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ESG

Trabalho escravo e princípios ESG são incompatíveis

Resposta das vinícolas brasileiras diante de pessoas resgatadas em condições análogas à escravidão traz alertas na perspectiva ESG: direitos respeitados são obrigação – não diferencial.

Chegamos em 2023 e ainda existe trabalho escravo? Embora seja e pareça absurda essa é uma realidade que pode estar presente em cadeias produtivas que fazem parte do nosso cotidiano. As denúncias e resgates viram notícias e chocam a todos, mas estão presentes – por exemplo – no meio rural brasileiro. O tema ocupa espaços importantes na mídia desde 22 de fevereiro, quando uma ação conjunta da Polícia Rodoviária Federal (PRF), da Polícia Federal (PF), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do MPT do Rio Grande do Sul resgatou 207 trabalhadores de vinícolas gaúchas em Bento Gonçalves.

Uma investigação permitiu a descoberta das condições análogas à escravidão em que centenas de homens eram mantidos numa pousada na cidade. Monitoramento por câmeras, práticas de tortura, alimentação estragada, cerceamento do direito de ir e vir por meio de vigilância, entre outras situações previstas pelo artigo 149 do Código Penal, que tipifica o crime de escravidão contemporânea no Brasil.

O impacto de denúncias como essas para a imagem das empresas envolvidas é devastador. Precisa ser e vai continuar sendo diante de situações criminosas, violação de direitos humanos e trabalhistas. Além disso, nesse cenário de priorização do cumprimento de princípios de Environmental, Social and Governance (ESG), tanto pelas corporações quanto pela sociedade e investidores, conexões com o trabalho escravo colocam as empresas na berlinda imediatamente  e também a longo prazo – caso ocorra a inclusão na chamada “lista suja” do trabalho escravo, que integra o modelo brasileiro de combate a esse crime.

O Brasil criou, no final do século 20, e aprimorou um modelo de combate à escravidão moderna que já foi referência no mundo e reconhecido, na década passada pela OIT, agência da ONU para o Trabalho. O modelo brasileiro parte da compreensão de que – para gerar resultados, o esforço de combater a escravidão moderna deveria ser feita em conjunto pelos setores governamental, empresarial e o da sociedade civil.

Vale ressaltar que, em nosso país, de 1995 a 2022, cerca de 60 mil pessoas que trabalhavam em condição análoga à escravidão foram resgatadas pelos órgãos competentes. Somente em 2022, 2.575 trabalhadores foram encontrados em condições análogas à da escravidão no Brasil. Um dado que destacamos é o altíssimo percentual de trabalhadores resgatados negros. Em 2022, são 83% os que se autodeclaram negros. Outro dado importante deste mesmo ano é que mais da metade dos resgatados (58%) são nascidos na região Nordeste.”

Nas vinícolas em que existia, até fevereiro de 2023, pessoas vivendo no trabalho escravo, a maioria dos resgatados, um total de 196 eram baianos e depoimentos indicam que o tratamento dado a eles era diferente do dado aos gaúchos, que não eram submetidos a espancamentos, por exemplo. 

Esses dados se mostram mais graves pois expõem suas raízes coloniais escravocratas. Nosso país foi o último do Ocidente a estancar a degradação humana derivada desse processo colonial. Os dados históricos oscilam: para o país vieram entre 38% e 44% da quantidade absoluta de africanos obrigados a deixar o continente. A precarização das condições de vida das pessoas ex-escravizadas era naturalizada antes e depois da “falsa abolição”, formalizada em 13 de maio, e não concretizada até hoje. Afinal, se não houve inclusão e garantias nas áreas estruturais como educação, saúde, habitação, direitos trabalhistas, a Abolição não se efetiva na prática e a desigualdade enraizada também é fator de continuidade de práticas de exploração do trabalho escravo.

O destaque dado pelos veículos de comunicação, a repercussão nas redes sociais, a comoção diante dos fatos divulgados, assim como a postura das vinícolas que divulgaram notas na tentativa de se descolar dos crimes foi um combo negativo para seus posicionamentos no mercado. Esse conjunto acendeu o sinal vermelho para os envolvidos e o amarelo para todo o setor privado, em especial os que já estão empenhados em associar suas imagens a práticas de ESG, que já têm, ou deveriam ter conexões sólidas com o combate ao trabalho escravo e à exploração de mão de obra.

Em relação ao E de Ambiental do ESG, a implementação e monitoramento de políticas de gestão ambiental também incluem avaliar riscos trabalhistas e condições de trabalho na cadeia de suprimentos. Esses fatores também se relacionam ao S de Social, na medida em que respeitar Direitos Humanos, promover justiça social e cumprir leis trabalhistas são deveres para observar a responsabilidade social. Tudo isso converge na boa governança, com ética, transparência, responsabilidade, que efetivamente ajudam na prevenção do trabalho escravo e exploração de mão de obra em toda a cadeia de suprimentos.

O ESG não é apenas um diferencial no mercado, um fator de competitividade, ao ser realmente incorporado torna-se uma obrigação organizacional e estende-se aos prestadores de serviço. Nesse caso das vinícolas, houve tentativa das empresas de atribuir a responsabilidade para as terceirizadas que contrataram os trabalhadores resgatados, mas essas ações foram rechaçadas pelos órgãos competentes e pela sociedade. Isso ressalta o cuidado que é necessário ao contratar fornecedores, ao terceirizar serviços, adotando critérios para assegurar que essas práticas não estejam em desacordo com as de ESG, comprometendo todo um trabalho anterior, internamente e externamente.

As vinícolas envolvidas, mesmo terceirizando a contratação, além de terem suas imagens e posicionamentos afetados negativamente, tiveram que assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) de R$ 7 milhões com o Ministério Público do Trabalho (MPT). O TAC prevê 21 obrigações que tem o objetivo de disciplinar a contratação de serviços terceirizados e impedir que o problema volte a ocorrer. 

Os prejuízos são volumosos de qualquer ângulo e sob todos os critérios que já mencionamos. Práticas abusivas, ilegais, imorais, negligentes, são fatores de risco alto num mundo em que ESG e trabalho escravo são absolutamente incompatíveis. Por isso as políticas de ESG, além dos benefícios mais conhecidos, são também ferramentas que demonstram eficiência nessa luta pelo fim da exploração de mão de obra e da escravidão moderna. 

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