Nos idos de 2022, você deve ter recebido no mensagens promocionais no Instagram dizendo para investir em NFTs – classe de “ativo” (haja aspas) cujo representante mais simbólico são aquelas ilustrações coloridas de macaquinhos. Neymar, você se lembra, pagou mais de US$ 1 milhão por duas delas. Não foi o único.
No auge, em janeiro de 2022, a compra e venda de NFTs fez girar US$ 11 bilhões. Dava para transformar chumbo em ouro nesse mercado. No mundo dos desenhos de macaquinho, que fazem parte de uma coleção de NFTs chamada Bored Apes, não faltam casos absurdos.
Em junho de 2021, um usuário anônimo comprou um desses desenhos por US$ 5 mil, direto dos criadores da coleção – que consiste em 10 mil desenhos do mesmo personagem, mas com adereços diferentes. Já não era pouco por uma ilustração em jpeg com zero valor comercial. Só que valeu a pena.
Em março de 2022, ele vendeu a ilustração, o Bored Ape #2749, por US$ 180 mil. Lucro de 3.500% em nove meses.
Essas transações estão nos registros da OpenSea, a maior plataforma de compra e venda de NFTs. Ela fica conectada à blockchain do Ethereum. Você compra as ilustrações usando ETHs, a criptomoeda dessa rede.
Feita a transferência, a posse da NFT passa para o dono da carteira de onde saíram as moedas. Essas carteiras podem ser anônimas ou não. A de Neymar, por exemplo, não é. Você pode ver aqui as transações dele.
Mas o fato é que essa carteira está parada há anos, sem registros de novas transações. Não só a dele. Desde o pico, em fevereiro de 2022, até o final de 2024, o mercado de NFTs como um todo tinha caído 87% – daqueles US$ 11 bilhões movimentados na compra de jpegs como a coleção de macaquinhos para US$ 1,36 bilhão.
E no fundo desse poço não tinha uma mola. Quem decidiu entrar nessa há alguns meses, numa de buy the deep, comprar na baixa, complicou-se. Perdeu mais 84% em cima do tombo anterior, para meros US$ 199 milhões, de acordo com o Dapp Radar, uma companhia que monitora o mercaso de tokens. Total desde o pico: um desabamento de 98%.
Na prática, o mercado de NFTs virou pó. Foi uma febre que passou. Talvez tenha sido o maior análogo de todos os tempos à Mania das Tulipas, que aconteceu na Holanda do século 17, e fez com que algumas flores chegassem a custar o preço de uma casa, depois de cair de novo para perto de zero.
Da Coca-Cola a veículos de mídia
No auge da Mania das NFTs, grandes empresas tentaram surfá-la. A Nike lançou sua própria plataforma de tokens, a .SWOOSH, que rendeu um lançamento de coleção de NFTs em 2023, chamada Cryptokicks. Eram ilustrações de tênis que não existem (talvez para alegar que eram “ítens exclusivos”). Eis uma delas:
Bom, lançaram isso por US$ 8 mil a unidade. Houve quem comprou. Agora, que o valor caiu para zero, os clientes estão processando a Nike.
A Coca-Cola também aderiu lançando alguns itens, incluindo uma coleção de 50 mil NFTs que revisitavam obras de arte clássicas como “Moça com o Brinco de Pérola” e “O Grito”, feitas por artistas modernos. Na época, faturaram US$ 550 mil. Hoje, os tokens não aparecem para compra em lugar algum.
Teve mais. Em 2021, a revista Fortune arrecadou mais de US$ 1,3 milhão ao lançar 256 tokens da capa de uma de suas edições – ou seja, US$ 5 mil por capa, em média. Na operação mais recente de um desses NFTs, há três meses, o preço de aquisição foi de 0,08 eter (ETH) – US$ 165.
A Time foi outra revista que também ganhou muito dinheiro com NFTs. Em março de 2021 ela arrecadou quase US$ 500 mil com quatro tokens com capas especiais sobre o mercado de criptomoedas.
Hoje, a maioria dos tokens lançados por essas empresas estão parados, desaparecidos na carteira de alguém ou perderam quase todo seu valor. Dados da Dune, uma empresa de análise de cripto, mostram que, depois do pico de 2022 na OpenSea, o volume desabou. De US$ 5 bilhões para US$ 10 milhões. Veja aqui:
Tokenização: o futuro dos NFTs
Se os números mostram que os NFTs basicamente morreram, na verdade o que morreu foi o NFT que a maioria das pessoas conhece, já que esses ativos vão muito além do formato que ficou famoso.
Vamos dar um passo atrás e entender o que é NFT. Essa é a sigla em inglês para Token Não Fungível. E para não cair no tecniquês, você só precisa saber que dizer que algo é fungível é o mesmo que replicável, ou seja, que podem existir vários iguais. Ou seja, um token não fungível, é um token único. E token é a representação digital de algo.
Para entender melhor, pense no dinheiro. Todas as notas de R$ 50 valem a mesma coisa e não importa se você trocar uma por outra, elas são a mesma coisa. Então ela é fungível. Diferente, por exemplo, do contrato de posse de uma casa. Cada imóvel terá uma escritura única que representa aquele local específico, então ele é algo não fungível.
“O que morreu foi a narrativa de NFT como sendo uma arte digital tokenizada. Mas o NFT é muito mais que isso”, afirma Gustavo Cunha, CEO da FinTrender, citando que a cada dia cresce mais o número de aplicações no dia a dia das pessoas.
E é neste cenário que surge o conceito de tokenização, que está ganhando força em diferentes frentes, com plataformas focadas em transformar em tokens coisas do dia a dia, desde contratos de posse de imóveis, até safras de commodities como café ou ativos financeiros.
O ponto ali é a automatização. Você ganha a posse de um ativo registrado numa blockchain no momento em que paga por ele com cripto que flui por essa mesma blockchain. Lá atrás, Neymar usou esse sistema para comprar seus macaquinhos. Hoje, investidores usam para adquirir bens da vida real – que não correm o risco de ver seu valor cair para zero.