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O jogo dos sete erros do investidor brasileiro

Achar que bet é investimento, preferir poupança a títulos públicos… Veja os deslizes mais graves

Falar de bets num relatório sobre investimentos equivale a ter um capítulo dedicado a cigarros num livro de gastronomia. Mas a decisão da Anbima de incluir o mundo das apostas no “Raio-X do Investidor Brasileiro”, seu relatório anual sobre como a população cuida do próprio dinheiro, é justificável. 

“Ao observarmos que muitas pessoas incluíam as bets em seus orçamentos, considerando, inclusive, como uma forma de investimento, entendemos a importância de quantificar esse assunto”, diz a sétima edição do relatório. 

Mas os equívocos na hora de lidar com dinheiro não param por aí, naturalmente. Veja aqui, os sete erros mais relevantes, que pinçamos com base no relatório – e também em dados mais universais sobre o comportamento humano.       

1) Achar que bet é investimento

Os sete grandes erros do investidor brasileiro - Achar que bet é investimento
Ilustração: João Brito

14% da população adulta fez pelo menos uma aposta online em 2023. São 22 milhões de pessoas. Ok. O problema central aqui é outro. Desses 22 milhões, um em cada cinco “considera as apostas um tipo de investimento financeiro”, nas palavras do relatório da Anbima. Teríamos, então, que 4,8 milhões de brasileiros cometem esse sacrilégio cognitivo.

É óbvio o bastante que apostas são um perigo para as finanças. Mas alguns números ajudam a visualizar melhor. Uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (uma associação de varejistas) mostra bem: 63% dos usuários de bets reconheceu que teve a renda comprometida por conta do hábito, e boa parte deixou de consumir certos produtos para ter como apostar; 23% pararam de comprar roupas novas, por exemplo.

Por outro lado, não é preciso um jogo de azar para “investir” de forma temerária – o que nos leva ao próximo item.  

2) Começar na renda variável com cripto, em vez de ações

Os sete grandes erros do investidor brasileiro - Começar na renda variável com cripto, em vez de ações
Ilustração: João Brito

O dado não é novo, mas aparece renovado no relatório da Anbima: há mais investidores em cripto do que em ações no Brasil. 3,8% da população adulta tem bitcoin (ou outras criptomoedas) contra só 2,8% que investem na bolsa, em renda variável. Entre os mais jovens (16 a 27 anos), a vantagem é ainda mais larga: 8% X 3%.  

Nos EUA, para comparar, o placar é 18% X 10% a favor das ações, de acordo com o Gallup. (nota: contando fundos e planos de previdência, são 62% em ações; mas, como a pesquisa da Anbima não fala na posse desse tipo de ativo por esse tipo de via, temos de comparar só com a posse direta de ações mesmo).

O relatório da Anbima não diz se os portadores de cripto já tiveram ações antes. Mas a supremacia numérica dá a entender que ao menos uma parte considerável de quem coloca dinheiro em moedas digitais partiu para elas antes mesmo de testar ações.

Não faz sentido. “Do nosso ponto de vista, cripto é mais especulação do que investimento”, escreveu Janel Jackson, head de ETFs da Vanguard, gestora de fundos com 7,2 trilhões em ativos sob gestão. “Com ações, você vira dono de parte de uma empresa que produz bens ou serviços. Com títulos, você tem um fluxo de pagamentos de juros (…). Enquanto isso, cripto é um ativo sem valor intrínseco, sem fluxo de caixa e que pode devastar um portfólio”. 

O parágrafo acima é a justificativa da Vanguard para o decisão de não montar um ETF (fundo negociado em bolsa) de bitcoin. E o fato de a gestora de US$ 7 trilhões manter um pé atrás com cripto serve de alerta. Colocar uma parte do seu dinheiro em algo tão volátil sem ter experiência com a renda variável tradicional (ações), equivale a dirigir uma moto sem ter aprendido a andar de bicicleta.    

3) Preferir poupança a títulos públicos

Os sete grandes erros do investidor brasileiro - Preferir poupança a títulos públicos
Ilustração: João Brito

Aí é na ponta do lápis. O Tesouro Selic, título público tão seguro quanto a poupança, rendeu 11,99% nos últimos 12 meses. A poupança, 7,48%.

Poupança não paga imposto de renda sobre o rendimento. E isso faz diferença, de fato. Mas não o bastante. Depois dos impostos, o rendimento líquido do Tesouro Selic cai para 9,8%. 

Tem a taxa do Tesouro direto também (para montantes acima de R$ 10 mil). Ela é de 0,20% ao ano sobre o total investido. Com ela na jogada, o rendimento cai para 9,7% – sempre levando em conta o que rolou nos últimos 12 meses. Mas é isso: ainda assim, bem acima da poupança. 

