Aos poucos, alguns países já começam a flexibilizar suas regras para permitir que fundos de pensão invistam em criptomoedas. Em agosto, por exemplo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou um decreto dando sinal verde para essa possibilidade. No Brasil, porém, a porta continua fechada – e o caso do banco Master atrapalhou.

O escândalo com a instituição financeira do empresário Daniel Vorcaro reacendeu discussões sobre riscos dos investimentos de entidades que administram planos de previdência. O Broadcast/Estadão revelou que 12 fundos de pensão de servidores públicos tinham quase R$ 2 bilhões aplicados em papéis da instituição, que agora é investigada por fraudes de até R$ 12 bilhões.

Aqui, valem duas explicações para não ser injusto.

Primeiro: as criptos não têm nada a ver com o banco Master e com seus certificados de depósito bancário (CDBs), que prometiam pagar 165% do CDI ao ano. O problema ali não foi a classe de investimento, mas sim falhas de governança e de diligência na escolha dos produtos. No entanto, esse tipo de caso levanta debate sobre risco.

Segundo ponto: quem investiu no Master foram os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), ligados a estados e municípios. Não foram as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), que são privadas e seguem outro conjunto regulatório. No debate público, tudo vira “fundo de pensão”, mas as regras são diferentes – de qualquer forma, hoje, ambos não podem investir em cripto.

Ainda assim, casos como esse alimentam a prudência, segundo especialistas.

“Episódios desse tipo costumam reforçar o cuidado do regulador, pois evidenciam que mesmo fundos tradicionais podem ter exposições mal avaliadas. Isso tende a manter o CMN numa postura mais prudente até que o mercado de cripto esteja mais bem supervisionado e com regras mais claras”, disse Vitor Yeung, advogado do Ciari Moreira Advogados.

Por que o CMN proibiu os fundos de pensão de investir em cripto?

Em março, o Conselho Monetário Nacional (CMN) determinou que as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) estão proibidas de aplicar em ativos virtuais, citando riscos inerentes a esse tipo de investimento.

Em relação aos RPPS, a resolução sobre as aplicações dos recursos dos regimes próprios de previdência social instituídos pela União não lista ativos virtuais entre os produtos elegíveis.

O principal risco citado pelo CMN sobre as criptos, que todo mundo conhece, é a volatilidade. O bitcoin (BTC), ultimamente, parece mais uma montanha-russa. Depois de bater nos US$ 126 mil no início de outubro, caiu para a faixa dos US$ 81 mil e, mais recentemente, retomou o patamar dos US$ 91 mil.

Para especialistas, os fundos de pensão brasileiros têm um pé atrás com cripto porque operam com um nível de prudência maior que o de seus pares internacionais – e não apenas por preferência. Eles carregam uma responsabilidade sistêmica: uma perda grande demais pode ter efeito dominó sobre crédito, mercado de capitais e até as contas públicas.

“Fundos de pensão administram uma parcela relevante da poupança de longo prazo do país e, se sofrem perdas severas, o impacto pode se espalhar para o crédito, mercado de capitais e até para as contas públicas”, disse Gustavo Rabello, sócio de mercado de capitais do Souza Okawa.

E dá-lhe parcela revelante nisso. No segundo trimestre de 2025, o patrimônio das entidades de previdência complementar brasileiras chegou a R$ 3,11 trilhões – o equivalente a 25% do PIB, segundo o último Relatório Gerencial de Previdência Complementar (RGPC), divulgado em outubro.

Fundos poderão investir no futuro

A porta não está trancada para as critpomoedas. Pouco depois da resolução de março, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) avaliou publicamente que o mercado de cripto ainda não teria maturidade suficiente para entrar no cardápio das EFPC, mas deixou aberta a possibilidade de revisão no futuro.

Matheus Corredato Rossi, sócio da Bocater Advogados, acredita que o CMN deverá rever a restrição no futuro. A motivação, segundo ele, será a diversificação, sobretudo num ambiente de menores taxas de juros básicos.

“A diversificação é sempre uma estratégia de defesa dos investimentos. A limitação de investimento em criptos diminui a possibilidade de diversificação. O benefício seria aumentar a diversificação dos investimentos”.

Vitor Yeung também vê espaço para flexibilização gradual. Um caminho provável seria liberar acesso via veículos regulados, como ETFs (fundos negociados em bolsa) supervisionados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

“Esses produtos são mais fáceis de auditar e oferecem maior controle do que a compra direta de ativos digitais”, disse.

O esforço de educação do setor cripto

O pessoal do mercado cripto vem conduzindo um trabalho discreto, porém contínuo, com reguladores e órgãos públicos. A Hashdex, por exemplo, realizou ações educativas sobre ativos digitais com Ministério da Fazenda, B3, Banco Central e associações do setor por um ano e meio antes da decisão do CMN.

“Nós lamentamos a decisão, mas entendemos que o regulador se move gradualmente. A gente continua esse trabalho educacional justamente para esclarecer todas as dúvidas que o regulador venha a ter para que em algum momento ele consiga ter o conforto de liberar (ETFs de cripto)”, falou Samir Kerbage, CIO da hashdex.

Sobre o risco de volatilidade, o especialista faz um contraponto: para investidores de longo prazo, ela pode ser até uma aliada.

“Costumo dizer que a diferença entre o remédio e o veneno é o tamanho da dose, então se você souber dosar adequadamente a alocação de cripto na carteira, que é o caso dos investidores profissionais, a volatilidade não é um problema. Na verdade ela é uma solução, que traz esse retorno assimétrico que, junto com a descorrelação, tem esse efeito de diversificação no portfólio”.

Fundos de pensão e cripto no exterior

Nos Estados Unidos, vários estados discutem ampliar o acesso de fundos de pensão a ativos digitais. Nesta semana, um legislador de Indiana apresentou um projeto que propõe que fundos de pensão de funcionários públicos tenham a possibilidade de terem exposição a criptomoedas.

Em agosto deste ano, o fundo de pensão do estado de Michigan informou ter US$ 10,7 milhões em 300 mil cotas de um ETF de bitcoin. No ano passado, o fundo de pensões do Wisconsin revelou que adicionou fundos de bitcoin ao seu balanço patrimonial. Em maio deste ano, porém, se desfez de tudo – cerca de US$ 350 milhões.

No Reino Unido, um fundo de pensões investiu US$ 65 milhões em bitcoin no ano passado, segundo o portal especializado CoinDesk. Já o maior fundo estatal do Japão – o GPIF – sinalizou que estuda o mercado de cripto como parte de uma estratégia de diversificação.