Os fundos de private equity investem em empresas que não têm capital aberto (ou seja, que não têm ações listadas na bolsa de valores). Em geral, eles costumam oferecer menos risco ao investidor que a bolsa de valores. O motivo: a aplicação de recursos é feita diretamente nos projetos e não nas empresas. A ideia é que as empresas alavanquem recursos pela participação privada (private equity) para expansão ou recuperação dos negócios.
A estrutura e funcionamento do private equity é semelhantes aos fundos de ações tradicionais. Um gestor qualificado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) faz a mediação entre o investidor e a empresa.
Regulado por órgãos, como Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), ele é responsável por captar e injetar o dinheiro na companhia, além de participar de deliberações estratégicas, acelerar o desenvolvimento, melhorar a governança corporativa e a credibilidade da empresa.
Mas, como funciona o investimento em private equity? O InvestNews conversou com especialistas para ajudar o investidor nesse tipo de investimento – Luis Filipe Lomonaco, sócio do fundo TreeCorp, e Márcio Barea, gerente executivo da ABVCAP. Veja abaixo os principais pontos:
O que é o private equity?
É uma modalidade de investimento alternativo aplicada em empresas privadas, com potencial de crescimento e sem acesso ao investimento pelo mercado de capitais. O investidor recebe uma cota da empresa em troca do capital injetado. No final do processo, o gestor vende a participação acionária para obter lucro.
“O conceito é simples. É querer investir em uma empresa por meio de um fundo que não está disponível no mercado de capitais”, explica Lomonaco. “É ter acesso para investir em empresas que, geralmente, são familiares ou menores, mas que, às vezes, crescem muito mais que as clássicas com ações listadas (na bolsa de valores).”
Ao alocar recursos em um fundo de private equity, o investidor passa a ser sócio da empresa investida por um período estipulado. Normalmente são prazos longos como o de um fundo de ações tradicionais, e podem variar de 5 anos a mais de 10 anos. Se um investidor busca retorno imediato, essa pode não ser a alternativa ideal.
A indústria de private, portanto, usa a expertise dos gestores para orientar a gestão do negócio a partir do momento inicial de investimento até o desinvestimento, quando a parceria é encerrada com a venda das cotas.
Esse cenário também pode levar a empresa a fazer abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) na bolsa, já que o gestor do fundo aproxima a cultura da empresa à cultura de uma companhia de capital aberto. Em 2021, 42% das ofertas públicas iniciais eram de empresas investidas por fundos de private ou venture, segundo a B3.
O aporte de capital privado acelera o desenvolvimento, melhora a governança corporativa, a competitividade e a credibilidade da empresa perante o mercado. O gestor atua como guia da empresa ao indicar fornecedores, apresentar potenciais clientes e negociar taxas competitivas com bancos, entre outras coisas.
Para Márcio Barea, um gestor do fundo avalia um investimento na empresa investida através do potencial de crescimento da empresa e do setor ao qual ela está inserida. “A avaliação inicia com processo de due diligence, em que os riscos relacionados ao investimento são discriminados. A análise se concentra em áreas como financeira e contábil, com foco na saúde financeira da empresa e na confirmação das premissas utilizadas na projeção dos negócios, assim como riscos de ordem fiscal, trabalhista, previdenciária, ambiental, tecnológico, entre outros.”
Qual a diferença de private equity e venture capital?
A diferença de investir em private ou venture está no estágio e no risco da empresa investida. “É a velha e boa equação de risco/retorno”, afirma Lomonaco. “Na média de todos os investimentos de private e venture, o retorno de venture pode ser um pouco mais rápido, mas não é necessariamente uma regra. Às vezes, o retorno rápido por estar ligado aos unicórnios (nome dado a startups cujos valores de mercado ultrapassam US$ 1 bilhão, sem ter presença na bolsa).”