Outro jeito de investir em Tesouro Selic é via fundos de banco que deixam todo seu patrimônio nesse tipo de ativo – são fundos DI que costumam carregar a palavra “Simples” no nome. Depois dos impostos e da taxa do banco sobre o total investido (caso ela seja baixa, de 0,3% ao ano), o rendimento fica em 9,6%.

De novo, melhor do que a poupança. Não tem o que pensar, ao menos enquanto não mudarem novamente as regras de remuneração da caderneta. Da forma como está, ela sempre vai render substancialmente menos que a Selic. 

Mesmo assim, a poupança é o investimento favorito dos brasileiros. De longe. 68% de quem investe tem dinheiro na poupança, contra 5% no Tesouro Direto (onde está o Tesouro Selic). Os fundos ficam com 12% (contando todos os fundos, não só os “DI Simples”).

E a prevalência é da classe A/B. Pegando da população geral, 25% tem caderneta de poupança. Na classe A/B, 31%, na C, 27%, na D/E, 17%. Essa estatística reflete outro fato: a de que as camadas mais pobres da população simplesmente não têm o que investir. Mas não deixa de mostrar que quem tem não toma a melhor decisão.        

4) Preferir renda passiva a juros compostos

Os sete grandes erros do investidor brasileiro - Preferir renda passiva a juros compostos
Ilustração: João Brito

Essa não consta na pesquisa lá da Anbima. Mas é um fato, e merece atenção. As pessoas tendem a gostar de ativos que façam pingar dinheiro na conta. É o caso de fundos imobiliários: você compra cotas de um e uma parcela dos aluguéis que o fundo recebe vai direto para o seu bolso, todo mês. Isso não é um problema, claro. A questão é outra: essa fórmula não permite que o milagre dos juros compostos opere a favor do seu dinheiro, e mesmo assim ela é aparentemente mais sedutora.

Uma evidência disso. Em setembro do ano passado, surgiram dois novos ETFs no mercado, no mesmo dia: o NDIV11 e NSDV11. Os dois são ETFs de dividendos – investem num índice específico, formado apenas por empresas sólidas e que pagam proventos com frequência. Pois bem.

O NDIV11 pega esses proventos e deposita na conta do cliente, todo mês. O NSDV11 não. Ele usa os proventos para comprar mais ações – que geram mais dividendos, que se tornam mais papéis. Juros compostos na veia. 

No curto prazo, não faz muita diferença – como o InvestNews já mostrou na reportagem deste link aqui embaixo:

LEIA MAIS: A hora e a vez dos ETFs de dividendos 

Mas então. Se a carteira de ações lá do índice der 8% ao ano em dividendos, R$ 10 mil no NDIV11 vão colocar R$ 800 no seu bolso a cada 12 meses. No outro ETF, turbinado pelos juros compostos, o total de proventos será um pouco maior: R$ 830. Só que não na forma de dinheiro, mas de novas novas ações. 

Para a maioria, R$ 800 na mão valem mais do que R$ 830 ainda “parados”. E faz todo o sentido. Mas no longo prazo a diferença começa a ficar gritante. Em 10 anos, um ETF com a fórmula do NDIV11 vai ter gerado R$ 8 mil em proventos. Um que funcione como o NSDV11, bem mais: R$ 12 mil. Em 20 anos, não tem discussão. Daria R$ 16 mil no que deposita os dividendos como renda passiva contra R$ 32 mil do outro, que vai reinvestindo os proventos e fazendo o bolo crescer.

Mesmo assim, o ETF que não contém juros compostos conquistou mais cotistas: 44 mil, contra 35 mil do outro, que permite multiplicar melhor o dinheiro no longo prazo. Uma amostra de que o poder dos juros compostos talvez seja menos levado em conta do que deveria.          

5) Gastar mais do que ganha

Os sete grandes erros do investidor brasileiro - Gastar mais do que ganha
Ilustração: João Brito

Ok. Aqui é Brasil, não é Bélgica. Natural que boa parte da população não consiga fazer o salário chegar até o fim do mês. A pesquisa da Anbima mostra que essa é a realidade para 34% dos brasileiros – um percentual até pequeno para um país onde o salário médio é de 3,1 mil. 

Mas esse não é o assunto aqui. O dado que chama a atenção é o seguinte: a proporção dos que gastam mais do que ganham também é alta entre as pessoas que investem (23%). Aí não faz sentido. 

Quem gasta mais do que ganha faz dívida. Quem faz dívida paga juros. E nenhum investimento minimamente seguro vai compensar esses juros. 

Mesmo as linhas de crédito mais baratas pesam. A mediana do crédito pessoal consignado para funcionários públicos, por exemplo, está em 22% ao ano. Warren Buffett, o melhor investidor da história, faz 20% ao ano. Não dá para competir contra juros de empréstimos pessoais.

A mãe de todos os investimentos é não dever nada. O resto vem no vácuo.

