A popularidade do ChatGPT é inegável: a ferramenta atingiu 100 milhões de usuários em apenas dois meses de lançamento. Para base de comparação, a rede social TikTok levou nove meses e o Instagram, 30, para ter a mesma base de usuários.
Com o uso da inteligência artificial pode-se criar todo e qualquer tipo de conteúdo. No entanto, essa revolução também se dá no universo dos investimentos. Há carteiras de ativos recomendados que utilizam do uso da inteligência artificial.
A questão é que, muito antes de a tecnologia vir à tona, a inteligência artificial já era usada na tomada de decisões dos chamados fundos quantitativos. Também chamados de fundos quant, eles usam grandes bases de dados para prever o comportamento do mercado e fazer a composição do portfólio. Ou então “dar uma mãozinha” ao gestor.
Segundo levantamento da Economatica ao InvestNews, há pelo menos 40 fundos que levam o nome quant. Pelas classificação da Anbima, são considerados desde multimercados até fundos de ações com investimentos no exterior.
A questão é que, dos 40 fundos, mais da metade (27) ultrapassa a rentabilidade do Ibovespa, principal indicador da B3, desde sua fundação. O Atalaia Quant Institucional, gerido pela XP, acumulava, desde maio de 2000, um retorno de 1.271% – desempenho 773,3% acima do Ibovespa até 26 de março de 2023.
Outros fundos quant também acumulam altas igualmente impressionantes. O multimercado Smartquant FI Mult registrava um retorno de 279,2% acima do Ibovespa desde sua fundação, em 9 de fevereiro de 2010, até dia o último dia do levantamento da Economatica. O prêmio é 128,4% acima do CDI (Certificado de Depósito Interbancário) no período.
O fundo Zarathustra, gerido pela Giant Steps – maior gestora da América Latina que usa a tecnologia em 100% das tomadas de decisões – acumulava uma alta de 345% desde 9 de março de 2013 (início do fundo) até 20 de março de 2023. O CDI no período foi de 144,69%, segundo a gestora.
Ao IN$, Pedro Simonetti, sócio da Giant Steps e responsável pelo relacionamento com investidores da gestora, disse que estamos vivendo um hype de tecnologia e que o ChatGPT popularizou o uso de inteligência artificial. Segundo ele, a ferramenta mostra pela primeira vez ao público o tamanho da capacidade que a tecnologia tem para ajudar em diversas esferas.
Simonetti também diz que a inteligência artificial está longe de acabar com o trabalho do gestor de fundos. Segundo ele, a melhor forma de entender uma gestora quantitativa como a Giant Steps é considerar a ideia “de tentar usar as tecnologias disponíveis para potencializar o retorno aos cotistas”.
Será que o trabalho dos gestores corre perigo com o avanço de tecnologias de inteligência artificial? Veja abaixo a entrevista completa com a Giant Steps:
IN$: Como a Giant usa dados para a composição das carteiras e de qual forma o boom do ChatGPT impactou (se impactou) a gestora?
Giant: Agora estamos vivendo um hype disso. A verdade é que o uso de inteligência oficial sempre foi uma coisa muito especializada. E o ChatGPT trouxe para o público em geral a real dimensão da capacidade que essa nova tecnologia tem para ajudar em diversos campos.
A Giants Steps é uma gestora quantitativa. E por quantitativa, talvez a melhor forma de entender o que significa, é uma ideia. A ideia de tentar usar as tecnologias hoje disponíveis para impulsionar o retorno para nossos cotistas. Então, a ideia é a de usar todas as armas que tenho disponíveis para tentar potencializar a capacidade do nosso time de gestão.
E o machine learning, a inteligência artificial, é uma dessas ferramentas. Agora, a ideia é também usar o poder computacional para processar um volume de informação que uma pessoa de cabeça não conseguiria. E isso é outro exemplo de coisa que podemos fazer.
Usar a inteligência artificial para tentar ter acesso a informações que antes eu não conseguiria fazer sem algum tipo de ferramenta como essa. Então é sempre essa ideia de usar ferramentas. Só que isso não é uma coisa nova. Há vestígios de que o uso de machine learning começou na década de 80. Isso já é uma coisa amplamente discutida e fundos quantitativos, como o nosso, também já existem há um certo tempo.
Mas não podemos achar que o uso da inteligência que vai resolver qualquer problema. Ela é uma ferramenta, e você precisa saber usar.
IN$: E como a Giant faz uso da machine learning?
Giant: No campo de inteligências artificiais, a machine learning é um termo muito amplo. Tem várias técnicas completamente diferentes que estão encaixadas dentro desse mesmo ramo, mas são muito diferentes e servem para resolver problemas diferentes. Aqui, a gente enxerga muito isso. O trabalho do time de gestão que vai usar alguma técnica de inteligência artificial é definir qual é o problema que precisa ser resolvido primeiro.
Tendo esse problema muito bem definido, aí busca-se dentro do campo de inteligência quais são as técnicas que melhor resolvem esse problema. E aí então esse é o trabalho do gestor.
“Muitos falam que a inteligência adicional vai acabar com o trabalho do gestor, muito pelo contrário, achamos que está um tanto quanto longe disso acontecer. Você precisa que alguém faça esse trabalho de usar a ferramenta certa para resolver o problema certo. Machine learning é uma caixa de ferramentas, e cabe ao gestor saber qual é a ferramenta que vai usar para resolver o problema”.
IN$: Na média, a tendência da inteligência artificial é sempre ultrapassar a gestão tradicional?
