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Finanças

Tem IPCA+ na carteira? Cuide da saúde; talvez você precise de uma vida longa para não perder dinheiro

Sem falar no custo de oportunidade. O dólar já fez “IPCA+22%” neste ano.

composição visual abstrata que inclui os seguintes elementos: Relógio Analógico: Localizado no centro, com fundo roxo e números e ponteiros pretos. O mostrador é coberto por uma grade sutil. Triângulos Roxos: Quatro triângulos em volta do relógio, apontando para fora. Homem em Preto e Branco: À esquerda, um homem de terno parece estar caindo para trás em direção ao relógio, com um rastro atrás dele sugerindo movimento. Textura de Pontos: Fundo com textura em preto e branco, com uma parte destacada em roxo no canto inferior esquerdo. Cédulas de 100 Reais: Fragmentos de duas cédulas no canto superior esquerdo, destacando a efígie de uma figura feminina em perfil.
Ilustração: Daniela Arbex

Foi um dos melhores investimentos possíveis entre janeiro de 2016 e dezembro de 2019. Dólar? Não. A moeda americana começou em R$ 4,03 e quatro anos depois estava em… R$ 4,03. Zero por cento

CDI? Nope. Os CDBs, fundos DI… enfim, todos os ativos que seguem de perto a Selic, renderam mais ou menos 40% nesse intervalo. Deu o dobro da inflação do período; só que, mesmo assim, não faltaram alternativas mais prósperas.  

Foi o caso da bolsa. O Ibovespa subiu 167% entre 2016 e 2019. Só que mesmo assim não foi páreo para o IPCA+2035. Esse título público atrelado à inflação, que paga o IPCA mais um juro prefixado, subiu grossos 177% nesse intervalo.

Pois é. Um ativo de renda fixa entregando mais do que renda variável – e num período opulento para a renda variável (que hoje come poeira do CDI). 

O caráter variável da renda fixa

Tem um motivo, obviamente. Títulos de inflação só são “renda fixa” para quem segura até o vencimento (veja uma simulação simples na nota de rodapé*). Enquanto a data final não chega, o preço sobe e desce ao sabor das expectativas para o futuro da Selic – é aquilo que os economistas chamam de “marcação a mercado”. 

Entre 2016 e 2019 a taxa básica da economia desabou de 14,25% para 4,50%. Nisso, as taxas do títulos de inflação tombaram também. No caso do IPCA+2035, de 7,42% em janeiro de 2016 para 3,38% em dezembro de 2019. 

Títulos públicos são como chinelos Havaianas: um produto qualquer, que tem um preço de mercado. A taxa de juros de um título é uma função do preço unitário da coisa: quanto mais barato ele está, maior a taxa; e quando essa taxa diminui significa que ele está ficando mais caro (entenda o mecanismo aqui). 

E se o título fica mais caro, o saldo de quem tem esses papéis na carteira aumenta. Entre 2016 e 2019, como vimos aqui, quem tinha IPCA+2035 na mão viu esse valor crescer 177%. Em suma: não foi preciso esperar até 2035, a data de vencimento, para embolsar um bom lucro. Sacando em quatro anos já deu para triplicar o montante. Tudo graças à queda da Selic. 

Igual, só que ao contrário

Hoje acontece o oposto. A taxa básica de juros está em ascendente. Saltou de 10,50% para 12,25% nos últimos três meses. O Banco Central também avisou que deve elevá-la a 14,25% até março. E o mercado financeiro já trabalha com a hipótese de que ela chegue a um pico de 16,25% lá em 2027 – por cortesia da crise fiscal.  

Vamos nos ater aos 14,25%, a realidade já cantada pelo BC. A inflação está próxima de 5%. Traduzindo na linguagem dos títulos de inflação, isso dá uma Selic equivalente a IPCA+9%.

Trata-se de um juro real, aquele acima da inflação, completamente fora da curva. No começo de 2016, com a nossa última crise fiscal a todo vapor, ele estava em meros 3,55%. Mesmo assim, o mercado acredita que o juro real vá seguir agudo nos próximos muito anos. 

