Há quase 100% de chances de os juros caírem mais 0,25 ponto percentual nos EUA, segundo o FedWatch, ferramenta que mede as expectativas do mercado sobre as decisões do banco central americano. Caso o Fed confirme a expectativa nesta quarta, essa será a primeira sequência de duas quedas na “Selic” americana desde o ano passado.

O que esse novo cenário significa para o bitcoin?

Na teoria, é positivo. Na prática, depende do caso. A cripto costuma se sair bem em períodos de queda de juros por lá – mas nem sempre, porque há outros fatores importantes em jogo.

Um estudo da Vault Capital, encomendado pelo InvestNews, mostrou que nos dois últimos grandes ciclos de cortes nos EUA – de 31 de julho de 2019 a 15 de março de 2020 e de 18 de setembro de 2024 até 17 de setembro de 2025 -, o bitcoin subiu em metade das vezes três meses depois dos cortes, e caiu na outra metade. Já num prazo de seis meses, o desempenho foi melhor: alta em 75% das ocasiões e queda em 25%.

O que explica tudo isso? Vamos por partes.

Juros têm força, mas não fazem milagre

Juros menores costumam dar uma dose de ânimo nas criptos. Isso porque reduzem a atratividade da renda fixa – como os títulos públicos dos EUA, as famosas treasuries – que passam a render menos. Com isso, cresce o apetite por investimentos de maior risco, como ações e criptoativos.

Mas os juros sozinhos, na verdade, não definem nada.

Segundo Fernando Martines, head de research da Vault Capital, a liquidez também faz toda a diferença. Ele explica que, em períodos de política monetária expansionista nos EUA, como em 2020 e 2024, o governo americano adotou medidas de quantitative easing (injeção de dinheiro na economia) e reduziu os juros.

Com mais dólares circulando e a moeda enfraquecida, o apetite por risco aumentou – e isso impulsionou o preço do bitcoin.

No corte de juros de março de 2020, por exemplo, o bitcoin subiu 78,4% nos três meses seguintes e 105% em seis meses. Satoshi Nakamoto – o misterioso criador da maior criptomoeda do mercado – deve ter ficado feliz da vida.

Já em fases de quantitative tightening – o processo inverso, quando o governo retira dinheiro de circulação para conter a inflação -, como entre 2022 e 2023, o cenário foi outro. Mesmo com expectativas de cortes, a liquidez menor e o medo de risco limitaram o desempenho da cripto. Nessas fases, o bitcoin tende a subir menos ou até cair.

“Em resumo, juros mais baixos são positivos para o bitcoin quando ocorrem em um ambiente de liquidez crescente e confiança elevada, tanto institucional quanto de indivíduos. Sem esses elementos, o efeito se dilu”, disse Martines.

O que esperar do bitcoin após esse corte?

No geral, a expectativa é positiva. Primeiro, porque o corte é praticamente dado como certo. Nesta terça-feira (28), 97,8% dos agentes do mercado apostam em um recuo de 0,25 ponto percentual, para a faixa de 3,75% a 4,00%.

Outro ponto otimista vem do JPMorgan, que vê possibilidade de o Federal Reserve (Fed, o banco central da nacão americana) encerrar o atual quantitative tightening, que restringe a liquidez global. Isso poderia, segundo analistas do banco, “soltar o freio de mão” da liquidez.

“Se confirmada, a combinação de corte de juros e fim (ou projeção de fim) do quantitative tightening pode criar um ambiente altamente favorável para os ativos de risco, incluindo o bitcoin”, disse a equipe de research do Mercado Bitcoin.

Além disso, há expectativa de que as tensões geopolíticas se acalmem. Na quinta-feira (30), o presidente dos EUA, Donald Trump, e o da China, Xi Jinping, vão se encontrar na Coreia do Sul. Espera-se o anúncio de um acordo para encerrar a guerra comercial, que causou fortes quedas nas criptos na semana do dia 10 de outubro.

“O avanço nas negociações entre EUA e China, com um acordo preliminar para reduzir tensões comerciais, também contribuiu para o otimismo”, disse Sarah Uska, analista de criptoativos do Bitybank.

Além dos juros e da liquidez

Claro que juros e liquidez não são os únicos fatores que mexem com o preço do bitcoin. Outros elementos também entram na conta.

Um dos principais hoje em dia é a adoção institucional, que ocorre principalmente via ETFs (fundos negociados em bolsa). “Entradas expressivas nesses fundos costumam antecipar altas, enquanto períodos de resgate ou realocação geram correções”, disse Martines, da Vault Capital.

Na semana entre 13 e 17 de outubro, os ETFs à vista de bitcoin nos EUA registraram saídas líquidas de US$ 1,23 bilhão, a segunda maior da história, em meio a tensões comerciais globais. Nos últimos dias, porém, esses produtos voltaram a atrair capital: só ontem, o fluxo líquido somou US$ 149,3 milhões, segundo a plataforma SoSoValue.

Outro elemento para o preço é a liquidez interna do mercado de criptomoedas, impulsionada principalmente pelas stablecoins – tokens atrelados a outros ativos, como dólar e ouro – como USDT e USDC, segundo Martines.

“O crescimento ou retração do volume de stablecoins é um bom indicador da liquidez global. Quando há expansão dessas emissões, há mais recursos disponíveis para compra de bitcoin. Quando são resgatadas, o mercado tende a encolher”, falou.