Reviravoltas não são novidade para quem acompanha o bitcoin: períodos de euforia seguidos de quedas bruscas fazem parte do ciclo. Mas a intensidade das últimas semanas surpreendeu até veteranos, com um tombo mais rápido do que o esperado — embora ainda sem o efeito sistêmico visto em colapsos anteriores.

Na sexta-feira (21), o bitcoin bateu mínima próxima de US$ 80.500, caminhando para o pior mês desde o crash da Terra/Luna em 2022, episódio que desencadeou uma onda de falências no setor, culminando na quebra da FTX. Ao todo, cerca de US$ 500 bilhões em valor de mercado do bitcoin evaporaram — sem contar os prejuízos nas demais criptomoedas.

Mesmo assim, o bitcoin continua acima do nível pré-eleição de Donald Trump. O problema é que boa parte da disparada vista após sua vitória sumiu no primeiro ano de volta à Casa Branca — justamente o período proclamado por Trump como “a idade de ouro” das criptos. A maior parte das perdas ainda está “no papel”. Mas, pela primeira vez desde que os ETFs de bitcoin aproximaram Wall Street do mercado cripto, esses investidores estão sob pressão.

Saques e desconfiança

O estopim dessa correção não é claro. Os novos ETFs — que não existiam no último grande crash — viraram parte central do problema. Investidores sacaram bilhões de dólares dos 12 fundos atrelados ao bitcoin só neste mês, segundo dados compilados pela Bloomberg. Entre os investidores que já haviam apostado nesses ETFs estão fundos universitários como Harvard e diversos hedge funds.

Empresas de capital aberto criadas apenas para comprar e guardar criptos — inspiradas no modelo do bilionário Michael Saylor — também enfrentam saques pesados, à medida que o mercado questiona se faz sentido pagar um “prêmio” por empresas cujo único ativo relevante são os próprios tokens.

O mercado cripto não é mais dominado só por pequenos investidores e fãs de tecnologia dispostos a segurar suas posições “até o fim”.
Agora ele faz parte do sistema financeiro tradicional — o que inclui gestoras, fundos, consultorias e até grandes bancos. Esses players têm comportamento muito distinto do investidor cripto clássico.

“Investidores institucionais rebalanceiam suas carteiras. Eles não seguram o ativo a qualquer custo”, disse Fadi Aboualfa, da Copper Technologies.

Flash crash

O único gatilho claro foi o flash crash de 10 de outubro, quando US$ 19 bilhões em posições foram liquidados em horas.  O episódio expôs dois problemas crônicos do setor:

O tombo retirou o bitcoin do recorde histórico de US$ 126 mil registrado dias antes.

Analistas do Cantor Fitzgerald afirmam que o impacto desse dia foi bem maior do que parecia, e que alguns grandes participantes podem estar sendo forçados a vender.

A liquidez segue baixa: market makers enfraquecidos não conseguem sustentar preços. Só na sexta-feira, cerca de US$ 1,6 bilhão em posições alavancadas foram liquidadas, segundo a Coinglass.

O bitcoin também perdeu a imagem de “ouro digital”. O ouro real segurou valor; já o bitcoin voltou a se comportar como ativo de risco puro, reagindo mais rápido do que as bolsas.

Nesta semana, o bitcoin refletiu o sobe-e-desce das ações de tecnologia — e, por sua vez, aumentou a volatilidade delas. Na quinta-feira, por exemplo, o S&P 500 subiu após resultados fortes da Nvidia, mas depois registrou sua maior reversão intradiária desde abril.
A Nomura culpou, entre outros fatores, a turbulência no mercado cripto.

Há ainda riscos internos. Diversas companhias rebatizadas como “empresas de tesouraria cripto” — cujo modelo de negócio é simplesmente comprar e segurar ativos digitais — continuam operando como se pudessem valer mais do que o próprio valor dos tokens que detêm. Isso lembra a lógica de empresas superalavancadas de 2022.

“Quando uma empresa de dispositivos médicos vira empresa de cripto tesouraria, é um sinal claro de onde estamos no ciclo”, disse Adam Morgan McCarthy, da Kaiko.