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Finanças

Perto de recorde, Ibovespa engata ‘rali de fim de ano’, mas futuro é incerto

Alívio dos juros e redução das incertezas fiscais têm ajudado a bolsa, mas cenário para as empresas ainda é dúvida.

Se havia dúvidas de que o Ibovespa engataria o tradicional “rali de fim de ano” nas últimas semanas de 2023, a resposta veio nos últimos dias, com o principal índice da bolsa se aproximando de sua máxima histórica. Nem assim, porém, há consenso no mercado, e a dúvida agora é se o avanço terá forças para continuar ou será passageiro. 

Nesta quarta-feira (22), o principal indicador da bolsa brasileira terminou o pregão em 126.035 pontos, renovando a maior cotação desde julho de 2021. A marca está próxima da máxima de 130.776, atingida em junho daquele mesmo ano. 

Especialistas apontam fatores internos e externos para o avanço de agora. Enquanto lá fora as incertezas sobre o aperto monetário aliviaram, no Brasil os receios sobre a situação fiscal também deram uma trégua. 

A dúvida que fica, no entanto, é se o cenário benigno vai durar a ponto de manter o apetite dos investidores por risco. Além disso, os fundamentos das empresas da bolsa também são ponto de atenção. 

Ajuda de fora…

O desempenho do Ibovespa tem acompanhado o movimento em Wall Street, onde os índices estão em tendência de alta em meio ao otimismo de que o Federal Reserve (Fed) pode ter terminado de elevar sua taxa de juros e de que a economia norte-americana ainda é resiliente.

O prédio do Federal Reserve, na Constitution Avenue, em Washington, EUA, 27 de março de 2019. REUTERS/Brendan McDermid
O prédio do Federal Reserve, na Constitution Avenue, em Washington, EUA, 27 de março de 2019. REUTERS/Brendan McDermid

Nesse cenário, para Stefany Oliveira, analista da Toro Investimentos, “um dos principais fatores que têm contribuído para esse movimento de alta do Ibovespa é basicamente a queda dos rendimentos dos títulos norte-americanos”.

“Observando o título com vencimento de 10 anos, o movimento de queda coincide exatamente com o de alta do Ibovespa e da bolsa norte-americana. Na minha perspectiva, queda em juros e bolsa para cima vêm muito em decorrência de um otimismo em relação ao posicionamento do Fed.”

Stefany Oliveira, analista da Toro Investimentos.

A ata da última reunião do Fed mostrou que as autoridades devem se manter cautelosas sobre os juros, mas as taxas devem subir somente se a redução da inflação não tiver um progresso suficiente – o que, segundo os especialistas, não é o que está acontecendo. 

“As variáveis de inflação e atividade correspondendo a que os bancos centrais globais precisam criaram um movimento de alta no cenário externo”, avalia Ariane Benedito, economista especialista em mercado de capitais.

Além dos números de inflação, a percepção positiva também tem se respaldado nos últimos dados divulgados nos Estados Unidos. Nesta quarta (22), por exemplo, o Departamento do Trabalho informou que a quantidade de novos pedidos de auxílio-desemprego caiu mais do que o esperado na semana passada. Foram 209 mil, contra 226 mil da expectativa de especialistas consultados pela agência Reuters. 

…Alívio de dentro

As atenções do mercado também seguem voltadas ao cenário interno, especialmente em relação ao fiscal. Após divergências de declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre déficit fiscal (despesas acima da arrecadação pública) em 2024 e a defesa de resultado zerado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, as incertezas parecem ter diminuído. 

Brasília - 28/06/2023 - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante anúncio do Plano Safra da Agricultura Familiar 2023/2024. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad2023/2024 Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Nesta quarta, os ministérios do Planejamento e da Fazenda projetaram que o governo central fechará 2023 com déficit primário de R$ 177 bilhões, o equivalente a 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB), resultado pior que o previsto em setembro, de rombo de R$ 141,4 bilhões (1,3% do PIB).

Mas, de acordo com o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, “nada muda em relação a 2024”. “Estamos buscando todas as medidas para recompor o cenário fiscal”, disse ele, apontando que o déficit maior em 2023 “tira um pouco da pressão” sobre o próximo ano por conta de fatores como o adiamento da devolução de recursos pela Caixa.

“Se acontecesse qualquer tipo de mudança no que já foi aprovado ou uma mudança da meta fiscal estabelecida, que é do déficit zero para 2024, talvez esse rali não teria acontecido”

Ariane Benedito, economista especialista em mercado de capitais.