No private equity, o investimento é feito em empresas com estágio mais avançado, com um modelo de negócio consolidado, mas que, geralmente, buscam uma estratégia de expansão da sua atividade ou até mesmo a abertura de capital. Já venture capital é voltado a empresas em estágio inicial, com risco mais elevado que uma private por não ter mercado estável e por ser um negócio novo. São empresas ainda em fase de desenvolvimento de seus produtos, como as startups.
“Para o investidor, a diferença está no grau de risco, sendo que por existir mais incertezas, o venture capital, geralmente, concentra maior grau de risco”, complementa Barea.
O que saber sobre private equity antes de investir?
Com a democratização dos investimentos no Brasil, a aplicação em fundos de private equity está mais robusta, embora ainda não seja destinada a um público em geral. São aplicações de risco e de estratégia de longo prazo, mas que apresentam retornos superiores aos mercados de empresas listadas.
“Você tem que ter ciência de que pode ficar com o capital preso pelo período do fundo. Por outro lado, o gestor vai buscar retorno bem superior. Você tem que saber bem quanto você vai alocar para esse retorno maior. É mais importante até do que olhar o fundo, é olhar o gestor do fundo em que você pretende investir. Ele tem um papel muito maior que simplesmente injetar dinheiro”, pondera Luis Filipe Lomonaco, sócio do fundo TreeCorp.
Gerente da ABVCAP, Márcio Barea reforça a importância de o investidor ter “conhecimento sobre gestor, saber o histórico dele na performance de fundos e das empresas investidas no momento do investimento”. “Conhecer o histórico da equipe de gestão também é muito importante, uma vez que são estes profissionais que estarão no dia a dia da condução dos investimentos e das empresas investidas”, acrescenta.
Lomonaco afirma que o investidor pode se deparar com gestores iniciantes nesse tipo de investimento, e aconselha: “Como é o primeiro fundo, você vai ter que confiar um pouco mais na análise do gestor. Mas, geralmente, você vai olhar o histórico e saber o que ele fez”.
Ambos os especialistas alertam que o gestor não pode usar o dinheiro do fundo para aplicar em ações na bolsa e que os investidores podem acompanhar o histórico do fundo, que fica registrado na CVM.
Uma vantagem do investidor de private sobre o da bolsa, segundo Lomonaco, é navegar pelas volatilidades do mercado financeiro de forma mais segura. “Quando você investe num fundo de ações, você vê as oscilações do mercado financeiro e, às vezes, acumula perdas em um cenário turbulento. Já no fundo de private, o investidor passa por essas tempestades de forma mais tranquila devido à longevidade do investimento. É o que está acontecendo com as empresas que investimos. Todas estão indo bem. Se estivessem na bolsa, poderia ser que a ação variasse para baixo.”
Como funcionam os fundos de private equity?
A indústria de private equity e venture capital é composta por quatro agentes: organizações gestoras, fundos de PE/VC, investidores e empresas investidas. O fundo recebe recursos de investidores e os gestores injetam o dinheiro diretamente nas empresas.
“As empresas que recebem estes aportes possuem potencial de crescimento no longo prazo, e dessa forma o fundo busca retornos com a criação de valor dessas empresas, através da valorização de seu portfólio”, explica Márcio Barea, gerente executivo da ABVCAP. “Também buscam um maior alinhamento com as empresas investidas, participando muitas vezes das melhorias operacionais e do crescimento orgânico das empresas investidas.”
De acordo com a Anbima, os investimentos de PE/VC caracterizam-se por ser “temporários, de longo prazo e ocorrem por meio da compra de ações. Debêntures conversíveis em ações, opções de compra e de venda, além de bônus de subscrição (warrants), também são empregados”.
Os fundos de investimento são as formas mais comuns de injetar dinheiro nas empresas e estão divididos em três fases: captação de recursos, investimento e desinvestimento.
Na primeira etapa, os investidores compram cotas da empresa em potencial a partir de uma ideia e de uma quantia apresentadas por um gestor, que será responsável por criar a carteira do fundo a partir dos objetivos traçados. O investidor passa a ser um cotista e assina uma documentação em que se compromete com os aportes de capital quando solicitado pelo gestor.
