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Finanças

Alta das ações de Magalu e Casas Bahia mostra reconciliação com o varejo? Analistas pregam cautela

Para especialistas, fundamentos das empresas ainda inspiram cuidado e movimento atual envolve capital (principalmente externo) de risco

“Pago pra ver você rogar a minha volta. Minha revolta tá na sua ingratidão. Quem deu amor, quem se entregou, não merecia… uma partida sem deixar explicação.”

A música de Zeca Pagodinho, “Pago Pra Ver”, resume o clima atual dos investidores com as ações de varejo – personificado nas duas companhias mais populares da B3 no segmento, Magazine Luiza e Casas Bahia. Os papéis das duas empresas dispararam em agosto, reagindo à melhora dos balanços relativos ao segundo trimestre. Mas, para analistas, essa aparente reconciliação do mercado com as varejistas ainda será colocada à prova. Por isso, pregam cautela para quem quer se aventurar. 

Somente nos primeiros vinte dias de agosto, as ações da Magalu (MGLU3) subiram 24,5% e as da Casas Bahia (BHIA3), 36,5%. No mesmo período, o Ibovespa acumulou valorização de 6,6%. Em que pese a euforia recente com a Bolsa, do ponto de vista dos fundamentos dos negócios dessas empresas, o que prevalece entre especialistas é o seguinte recado ao investidor: não faça nada por enquanto.

O que animou os investidores foi a melhora do desempenho das duas companhias no segundo trimestre, fruto de um longo e intenso processo de ajustes operacionais e financeiros. Como resultado, ambas saíram do vermelho: a Casas Bahia teve lucro líquido de R$ 37 milhões no 2T, ante prejuízo de R$ 492 milhões no período de abril e junho de 2023. A Magazine Luiza lucrou R$ 23,6 milhões, revertendo o prejuízo de R$ 301,7 milhões apresentado um ano antes.

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Essa evolução (falaremos mais sobre isso) ajudou a animar os investidores. Mas existe um fator extraordinário contribuindo para os ganhos das ações: o ingresso de capital externo na B3 em busca de barganhas na Bolsa brasileira, sem se preocupar muito com os fundamentos, dizem especialistas. E como esse dinheiro vai e vem, é preciso olhar com algum ceticismo o desempenho recente das ações.

Essa visão mais cautelosa sobre as ações dessas empresas, considerando um horizonte de longo prazo, está expressa nas recomendações de analistas. Em um levantamento abrangendo dez bancos e corretoras, Magalu reúne três indicações de compra e sete avaliações neutras (70% do total). Para a Casas Bahia, a proporção de neutralidade é ainda maior, com seis apontamentos do tipo entre oito instituições (75%). As outras duas recomendam venda das ações.

Risk on

Marcos Duarte, analista da Nova Futura Investimentos, afirma que o capital estrangeiro tem buscado oportunidades mesmo em ações mais arriscadas. Essa volta do gringo para a bolsa brasileira tem a ver, principalmente, com a perspectiva de queda dos juros nos Estados Unidos a partir de setembro – o que estimula o investidor a procurar ativos e mercados com retornos melhores, ainda que para isso seja preciso correr mais risco.

Para se ter uma ideia do apetite dos estrangeiros, em apenas três pregões em meados de agosto, houve um ingresso líquido de R$ 3 bilhões na B3, segundo monitoramento do Itaú BBA. O saldo geral do capital externo no ano ainda é negativo: até o dia 19 de agosto, saíram da bolsa R$ 23,8 bilhões. Mas esse déficit foi muito maior, de quase R$ 39 bilhões no fim de junho.

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“O gringo está disposto a pagar pra ver com esse capital de risco”, afirma Duarte. Segundo ele, a Bolsa brasileira está chamando atenção e muitas ações estão baratas, mas não significa que estejam atrativas. Vale lembrar que, mesmo com a alta recente, os papéis da Magalu acumulam forte queda no acumulado do ano, de 35,7%, até o dia 20 de agosto. Nas Casas Bahia, a queda anual é ainda maior, de 46,4%. 

Na opinião do analista, essas ações têm atraído um tipo de investidor mais arrojado, disposto a correr altos riscos – o que não deixa de ser uma estratégia, desde que esteja alinhada ao perfil e objetivo de cada um.