Ainda no cenário interno, outro fator positivo para o Ibovespa tem sido a expectativa de continuidade no ciclo de queda da Selic. “Nós estamos observando uma desaceleração também no cenário inflacionário aqui do Brasil. Isso acaba abrindo espaço e confirmando as expectativas de corte na taxa Selic”, comenta Stefany Oliveira. 

Perspectivas para o Ibovespa

A manutenção da tendência de alta do Ibovespa nos próximos meses divide especialistas, que apontam que a direção da bolsa brasileira vai continuar dependendo da trajetória dos juros nos EUA e da situação fiscal no Brasil. 

Para Bruno Mori, economista e sócio fundador da consultoria Sarfin, “as perspectivas continuam boas porque a expectativa é de que as taxas de juros continuem caindo”, e “o risco político interno está mais estável”. 

Banco Central (REUTERS/Adriano Machado)

“O que pode mudar este quadro é uma deterioração da situação fiscal das contas do governo central, que pode gerar pressão de preços e frear o ritmo de queda dos juros”, pondera ele. 

Já para Max Mustrangi, CEO da Excellance, especializada em reestruturação de empresas, a perspectiva é negativa justamente pelos fundamentos das companhias listadas na bolsa. “O mercado não faz conta, então deve continuar tendo uma subida até certo ponto, e vai despencar naturalmente. Porque hoje em dia, quando a gente vê os resultados trimestrais das empresas da bolsa, não tem resultado que sustente a elevação.”

E falando nas empresas…

A última temporada de balanços mostrou que a despesa financeira impactou negativamente a lucratividade das empresas listadas na B3 no terceiro trimestre de 2023. 

Segundo levantamento feito pelo especialista Einar Rivero, as companhias apresentaram um resultado financeiro negativo de R$ 48,8 bilhões, 30,8% superior ao mesmo período de 2022. Este resultado foi influenciado principalmente pela despesa financeira, que aumentou 15,9%. Enquanto isso, o lucro líquido somou R$ 30 bilhões, queda de 0,6% em relação ao mesmo período de 2022. 

Bolsa de Valores B3 28/10/2021 REUTERS/Amanda Perobelli

“Essa estabilidade reflete o impacto das despesas financeiras, destacando a influência dos juros sobre as dívidas, afetados pela elevada taxa Selic nos últimos 12 meses, enquanto a variação cambial teve um impacto menor devido à redução do dólar”, analisou Rivero em relatório. 

O estudo abrangeu o desempenho de 300 empresas, excluindo as do setor bancário e algumas como Petrobras, Vale, Suzano, JBS e Grupo Natura. “A exclusão dessas empresas atípicas contribuiu para resultados mais representativos”, explica o especialisa. 

Diante desses e outros números, Mustrangi, da Excellance, destaca que “a gente não para de ver a alavancagem financeira das empresas crescendo enormemente por falta até de financiamento e por margens cada vez mais finas”. Ele comenta que, para as empresas, o cenário à frente não é positivo a ponto de segurar uma alta relevante das ações de maneira geral.

“A gente presencia no terceiro trimestre um aumento de 40% do número de recuperações judiciais e falências, mostrando evidentemente o termômetro da economia. As empresas estão indo para o buraco.”

Max Mustrangi, CEO da Excellance.

Ele acrescenta que, já há meses, observa-se a queda de arrecadação do governo. “Ou seja, a máquina não consegue arrecadar porque o setor privado não consegue produzir e vender. Ou seja, a máquina está parando”. 

A avaliação negativa, no entanto, não é unanimidade. Bruno Mori, da Sarfin, diz que a alta da bolsa agora se deve ao fato de que “o mercado financeiro antecipa a expectativa de retornos trimestrais mais altos no futuro”.

“Isso acontece, grosso modo, em função do custo de capital estar mais baixo. Outro fator relevante é entender que, por fundamento, os valores das ações estavam muito mais baixos do que (em teoria) deveria estar, portanto essa alta recente reflete uma situação mais realista do preço das ações – que estava muito descontado.”

Bruno Mori, economista e sócio fundador da consultoria Sarfin.

Ariane Benedito, por sua vez, comenta que o momento ainda é de atenção para que o mercado confirme se os efeitos positivos da queda da Selic vão, de fato, se traduzir de forma mais clara nos resultados das companhias. 

“Como o mercado tem essa expectativa que os juros do ano estarão mais baixos, isso corrobora para a posição maior em ativos de risco, à espera de que esse afrouxamento nos juros para 2024 traga bons resultados não só para as companhias, mas comece a fazer valer a pena troca de posição – não mais renda fixa, que foi a realidade de 2023, mas agora dando espaço para os ativos de bolsa também.”

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