Os lucros com a venda de ações acima de R$ 20 mil no mês, ou com operações de day trade (independentemente do valor), são tributados pela Receita Federal. Isso é sabido. O que nem todos percebem é que os prejuízos também podem ser declarados e usados para reduzir o imposto devido. Essa compensação não é feita automaticamente pelo Fisco; cabe ao contribuinte informar corretamente cada resultado no programa do IR.
“É muito comum encontrarmos contribuintes que, por falta de acompanhamento ou organização, acabam recolhendo impostos maiores do que deveriam, simplesmente porque não lançaram seus prejuízos acumulados”, explica Wesley Beneventi, diretor de Contabilidade da IRTrade e especialista em apuração de IR para investidores. Ele cita um caso recente em que um cliente pagou R$ 1,9 milhão em impostos quando o correto seria cerca de R$ 700 mil. “Esse tipo de erro pode custar muito caro”, diz Beneventi.
Como funciona a compensação
A regra é mensal, e não anual. Todo mês o investidor deve apurar seus resultados em Bolsa, separando operações comuns (swing trade) de operações de day trade, porque cada categoria tem sua própria alíquota e não podem ser misturadas. Se, em determinado mês, o investidor tiver lucro tributável, deve pagar o imposto até o último dia útil do mês seguinte. Mas, se teve prejuízo em meses anteriores (na mesma categoria), pode abater esse valor do lucro atual, reduzindo a base de cálculo do imposto.
Exemplo:
- Em janeiro, o investidor teve prejuízo de R$ 3 mil em operações comuns.
- Em fevereiro, teve lucro de R$ 5 mil em operações comuns.
Com a compensação, ele abate os R$ 3 mil do prejuízo de janeiro do lucro de fevereiro, pagando imposto apenas sobre R$ 2 mil (15%), o que dá R$ 300 de IR, em vez de R$ 750.
Carregar prejuízos para anos seguintes
Se não houver lucro em fevereiro nem em março, por exemplo, esse prejuízo de janeiro não se perde: ele pode ser “carregado” para os meses e anos seguintes, sem prazo de validade, até que haja ganho para compensar — sempre respeitando a categoria da operação (day trade com day trade, operações comuns com operações comuns). Na declaração anual, esse saldo negativo aparece registrado e é transferido automaticamente para o ano seguinte.
Exemplo prático:
- O investidor teve prejuízo de R$ 10 mil em ações comuns em 2023 e não conseguiu compensar porque não teve lucros.
- Em 2024, vendeu ações acima de R$ 20 mil com lucro de R$ 15 mil.
Ele pode abater os R$ 10 mil de prejuízo acumulado do lucro atual, pagando imposto apenas sobre R$ 5 mil.
Retificadora: prazo e riscos de multas
Quem esqueceu de lançar ou lançou errado deve usar uma declaração retificadora. Ela pode ser feita a qualquer momento dentro de até cinco anos contados do prazo final de entrega da declaração original. Corrigir espontaneamente evita multas.
Já se a divergência for identificada pelo Fisco, o contribuinte pode ser autuado e pagar:
- Multa de ofício de até 75% do imposto devido, podendo dobrar para 150% em casos de fraude, dolo ou conluio;
- Juros de mora calculados pela taxa Selic, acumulados até o pagamento;
- Acréscimos legais em caso de cobrança judicial, previstos na Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/1980).
Euforia na Bolsa
Em momentos de euforia do mercado, em que muitos investidores realizam trocas constantes na carteira, registrar e controlar perdas é ainda mais importante. Esses dados serão a base para compensar lucros futuros e montar uma estratégia tributária eficiente, garantindo que nenhum centavo se perca no processo.
Outro erro comum, diz Wesley Beneventi, é misturar modalidades: “O day trade vem, de regra, das operações que você abre e fecha durante o mesmo dia. Se você não separa corretamente, vira um balaio que ninguém entende nada. É preciso distinguir operações comuns, day trade, fundos imobiliários etc. Cada uma tem sua ficha na declaração”.
O especialista lembra também que as alíquotas são diferentes — 15% para operações comuns, 20% para day trade — e que há retenções na fonte específicas (em geral 0,005% nas operações comuns e 1% no day trade) que devem ser usadas corretamente para abater o imposto devido, não somadas de forma indiscriminada.
ETFs
Na hora de declarar, Beneventi recomenda atenção aos produtos. “Se for negociado em Bolsa, como os ETFs, os resultados seguem a regra dos ativos de Bolsa e podem ser compensados, respeitando a modalidade”, diz ele.
Por fim, o especialista reforça: “A documentação correta é tudo. Buscar junto às corretoras as notas, extratos e relatórios mês a mês, guardar as informações de subscrições e ofertas públicas, porque esses dados impactam o cálculo do custo dos ativos. E, se necessário, contar com profissionais especializados para evitar erros e aproveitar plenamente as regras de compensação de prejuízos.”