O caminho é árduo, mas direção parece correta

Na dura jornada para melhorar resultados e atrair de volta o investidor de varejo, Magalu e Casas Bahia navegam no mesmo oceano. Mas as companhias têm histórias distintas. A primeira já foi referência do setor na Bolsa, queridinha dos investidores, e hoje luta para voltar à vitrine.

A Casas Bahia, que antes se chamava Via (e antes ainda, Via Varejo), é outra gigante, mas traz a marca de um acordo de recuperação extrajudicial aprovado por bancos em abril deste ano. Está tocando o que chama de “Plano de Transformação”, que acaba de completar um ano e visa gerar um fluxo de caixa livre mais robusto e maior retorno sobre o capital. Ou, traduzindo, aumentar as vendas e melhorar a eficiência.

Em linhas gerais, o balanço da Magalu agradou mais do que o da Casas Bahia, motivando recomendações de compra pelo BTG Pactual e pela Genial Investimentos, por exemplo. Já XP e Santander têm indicação neutra – o que, traduzindo, é um conselho para que o investidor nem compre, nem venda as ações que já tiver.

Para a Casas Bahia, Goldman Sachs e Genial recomendam venda dos papéis, sendo que esta última instituição fez grandes ressalvas ao lucro líquido apresentado de R$ 37 milhões no trimestre (ante prejuízo de R$ 492 milhões um ano antes). A crítica é que, se não fosse um lançamento não recorrente (sem relação com sua atividade principal e que, portanto, não deve se repetir) de R$ 637 milhões, haveria na verdade um prejuízo líquido de R$ 384 milhões. XP e BTG consideraram os números “fracos”, mas permanecem com indicação neutra para as ações. 

De acordo com Duarte, da Nova Futura, os caminhos de ambas se cruzam na busca por eficiência. A Magalu conseguiu atingir uma margem Ebitda (indicador que mostra quanto da receita foi realmente transformada em geração de caixa pela companhia) ajustada de 7,9%, algo esperado pelos especialistas somente para 2025. Para se ter uma ideia, a última vez que a companhia registrou esse patamar foi em 2019, antes da pandemia.

“A margem de 7,9% nos blinda em relação a qualquer má notícia do ponto de vista de taxa de juros”, disse Frederico Trajano, CEO da Magalu, em teleconferência com analistas. Ele afirmou ainda que o foco do grupo era voltar a dar lucro, o que ocorreu nos últimos três trimestres. 

Essa trajetória de três balanços seguidos marca também uma evolução constante na margem Ebitda ajustada da Casas Bahia, que alcançou 7% no último demonstrativo. Mas a grande notícia foi a reestruturação de uma dívida de R$ 4,1 bilhões. Na operação, que contou com a adesão da totalidade dos credores, a empresa conseguiu alongar o prazo de amortização, de 22 para 72 meses. E também reduzir o custo médio das obrigações, em 1,5 ponto percentual. Noves fora, a conta indica uma preservação de R$ 4,3 bilhões de caixa nos próximos quatro anos, sendo R$ 1,5 bilhão já em 2024. 

Um olho no peixe, outro no celular

Com raras exceções (se é que existem), quando o cliente entra em uma loja física e se interessa por algum produto, antes de se decidir pela compra ele espia o preço na internet do celular. E aí, ao fazer essa pesquisa, ele é abordado por concorrentes. Isso quando não procura direto na web e topa pagar uma taxa de entrega mais elevada para receber rápido seu produto, sem sair de casa. 

Por conta disso, os analistas apontam o comércio eletrônico como a principal via para as companhias lucrarem mais gastando menos, embora o embate corpo a corpo nas lojas ainda tenha um peso relevante no jogo. Nesse ponto, chamou atenção um acordo entre Magalu e Aliexpress, do grupo Alibaba, para a venda de produtos em ambos os marketplaces. Anunciada em junho, a parceria pode expandir rapidamente o alcance da brasileira nos negócios de “cauda longa”, diz a XP. A estratégia consiste em vender uma grande variedade de produtos em pequenas quantidades, tirando o foco dos itens muito procurados.

Com a experiência de 24 anos no e-commerce, Trajano disse a analistas ter visto “muitas modinhas e tendências” que não se materializaram, como o metaverso, mas considera diferente com a inteligência artificial. Para ele, trata-se de algo sólido e estrutural, que vai mudar a maneira como o consumidor se relaciona com as empresas. Em suma, um caminho sem volta para diversos grupos, sobretudo as varejistas. Algo que precisa ser acompanhado de perto pelo investidor. 

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