Na segunda fase, o gestor injetará o dinheiro na empresa selecionada após o valuation (processo de estimar o valor de uma empresa no mercado) e guiará a companhia na gestão ao longo de um período – normalmente, é mais longo que um fundo de ações comum e pode variar entre 7 e 10 anos. O último estágio é o desinvestimento em que os investidores ganham seus lucros.
Nos primeiros anos do fundo, o investidor desembolsa grandes quantias de recursos para injetar na empresa com a expectativa de retornos elevados, nos últimos anos. Ao término do prazo, o gestor pode vender a participação societária para outras instituições (fusão/aquisição), vender a cota para outro fundo private ou fazer um IPO (oferta pública de ações), com a venda das cotas adquiridas.
Para se desfazer de uma cota de investimento antes do término do mandato, o investidor pode negociar no mercado secundário, no fundo do fundo. Esse tipo de operação é rara já que o mercado secundário ainda é muito pequeno no Brasil. Além disso, o investidor também pode ter uma leve perda do dinheiro investido.
“São chamados fundos de fundo ou fundos secundários. Será um gestor especialista nesse mercado que vai negociar a venda das cotas. Essa negociação secundária está crescendo e tende a ficar grande. Mas, hoje, ainda é muito pequena”, alerta Lomonaco sobre a dificuldade dessa operação.
Qual o perfil para investir em private equity?
Para investir em private equity é necessário ter uma conta em uma corretora. O aporte pode ser feito por outras companhias ou por um investidor qualificado.
Desde 2014, a CVM definiu três classes de investidores. A primeira se refere ao investidor comum, descrito como qualquer pessoa que tenha valor aplicado, por exemplo, na caderneta de poupança.
A segunda é o profissional classificado como instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central a atuar como seguradoras e sociedades de capitalização ou uma pessoa física ou jurídica com investimentos financeiros superiores a R$ 10 milhões – fundos e clubes de investimentos se enquadram nessa classificação. Por fim, o qualificado são pessoas físicas ou jurídicas com investimentos superiores a R$ 1 milhão e que comprovem sua condição de investidor.
Portanto, para investir em private equity, o investidor pessoa física ou jurídica deve comprovar à comissão ter patrimônio investido igual ou superior a R$ 1 milhão, ou comprovar com certificação da CVM ter conhecimento sobre o assunto para apresentar ao banco ou à corretora que opera os investimentos.
Há casos específicos de fundos em que é possível fracionar a cota em valores menores, mas isso depende do gestor e das regras do fundo. Caso não se enquadre nesse perfil, há negócios com potencial de crescimento de outros ativos de renda variável, como ações, fundos imobiliários ou ETFs.
Luis Filipe Lomonaco, sócio do fundo TreeCorp, afirma que precisa haver um alinhamento entre o perfil do investidor e o perfil do gestor do fundo: “O que você está querendo com o investimento é retornar mais forte o seu capital”. Para o especialista, o investidor qualificado tende a pulverizar sua carteira em vários tipos de ativos e pode ter um perfil mais arrojado, com aplicação simultânea em renda fixa e variável, fundo imobiliário e em private equity.
O gestor do fundo de private tende a ter perfil mais moderado se comparado a um gestor de venture, que, segundo Lomonaco, “é mais agressivo e persegue taxas bem altas, mas com a ciência de que pode ter um risco maior.” “Um gestor de private está mais preocupado com o micro que o macro. Seu foco está na empresa e menos no mercado em si. Por isso, o desinvestimento acontece na hora em que a empresa está valendo mais.”
Para o especialista, o investidor pode avaliar o destino de seu recurso ao comparar as taxas de retorno da renda fixa, da bolsa e do private em um intervalo de cinco anos, por exemplo. “O mundo é muito cíclico. Quanto mais tempo você comparar, melhor será sua análise. Se for 10 anos é bom, 20 é melhor ainda.”
