O aluguel por temporada em apartamentos compactos, conhecidos como “studios”, virou febre entre investidores em São Paulo, principalmente por meio de plataformas digitais como o Airbnb. Mas a regra mudou — e não é só para unidades isoladas: o Decreto nº 64.244, publicado no final de maio pela Prefeitura, proíbe o aluguel por temporada em todos os empreendimentos enquadrados como Habitação de Interesse Social (HIS 1 e 2) e Habitação de Mercado Popular (HMP).

Isso significa que a restrição vale para cada apartamento, mas tem influência sobre todo o conjunto onde ele está localizado, o que pode afetar diretamente a estratégia dos investidores. “A classificação como HIS ou HMP é atribuída ao projeto todo, aprovado com incentivos e regras do governo”, explica a advogada Daniela Poli Vlavianos. “Mesmo que a fiscalização seja feita por unidade, a norma se aplica ao conjunto do empreendimento e não apenas à conduta individual do proprietário.” Ou seja, qualquer “studio” ou imóvel pequeno em empreendimentos desses programas está sujeito à proibição da locação por temporada.

Essa mudança cria uma reviravolta em um segmento que cresceu impulsionado pela alta rentabilidade e pelo interesse de pequenos investidores. Com a nova regra, a tendência é que os imóveis desse tipo tenham que ser usados apenas para moradia tradicional, alterando o jogo para quem buscava ganhos rápidos com aluguéis curtos.

Mas onde estão os apartamentos compactos populares em São Paulo? Engana-se quem responde só nas regiões periféricas da cidade. Dados oficiais mostram que 62 mil moradias desse tipo foram licenciadas na capital paulista, até mesmo em áreas ricas. O Itaim Bibi, por exemplo, bairro da zona oeste, recebeu 6.695 unidades vinculadas ao HIS 1 e 2 de 2019 para cá, segundo reportagem do UOL.

Colagem artística de uma casa rosa em um círculo lilás, segurada por uma mão em P&B, com elementos circulares e setas ao redor.
Ilustração: João Brito

Apartamentos compactos

A atratividade dos studios para investidores ocorreu porque, em diversas regiões valorizadas da cidade, a rentabilidade do aluguel por temporada podia ser até 50% maior que a do aluguel convencional.

Por exemplo: antes do decreto, um studio comprado por R$ 400 mil no Brooklin, bairro da zona sul, poderia ser alugado por temporada com diárias entre R$ 200 e R$ 300. Com uma taxa média de ocupação de 70% ao mês, isso resultaria numa renda bruta superior a R$ 4 mil — um valor que supera em cerca de 50% o aluguel residencial tradicional, que normalmente ficaria perto de R$ 1.500 mensais. Tal cenário tornou esse modelo uma porta de entrada no mercado para pequenos investidores.

Além da proibição da locação temporária, o decreto paulistano impõe limites máximos para a venda desses imóveis, corrigidos anualmente pelo Índice Nacional de Custo da Construção (INCC). Veja: até R$ 266 mil, para imóveis do HIS 1; R$ 369,6 mil, para o HIS 2; e R$ 518 mil, para o HMP. Quanto ao aluguel tradicional, o valor não poderá ultrapassar 30% da renda familiar prevista para cada faixa do programa habitacional.

Para o advogado Marco Tullyo dos Santos, que atua no Fabio Kadi Advogados, o decreto restringe, na verdade, a lógica de valorização de mercado dos imóveis oriundos dos programas habitacionais da prefeitura “ao reduzir sua atratividade como ativos de investimento e reafirmar seu papel como instrumento de política habitacional”.

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Aluguel por temporada

No Brasil, a Lei do Inquilinato permite o aluguel por temporada para contratos de até 90 dias, geralmente para lazer, estudos ou tratamento de saúde.

Contudo, o decreto paulistano estabelece restrições específicas para imóveis construídos com recursos públicos. Além disso, condomínios residenciais poderão criar regras para limitar o aluguel de curta duração, desde que aprovadas em assembleia.

Proprietários que mantiverem imóveis vazios deverão comprovar essa situação apresentando contas de consumo, como água e energia elétrica. Também está proibido o comodato — empréstimo gratuito do imóvel — que poderia ser usado para driblar as regras. O descumprimento pode acarretar responsabilizações administrativas.

Para o mercado imobiliário, a medida impõe desafios, pois limita preços e modalidades de aluguel, o que pode diminuir margens de lucro. “Uma enorme fatia destes imóveis já é construída com a finalidade de ‘short stay’ [aluguel de curta duração]. Caso não consigam entrar em acordo com a prefeitura, muito provavelmente os investidores vão procurar diversificar seus portfólios e estes imóveis deverão ser reinseridos novamente no mercado, como locação tradicional ou venda”, sinaliza Douglas Vecchio, CEO da Onda Segura.

Controvérsias à vista

A nova norma pode gerar questionamentos na Justiça, apontam advogados ouvidos pelo InvestNews. Eles explicam que os proprietários podem alegar violação do direito de propriedade e da liberdade contratual.

“Também há risco de conflitos entre compradores e incorporadoras, especialmente quando a destinação legal dos imóveis não foi comunicada claramente ou houve publicidade que sugeria aluguéis por temporada, o que pode configurar erro ou propaganda enganosa, com pedidos de reparação civil”, enfatiza o advogado Marco Tullyo dos Santos.

E nos próprios condomínios. “Muitos empreendimentos populares não possuem convenções atualizadas que regulem a locação por temporada, o que gera insegurança jurídica e litígios entre condôminos”, diz a advogada Daniela Poli Vlavianos.

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O que fazer?

Proprietários que desejam atuar dentro das normas ao oferecer imóveis para locação em São Paulo devem, segundo a advogada Luiza Polatto, do Ciari Moreira, entender as limitações legais que incidem sobre a unidade para não correr riscos de penalidades. Também é importante certificar se o condomínio permite que o apartamento tenha diferentes usos. “A jurisprudência vem caminhando no sentido de admitir restrições à locação por temporada pela convenção de condomínio”, enfatiza a advogada.

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