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Uma operação suspeita envolvendo a monero (XMR), criptomoeda famosa pelo anonimato absoluto, reabriu as discussões sobre o uso de tokens de privacidade. Enquanto protege usuários comuns da vigilância financeira, o anonimato também atrai criminosos, tornando-a alvo constante de governos e reguladores.

A monero voltou aos holofotes no fim de abril, após o perfil especializado em investigação cripto ZachXBT apontar que um usuário, possivelmente um hacker, movimentou 3.520 bitcoins (cerca de US$ 330 milhões) entre os dias 27 e 28 daquele mês, provocando uma disparada da XMR. O responsável pela operação converteu essas milhares de BTC em monero por meio de diversas exchanges.

Aí foi aquela história: a procura aumentou, o preço subiu. Em poucas horas, o volume negociado subiu quase quatro vezes, para mais de US$ 220 milhões, e o preço avançou mais de 60%, a US$ 347 por XMR, com a monero se estabilizando neste patamar desde então.

A suspeita de ZachXBT é que a operação foi feita para encobrir o roubo desses BTCs e a escolha da monero foi por causa da privacidade que a cripto oferece – uma vez convertido para XMR, não é mais possível rastrear o dinheiro.

Para quem acompanha o mercado de criptomoedas há algum tempo, a monero não é desconhecida, mas também não é estrelar. Criada em 2014 por um grupo de sete anônimos, a XMR está longe de ser um ativo popular no universo cripto. E é justamente essa discrição o principal ativo da monero: dar privacidade total para seus usuários.

Aqui é importante lembrar que cada criptomoeda tem sua particularidade. Bitcoin serve para um propósito, ethereum para outro e por aí vai. No caso da monero, ela se assemelha mais ao BTC, ou seja, uma moeda digital para pagamentos e transferências. Mas as semelhanças terminam por aí.

Enquanto as operações com bitcoin são registradas de forma pública e com possibilidade de rastreio, a monero faz tudo de maneira privada e anônima, tornando-se a criptomoeda favorita de pessoas discretas e, por óbvio, hackers e criminosos.

Taiamã Demaman, analista-chefe da Coinext, lembra que nem sempre o objetivo de ter monero é burlar a lei, mas que a característica de privacidade da moeda virou um problema para as autoridades. “Governantes se opõem à utilização do protocolo e da moeda, tendo em vista a dificuldade no rastreio.”

Como a monero funciona

Assim como o bitcoin, a monero também usa a mineração para criar novos tokens, em que computadores resolvem equações para fecharem os blocos e distribui as moedas como recompensa para quem conclui o processo.

Só que, ao contrário da principal criptomoeda do mundo, o subsídio de mineração da monero nunca cairá a zero. Desde maio de 2022 a rede paga 0,6 XMR por bloco, criando inflação perpétua de pouco mais de 1 % ao ano – um “empurrãozinho” para que mineradores continuem garantindo o anonimato das transações. Hoje, já existem mais de 18,4 milhões de tokens em circulação.

Ainda sobre a mineração, a monero utiliza mecanismos para que o processo permaneça acessível a todos, sendo possível minerar XMR praticamente em qualquer computador. Diferentemente do bitcoin, que, conforme a rede cresce e mais pessoas usam a criptomoeda, a mineração vai se ajustando para ficar mais difícil e manter o mesmo ritmo de funcionamento dela. Hoje, basicamente só supercomputadores conseguem minerar BTC.

Mas se você quer entender de vez o que é a monero, saiba que a XMR conta com três principais recursos de privacidade:

Esses mecanismos trabalham em conjunto para proteger a identidade dos usuários e tornar as transações indetectáveis.

“O futuro do projeto reside na sua resiliência em manter a privacidade. Trocas de bitcoin por monero reforçam a visibilidade da XMR frente a outras criptos de privacidade, especialmente por conta de sua liquidez frente a pares com as mesmas características”, prossegue Demaman.

O problema do anonimato

Se por um lado muitos usuários buscam privacidade e segurança ao usarem criptomoedas, com a maior adoção das moedas digitais no mundo e governos caminhando para diversos tipos de regulação, as criptomoedas de privacidade, como a monero, tornaram-se alvo de críticas por facilitarem atividades ilegais.

Com isso, hoje o acesso à monero não é tão fácil quanto outros ativos. Grandes corretoras globais como Huobi, OKX e Binance não oferecem a moeda digital para negociação em suas plataformas – a Kraken seguiu pelo mesmo caminho apenas na Europa. Tudo isso para se adequarem às legislações locais.

No ano passado, a nova regulação na União Europeia passou a proibir provedores de serviços de criptoativos de usarem tokens focados em privacidade ou de fornecer contas para usuários anônimos.

Em 2018, o Japão iniciou uma proibição de tokens de anonimato, dois anos depois foi a vez da Coreia do Sul banir as moedas de privacidade das plataformas de negociação, na sequência foi a vez de exchanges australianas começaram a remover tokens de privacidade devido a novos regulamentos. Já em 2023 Dubai proibiu todas as atividades relacionadas a moedas de privacidade e a emissão de tokens com aprimoramento de anonimato.

Aqui no Brasil, o Banco Central também caminha para banir a monero diante da sinalização de que a futura regulação deve proibir as criptomoedas focadas em privacidade e anonimato.

Demaman, da Coinext, ressalta que mesmo que esse protocolo seja usado por possíveis hackers, pesquisas mostram que menos de 1% da lavagem de dinheiro mundial é feita em criptomoeda. Relatório da Chainalysis mostra que, em 2024 houve um aumento na lavagem de dinheiro com criptomoedas, chegando a US$ 51 bilhões – contra US$ 22,2 bilhões em 2023.

Mesmo com o crescimento, o uso de criptos representou apenas 0,14% do total de dinheiro lavado no mundo no ano passado. Apesar do cerco de governos, a monero se consolidou como uma das criptomoedas de privacidade favoritas dos usuários. É atualmente a 25ª maior cripto do mundo, com um valor de mercado total de US$ 4,9 bilhões.