O bitcoin (BTC), apesar de super volátil, sempre mostrou um comportamento padrão ao longo de sua breve história. Antes do halving – evento que corta pela metade a emissão de novas moedas e ocorre a cada quatro anos – ele costuma bater em um fundo de preço, para depois engatar uma pernada até o topo. Era previsível o bastante para muita gente se planejar.

Só que, aparentemente, esse tal ciclo de quatro anos miou. Nos últimos meses, vários players do setor repetiram a mesma tese: esse padrão não existe mais, está quebrado, morreu e por aí vai. Por quê? Vamos explicar – mas antes, vale entender direitinho como esse sobe e desce da maior cripto do mundo funciona.

O ciclo de 4 anos

O ciclo tem três pontos: o fundo, o halving e o topo. Historicamente, o fundo aparece entre 12 e 18 meses antes da redução, quando o mercado já está exausto – como em 2015 (baixa na faixa dos US$ 200), 2018 (US$ 3.200) e 2022 (US$ 15.500). Depois disso vem a fase de acumulação: preços laterais, apatia geral e pouca atenção.

O halving tem marcado o final dessa jornada. Eles aconteceram em novembro de 2012, julho de 2016, maio de 2020 e abril de 2024 – e todos coincidiram com a transição para um movimento mais forte de alta do bitcoin.

Depois do halving, historicamente, começa a pernada parabólica (termo do mercado financeiro para descrever um padrão de alta extremamente acelerada, em que o gráfico literalmente ganha o formato de uma parábola), que leva ao topo.

Essa máxima costuma aparecer de 12 a 18 meses depois do corte. Foi assim em dezembro de 2013 (pico de US$ 1.150 pós-halving de 2012), em dezembro de 2017 (US$ 19.800 pós-2016) e em abril de 2021 (US$ 64.800, 11 meses após o halving de 2020).

No ciclo atual, o bitcoin atingiu sua máxima histórica de US$ 126 mil em outubro, 18 meses depois do halving de abril de 2024. Até aí, tudo dentro do script. Mas, para especialistas, três pontos principais não estão no roteiro.

Os motivos

O primeiro ponto: mesmo com a alta, não rolou aquela pernada parabólica clássica, afirmou a gestora Grayscale em relatório deste mês. E isso é ruim? Não necessariamente, segundo a casa, que acredita que a cripto tem chão para bater novos recordes em 2026.

O segundo ponto: a estrutura de mercado mudou, “com o novo capital entrando principalmente por meio de ETPs (ETFs e afins) e tesourarias de ativos digitais (DATs, na sigla em inglês), em vez de exchanges de varejo”.

E terceiro, escreveu, tem o cenário macroeconômico geral, que influencia a cripto. Nos últimos anos, decisões de política monetária nos Estados Unidos, divulgação de dados da maior economia do mundo e até expectativa de alta de juros no Japão têm repercutido no preço do BTC.

A Grayscale não está sozinha nessa leitura. A gestora Bernstein, a empresa cripto Bitwise, a exchange Binance, a gestora VanEck, a gestora brazuca Hashdex, analistas de Wall Street, a Cathie Wood (CEO e CIO da gestora Ark Invest), entre outros, também bateram na tecla de que o ciclo de 4 anos está quebrado.

Um bitcoin diferente

Há ainda um fator estrutural importante nessa discussão: o bitcoin de 2025 (quase 2026) é muito diferente do BTC dos ciclos anteriores. Só 21 milhões de unidades de BTC podem ser minerados, segundo as regras estabelecidas pelo misterioso Satoshi Nakamoto. Hoje, mais de 95% já foram gerados, o que reduz, na prática, o impacto marginal de cada novo halving sobre a oferta total da moeda.

Nos primeiros cortes, a redução era brutal – a emissão caía de forma relevante em relação ao estoque disponível. Agora, o efeito é bem mais diluído. O halving segue existindo, mas seu poder de choque diminui a cada ciclo, o que ajuda a explicar por que o mercado já não reage de forma tão mecânica ao evento como antes.

Isso é ruim para o bitcoin?

Não – na verdade isso é visto como catalisar de alta e de maturidade. A própria Cathie lembrou, em entrevista à Fox News nesta semana, que o bitcoin já despencou até 90% nos primeiros anos – algo que o investidor raiz conhece bem. Agora, com o bitcoin mais institucionalizado e parte do sistema, a tendência é que a volatilidade fique mais comportada.

“Acreditamos que a entrada das instituições nessa nova classe de ativos vai impedir uma queda muito maior”, disse ela.

Hoje, ETFs de bitcoin e companhias abertas que mantêm BTC em caixa já representam cerca de 14% de todos os bitcoins em circulação, segundo SoSoValue e CoinGecko. Diferente do varejo, esse dinheiro institucional costuma pensar no longo prazo, segurando posição mesmo em períodos de queda – o que tende a estabilizar o preço.

Matthew sigel, head de cripto da VanEck, disse em seu X (antigo Twitter) que, com base em todo esse cenário de morte do ciclo, a cripto está ciclo de alta prolongado, com compras institucionais mais consistentes compensando qualquer venda por pânico do varejo.

A casa disse que vê o BTC batendo em US$ 150 mil em 2026. Mas aqui vale um adendo: no final de 2024, a empresa sugeriu que a cripto alcançaria US$ 180 mil em 2025 – não aconteceu, e o BTC não vale nem metade disso nesta segunda-feira (29). Então é preciso tomar muito cuidado com projeções.

Vale lembrar que nem todo mundo curte essa institucionalização toda do bitcoin. Tanto que as criptomoedas de privacidade – que prometem manter o anonimato e preservar o espírito cypherpunk original idealizado pelo “pai” do bitcoin – performaram melhor que o próprio BTC neste ano.