O investidor só faz aporte uma única vez no fundo. Após o desinvestimento, poderá aplicar nova quantia em novo fundo. “Agora, se você ficar interessado em manter o investimento na empresa que estava no fundo, você pode continuar a injetar dinheiro, mas será com a compra de ações da companhia na bolsa”, acrescenta Lomonaco.
Como é a aplicação em private equity?
Há diversas formas de aplicação em um fundo de private equity, a depender do perfil do investidor, do gestor e do fundo. Márcio Barea, da ABVCAP, explica que há três fases:
- Captação de recursos: investidores se comprometem com o aporte de recursos.
- Investimento: fundo solicita aos investidores o aporte de recursos, conforme as oportunidades de investimento em empresas efetuadas pelo fundo.
- Desinvestimento: fundo encerra sua participação com o desinvestimento das empresas existentes em seu portfólio e o retorno dos recursos investidos aos seus investidores.
Como saber se private equity vale a pena?
Private equity é considerado um investimento de risco. Entretanto, ressalta Barea, “pode gerar retornos superiores em relação a outras classes de investimentos”. “No Brasil, temos estudos que demonstram que estes investimentos alcançaram historicamente retornos superiores ao mercado de ações, assim como se comparados a outros indexadores de renda fixa.”
O que fará o investidor se interessar em ficar tanto tempo com o fundo? Lomonaco afirma que os retornos elevados são os atrativos dessa modalidade de investimento. “O retorno que se busca é na casa de 30% ao ano. Imagina um retorno sobre o teu capital de 30% ao ano num período de seis, sete anos. É muito forte. A ideia é você ganhar muito mais retorno que os índices das empresas listadas na bolsa. No private você tem sempre que olhar no mesmo horizonte de tempo e buscar taxas de retornos elevadas. Por isso, a importância de saber o perfil do gestor.”
Quais as vantagens de receber um investimento de private equity?
Na visão do empreendedor e da empresa investida são diversas vantagens, como a melhoria na gestão e nos processos do negócio, aumento de recursos financeiros para investimentos necessários – muitas vezes para abertura de novos mercados –, melhoria da estrutura interna, como já descritas acima.
“Evidentemente é o capital. Entra um capital ótimo para a empresa crescer de forma rápida, com corpo de governança forte. Quando entra um fundo na sua empresa, ele vai auditar seus números e melhorar o compliance. Forma-se um conselho de administração que traz dinamismo para empresa. Há muita interação, troca de melhores práticas, de experiência e até pontos comerciais”, diz Lomonaco.
“Alguns fundos podem criar sinergias com outras empresas do portfólio, colaborando sobremaneira no crescimento e na criação de valor da empresa”, complementa Barea.
Uma vantagem para o investidor é a possibilidade de investir (e intervir) no processo de crescimento da empresa. O gestor do fundo consulta os investidores antes de tomar decisões de investimentos na companhia. Como é um investimento a longo prazo e uma alternativa de renda variável, antecipar o resgate pode acarretar perdas financeiras e sem garantias de retornos.
E como o gestor de private equity é remunerado?
A ABVCAP afirma que a remuneração do administrador do fundo e o pagamento (ou não) da taxa de perfomance são regidos pelo regulamento do fundo. Normalmente, elas são pagas ao administrador do fundo com base em um percentual do patrimônio líquido do fundo, ou da valorização das quotas, conforme o caso.
“Do montante recebido pelo administrador, parte será deduzida para o pagamento da taxa paga ao gestor da carteira de investimentos, bem como da remuneração dos demais prestadores de serviços, salvo determinação em contrário nos termos do regulamento do fundo”, acrescenta a entidade.
“O gestor tem de entregar o capital corrigido e vai ganhar um percentual acima dessa correção, no caso, 20%. O lucro do investimento é sempre corrigido por um indicador, no mínimo, um IPCA+6 ou IPCA+7. Há casos em que a taxa é fixa por ano. Essa dinâmica faz com que realmente o gestor persiga retornos elevados. Se a empresa não tiver ganho de 30% ou 40% ao ano, começa a ficar difícil para investir”, pondera Lomonaco ao defender a modalidade de investimento private equity.