Giant: Os fundos quantitativos usam várias técnicas, entre elas, machine learning. Mas não necessariamente; tem outros modelos que dependem da experiência do próprio gestor ou de alguma peculiaridade estatística do mercado. Os fundos quant foram muito bem nesse período, mais por uma questão de estratégias mais tradicionais. Vou dar um exemplo: uma estratégia muito tradicional de fundo quant são modelos de tendência.
O modelo de tendência é muito bom para capturar fortes movimentações, seja para cima ou para baixo. A pandemia provocou uma forte movimentação generalizada em todos os mercados ao redor do mundo. Foram impactados de uma vez, com uma movimentação muito forte. Se você tivesse modelos de tendência capturando as mudanças de qualquer um desses mercados, provavelmente teria um bom resultado.
Acho que isso explica um pouco o resultado muito acima do tradicional para esse tipo de fundo. Dito isso, se acho que os quantitativos vão superar os gestores, tudo bem que sou um cara um pouco suspeito para falar, mas talvez a melhor forma de responder isso é passar como a gente enxerga o mercado.
“A gente enxerga o mercado financeiro como uma grande competição. É quase como se fosse uma corrida de Fórmula 1. Tem vários carros nessa corrida se degladiando para tentar ganhar dinheiro. Cada carro, cada equipe, é uma gestora. E nessa corrida, tem todas as gestoras, as pessoas físicas, os gringos, tem todo mundo nessa mesma competição. O trabalho de uma gestora profissional é ter um retorno acima da média do mercado. Se conseguirmos isso, conseguimos perpetuar a gestora daqui pra frente”.
Nessa analogia da corrida de F1, a gente precisa terminar apostando no pelotão da frente. Se fizermos isso, a gestora vai ter muito sucesso. Quando você pensa numa corrida de F1, normalmente as pessoas pensam direto na figura do piloto. O piloto faz a diferença se você vai ganhar uma corrida ou não. Óbvio, ele é muito importante. O piloto, nesse caso, num fundo, é o time de gestão.
Agora, se você pegar o melhor piloto da história, o Ayrton Senna, e colocar ele para competir com o último piloto da F1 de hoje, só que o Ayrton está usando o carro que usava na época em que ele competia. Com o último piloto da F1 hoje usando o carro atual, o Senna não tem a menor chance. Porque o piloto é importante, mas o carro é igualmente importante. Então, quando a gente fala de uma gestora quantitativa, ela reconhece que a ferramenta também tem potencial de fazer ganhar essa corrida. Por isso é que investimos nos dois.
“Muitos podem dizer que estamos diminuindo a importância do gestor do piloto e dando muita importância para o carro, mas não é verdade. A verdade é que você depende igualmente dos dois; quem não investe no carro acaba ficando difícil de competir”.
Hoje, se você pega os maiores gestores do mundo, a maior parte deles é quantitativo. E por que isso? Porque eles não são bobos, estão vendo que é cada vez mais difícil digerir o volume de informação necessário para estar bem informado na função deles. E pra digerir essas informações de cabeça, você pode usar alguma coisa que te ajude nisso. Seja para ganhar velocidade, para automatizar as ordens e operar várias vezes dentro de um pequeno espaço de tempo, também pode ser uma coisa que ajude muito.
Até por isso vemos muitas gestoras aqui no Brasil investindo nisso. Gestoras que antes eram discricionárias agora investem em tecnologia. E isso vem sendo feito pra ganhar alguma vantagem competitiva. Eu acho que essa tendência é inevitável. Mas ainda assim vai depender muito de quem são os gestores e quem é o time que está criando essa tecnologia.
IN$: 100% das decisões que são tomadas na Giant são baseadas primeiramente nos dados puxados via inteligência artificial?
Giant: 100% das nossas decisões são automatizadas. Não é 100% dos modelos que usam inteligência artificial. Tem modelos que são heurísticos. Há uma certa mística quando você fala de algoritmo, mas normalmente um algoritmo é um conjunto de “ses”: se acontecer isso, você faz isso, se acontecer isso, você faz aquilo. Posso criar essa sequência de “ses” usando inteligência artificial, ou posso usar essa sequência usando minha experiência no mercado.
Em uma pesquisa que o pessoal tem feito aqui, eles chegaram nessa sequência que é uma estratégia que ganha dinheiro no mercado. Hoje, nosso principal fundo, o Zarathustra, tem 40 estratégias. Tem algumas delas que usam muito machine learning. Tem algumas que não usam nada.
IN$: E como está o Brasil em comparação com o exterior quanto à gestão quantitativa?
Giant: Lá fora, se você pegar os 10 maiores hedge funds do mundo, oito são quantitativos. É uma quebra de paradigma que já aconteceu lá fora. No Brasil, ainda estamos bem atrás. A Giant é a maior gestora quantitativa da América Latina, mas tem muitas maiores que a gente aqui.
“Tem que tomar um pouco de cuidado também, porque tudo que é hype vira propaganda perigosa ou pirâmide. Então, não é porque está escrito que é machine learning que é bom. É como eu disse, é só uma ferramenta. A ferramenta não é boa, o que é bom é uma pessoa especializada usando essa ferramenta e gerando bons resultados”.
O fundo da gestora, o Zarathustra, tem onze anos de atuação, o mais antigo da casa. Segundo Simonetti, o fundo é um radar que monitora mercados em 40 países, analisando bolsa, juros, câmbio e commodities nestes locais. Ele está aberto para aportes do investidor comum a partir de R$ 10 mil.
O fundo costuma ter muitos giros na carteira, com uma média de 20 a 30 mil ordens por dia, segundo Simonetti. Até o momento da entrevista, as principais posições do fundo estavam em Brasil e em diversos países, com uma parte vendida em dólar contra o real, short em bolsa brasileira e comprado em outras bolsas internacionais.
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