A energia nuclear voltou ao centro das discussões globais — e não apenas entre formuladores de políticas energéticas. Na segunda quinzena de maio, a B3 passou a listar o NUCL11, primeiro ETF brasileiro com exposição à cadeia completa da energia nuclear: da mineração de urânio à fabricação de reatores e à distribuição de eletricidade.
Lançado pela gestora Investo, o fundo replica o índice MVIS Global Uranium & Nuclear Energy, o mesmo seguido pelo ETF Uranium and Nuclear (NLR), da americana VanEck. A proposta é oferecer uma alternativa de investimento para quem deseja se expor ao setor atômico num momento em que a busca por energia limpa, estável e de alta densidade volta a ganhar força, impulsionada por inteligência artificial, pressões climáticas e tensão geopolítica.
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A carteira do NUCL11 reúne 25 empresas de 10 países, cobrindo diferentes segmentos da indústria: quase metade do fundo está concentrada em companhias de geração e distribuição de energia elétrica (48,8%), enquanto 36,7% envolvem fabricantes de reatores e tecnologias associadas, e 14,3% são empresas industriais ligadas à cadeia nuclear.
Uma tese energética em transformação
Segundo Cauê Mançanares, CEO da Investo, um dos pontos fortes do fundo é oferecer uma exposição que não depende exclusivamente da oscilação do preço do urânio. “A cadeia nuclear é ampla, e os ativos não andam todos juntos. Uma notícia positiva para as geradoras pode não afetar as mineradoras — e vice-versa”, afirma.
O contraste recente ilustra bem essa lógica: até maio, o urânio acumulava queda de cerca de 5% no ano, enquanto empresas elétricas com atuação no setor nuclear registravam altas de até 140%.
As três maiores posições do fundo refletem esse foco diversificado: Constellation Energy (fornecedora americana de energia), Oklo (startup de microreatores com sede na Califórnia) e NuScale Power (especializada em reatores modulares). Mineradoras tradicionais como Cameco, Kazatomprom, Paladin e NexGen Energy também fazem parte da carteira, mas com menor peso individual.
A maior parte da exposição geográfica está nos Estados Unidos (47%), onde o setor nuclear vive um novo impulso após ordens executivas do governo Trump que incentivam a construção de reatores compactos, o aumento da produção e a ampliação das exportações. O pano de fundo dessa política é a previsão de um salto no consumo de eletricidade entre 2025 e 2026 — puxado por data centers de inteligência artificial e operações de mineração de criptomoedas, altamente intensivas em energia.
Além dos EUA, o ETF também investe em empresas de países como Canadá (14,5%), Itália, Austrália, China, Coreia do Sul e várias nações europeias. A presença internacional do fundo acompanha o mapa da retomada da energia nuclear no mundo: na Europa, França, Ucrânia e Eslováquia já produzem mais da metade da sua eletricidade a partir de energia atômica.
Até o final de 2024, 62 novos reatores estavam em implantação em todo mundo, sendo 46 em países emergentes. Só a China responde por metade deste útimo número.
Entre segurança e futuro energético
A geração de energia nuclear acontece por meio da fissão do urânio enriquecido, cujo calor aquece água e gera vapor que movimenta turbinas — produzindo eletricidade. É um processo que não emite CO₂, ocupa pouco espaço físico e fornece energia constante, independentemente de sol ou vento.
Por outro lado, o setor carrega um histórico de acidentes que ainda moldam a opinião pública. Após o desastre de Fukushima, em 2011, países como Alemanha e Suíça optaram por desativar gradualmente seus reatores. Dos 17 reatores alemães existentes à época, 14 já foram desligados.
O argumento dos críticos está no risco de acidentes e na periculosidade do urânio, um dos elementos mais radioativos que existem — e que pode levar milhões de anos para deixar de ser nocivo. Já os defensores da energia atômica ressaltam os avanços tecnológicos e os rigorosos protocolos de segurança adotados nas usinas mais recentes, como sistemas duplos de contenção e sensores automatizados.
Com taxa de administração de 0,60% ao ano, liquidação em D+2 e rebalanceamento trimestral, o NUCL11 foi lançado com uma proposta de longo prazo. Desde sua estreia na bolsa, o fundo acumula valorização de cerca de 10% e patrimônio superior a R$ 8 milhões.
Na prática, ele representa uma forma acessível para o investidor brasileiro acompanhar a reconfiguração da matriz energética global — e participar de um setor que, depois de décadas de estigma, volta a ser visto como peça-chave para a transição energética do século 21.