LEIA MAIS: Governo abandona tripé macroeconômico e crise de confiança vai além da política fiscal, diz Solange Srour

As previsões sobre o futuro da Selic determinam os juros dos títulos de inflação, certo? Então. Como esse prognóstico elevou-se rumo ao espaço sideral, os juros dos títulos também subiram.

No caso do IPCA+2035, de 5,50% no começo do ano para 7,26% na tarde de quinta-feira (19). Sobe a taxa, cai o preço. No saldo de quem carrega esses títulos na carteira, então, isso significou uma perda de 8,5% no saldo. Para quem pretendia sacar agora, era melhor ter deixado o dinheiro debaixo do colchão – na verdade, em qualquer investimento simplório que pague o CDI; eles já garantiram um retorno próximo de 10% no ano. 

E a perspectiva do mercado é a de que a Selic siga subindo. Conclusão: quem comprou IPCA+2035 a 5,50% esperando por uma queda, para ganhar com a marcação a mercado, não vai ver o saldo subir para o positivo tão cedo.

Dólar = IPCA+22% 

No pior cenário, com o juro real a 8%, 9% por anos a fio, a perspectiva é a de que a taxa dos títulos de inflação sigam em alta – destruindo as ambições de quem esperava ganhar com a marcação a mercado. 

O jeito, então, é se programar para esperar até bem mais perto da data de vencimento – 2035; 2045; 2055, a depender do título… Para quem não é tão jovem resta, então, manter a saúde em dia nas próximas décadas. Você vai precisar de alguma longevidade para não perder dinheiro. 

LEIA MAIS: Ciclo vicioso: como o risco fiscal alimenta a alta dos juros – e vice-versa

E mesmo assim pode vir relativamente pouco na comparação com investimentos em moeda forte, caso a nossa economia degringole. Neste ano, o dólar sozinho garantiu absurdos IPCA+22% – alta de 27%, contra uma inflação de 5%.

Nos tempos de hiperinflação, pré-Plano Real, houve anos em que o mero ato de guardar dólar debaixo do colchão garantiu IPCA+50% (caso de 1991).

É o que nos aguarda? 

“Predição é algo muito difícil, especialmente se for sobre o futuro”, já disse o dinamarquês Niel Bohr (1885-1962) – que é um dos pais da física quântica, a ciência mais bem-sucedida na arte de fazer previsões. 

A economia não é uma ciência exata, posto que deriva ao sabor de emoções humanas; nem se trata de uma ciência completamente humana, já que os preços do dólar e dos títulos públicos também obedecem a fundamentos matemáticos.

Exemplo: se o governo jamais se dispõem a gastar menos do que arrecada, a casa cai por falta de sustentação. Isso não é uma opinião. É um fundamento matemático que erode a confiança na própria moeda brasileira – daí a alta acelerada da moeda americana.

É que existe, de fato, um perigo à espreita. O de chegar uma hora, nos próximos anos, em que o Estado tenha de imprimir dinheiro para honrar o pagamento dos títulos públicos. Isso feito, nossa moeda entraria numa espiral de desvalorização, rumo à morte – mal tendo passado dos 30 anos de idade. 

Uma hipótese fúnebre. Mas que começa a ser levada em conta por um motivo simples: caso a moeda brasileira deixe mesmo de existir, não será a primeira vez.

Na ausência de tragédia, porém, fica a chance de uma nova era de ouro na marcação a mercado, nos moldes daquela que se deu entre 2016 e 2019. Quem viver verá. Ou não.


*Nota de rodapé. Quando a renda é fixa de fato: se você colocar R$ 10 mil no IPCA+2035, com juros reais de 7,26% ao ano, e deixar até o vencimento, terá o equivalente a R$ 20,6 mil de hoje corrigidos pelo IPCA no dia 15 de maio de 2035 (antes dos impostos). Caso a inflação anual fique numa média de 4% – perto do teto da meta –, o valor nominal (aquele aparece de fato no saldo bruto) será de R$ 31 mil. Mas isso não tem importância; o ponto é que lá no futuro esses R$ 31 mil vão comprar aquilo que R$ 20,6 mil compram hoje. Seu ganho real será de 106% – independentemente de qual seja a inflação. 

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