6) Contar com o INSS 

Os sete grandes erros do investidor brasileiro - Contar com o INSS
Ilustração: João Brito

Se você ganha bem há um bom tempo, pode se sentir tentado a contar com o teto da previdência pública quando se aposentar. Melhor não. Dos 40 milhões de beneficiários do INSS, só 3.841 recebem o teto. Dá 0,001%.

Natural. Só dá para receber o teto cravado (hoje em R$ 7.786,02) se você tiver recolhido a cota máxima de INSS desde o primeiro emprego, o que é pouco provável. E sabemos todos: o benefício máximo agora só vale para quem trabalhar CLT por 35 anos (mulheres) ou por 40 anos (homens). Enquanto isso, o tempo médio de contribuição de quem já se aposentou é de 26 anos – e quanto menor o tempo, menor o dinheiro, claro. Fato é que 70% dos beneficiários recebem até um salário mínimo (R$ 1.412), e nada mais.  

Agora veja o que a pesquisa da Anbima diz.

De onde virá o seu sustento depois da aposentadoria?

  • INSS: 58,6%
  • Continuar trabalhando: 19,1%
  • Não sabe: 13,6%
  • Aplicações financeiras: 12,6%
  • Previdência privada: 4,9%
  • Aluguel de imóveis: 4,3%
  • Outros (ajuda de familiares, herança, pensão de cônjuge): 3,5%

É isso. Mesmo com todas as desvantagens da previdência pública, a grande maioria ainda aposta suas fichas nela.  

E o problema tende a piorar com o envelhecimento da população. O Censo de 2022 mostra que o número de pessoas com 65 anos ou mais cresceu 57,4% em 12 anos, chegando a 10,9% da população. Na outra ponta, a “produção” de gente nova despenca. Em 2010, 24,1% dos brasileiros tinha até 14 anos. Hoje são 19,8%.

LEIA MAIS: O Brasil está produzindo menos bebês: problemas à vista para a economia

Com menos gente para entrar no mercado de trabalho lá na frente, e mais pessoas se aposentando, a previdência pública fica menos sustentável. Com o passar do tempo, será cada vez mais difícil conseguir uma.    

7) Estar sujeito ao efeito manada

Os sete grandes erros do investidor brasileiro - Estar sujeito ao efeito manada
Ilustração: João Brito

“Se todo mundo pular da janela, você vai pular também?” Sua mãe já te fez essa pergunta retórica – provavelmente depois de avisar que “você não é todo mundo”. Mas ela estava errada.

Você é todo mundo, sim. Humanos são como chimpanzés, lobos, gnus, sardinhas, vaga-lumes – animais sociais, seres com o cérebro moldado para emular o comportamento alheio. A regra evolutiva é clara: faça o que os outros estiverem fazendo.

Estar sujeito ao efeito manada, então, nem é um erro propriamente dito. Mas uma característica universal (que incluímos aqui como extra – o relatório da Anbima não fala sobre isso).

É tão natural seguir o comportamento da maioria que dá para dizer: o efeito manada move os mercados. Um exemplo. Há 4,5 mil empresas nos EUA. As ações de todas elas, juntas, somam US$ 60 trilhões. Desse total, US$ 10 trilhões estão concentrados em apenas três companhias – Microsoft, Apple e Nvidia. Ou seja: 15% em 0,06% do total. Há 10 anos, a concentração no top 3 da época (Apple, Exxon e Microsoft) era de 6%. Bastante até, mas em linha com a média das últimas décadas.

Concentrações severas costumam ser um sintoma de efeito manada. Enquanto a boiada corre morro acima, tudo certo. Mais e mais gente vai entrando para o bando, e o processo se retroalimenta. A demanda faz subir o preço das ações; ações cada vez mais caras são ações em alta; a alta faz crescer a demanda, que impulsiona mais ainda o preço… Um círculo virtuoso.

Mas que também pode se tornar vicioso. Se muita gente achar que tal ou tal papel finalmente ficou caro demais, a demanda seca. Quem tem na mão começa a pensar seriamente em se livrar deles para realizar o lucro de uma vez. A oferta desse papel no mercado supera a demanda, e os preços começam a cair. O resto da turba vê os preços desabando, entra em desespero, tenta vender enquanto é tempo… Aí você já viu. É assim que acontecem as quebradeiras.

Quando o assunto é renda variável, o investidor ideal deveria esperar momentos de baixa para comprar e de alta para vender. É justamente o contrário do que a maioria faz. Daí serem tão raros os que conseguem bater o mercado – ou seja, ganhar mais do que os índices de referência, como o Ibovespa e o S&P 500. E isso também vale para fundos de investimento com gestão profissional: em janelas de 10 anos, 90% deles não conseguem bater o mercado

Talvez 100% dos gestores saibam apontar os grandes erros de quem investe, como fizemos aqui. Mas essa é a parte fácil. O difícil mesmo é não errar.

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