sofreu grandes períodos de turbulência na economia e na política. Isso provocou um “descolamento de movimento financeiro”, que acabou levando a uma saída maior de capital, “porque tem uma falta de confiança, há dúvidas em relação ao futuro” entre os investidores, explica ela.
Para a economista, questões fiscais também influenciaram na baixa do real. Segundo ela, a perda de credibilidade perante ao cenário internacional também influenciou na retirada de dinheiro do país. “E isso acabou desvalorizando a nossa moeda.”
Do mesmo modo, Alves comenta que os últimos cinco anos foram “bem conturbados no Brasil”. Segundo ele, as questões fiscais foram ainda mais comprometidas com a pandemia, o que fez com que o investidor sentisse falta de segurança e previsibilidade. Isso levou ao afugentamento de capital do país e, consequentemente, impactou na cotação da moeda local.
Além disso, ele comenta que, “historicamente, há uma valorização do dólar frente a maioria das cestas de moedas do mundo, o que se estendeu mais recentemente, inclusive para o euro”.
O especialista da Ação Brasil Investimentos acrescenta que o mundo esteve muito instável nos últimos 5 anos com a pandemia, guerra entre Rússia e Ucrânia, choque de petróleo, descontrole da inflação global, quebra da cadeia de oferta e outros fatores. Sendo assim, os investidores preferiram buscar por segurança, migrando o capital de economias emergentes para desenvolvidas – o que aumenta a busca por dólar.
“Esse efeito deve continuar nos próximos anos pela inércia cambial de que o dólar deve se valorizar. E se o Brasil não fizer o dever de casa aumentando a sua competitividade produtiva, arrumando o (lado) fiscal e desenvolvendo a economia com diretrizes mais definidas, esse mesmo movimento deve se repetir por mais tempo”, conclui Idean Alves.
Quando o real poderá ser uma das moedas mais valiosas?
Com tantas oscilações do real ao longo dos anos, muitos se questionam se ele ainda pode se tornar, em algum momento da história, a moeda mais valiosa do mundo ou uma das principais.
Para Beni, da FGV, o primeiro passo para a valorização da moeda seria aumentar a produtividade do país. “O Brasil precisa melhorar a produtividade, essa é uma questão fundamental para que a gente consiga ser mais competitivo e melhorar os nossos resultados sob o ponto de vista interno e sob o ponto de vista externo”, comenta. Além disso, ela explica que o investimento em educação é crucial para que isso aconteça.
Alves também pensa que “o principal a ser feito é aumentar a competitividade da economia, ter uma gestão fiscal eficiente e sóbria, inspirar confiança para os investidores e ter uma diretriz de crescimento mais clara para os próximos anos e que não mude a cada eleição”.
Para ele, a falta de diretrizes impacta duramente no diferencial competitivo do país, que, se estivesse ajustado, poderia agregar em um câmbio melhor.
“Como dizem muitos especialistas, ‘nem Suíça e nem Venezuela, apenas Brasil’. No cenário atual, acompanhar e, de preferência, reduzir a nossa desvalorização frente ao dólar já seria bem relevante para a nossa economia local, uma pequena vitória, que já ajudaria a estabelecer as bases para um crescimento mais sólido e confiável nos próximos anos”, conclui.
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