Até o início dos anos 2000, a presença dos produtos da Teka nas residências era algo tão trivial quanto o Nescau no café da manhã ou a camiseta Hering no vestuário casual. Era uma daquelas empresas que os brasileiros acostumaram a usar no dia a dia, quase sinônimo de cama, mesa e banho.
Uma curiosidade: a marca vem da forma como se fala a sigla TK, de Tecelagem Kuehnrich, o nome original da companhia criada em 1926.
Só que, desde o ano passado, a empresa quase centenária é protagonista de um dos conflitos mais surpreendentes entre as companhias de capital aberto. Com um enredo digno de seriados de tribunais, a tecelagem Teka faliu, reverteu a falência e hoje vive uma disputa acirrada que vai definir seu destino. Tudo isso em pouco mais de seis meses.
A Teka, fundada em Blumenau, no interior de Santa Catarina, não resistiu à má administração da terceira geração da família fundadora, muito menos à concorrência de produtos importados bem mais baratos da Ásia. O resultado é que o grupo entrou em recuperação judicial há 13 anos e, desde então, tem lutado para sanear dívidas que já somam R$ 4 bilhões.
Quem está no comando da companhia desde o início de processo de RJ é a figura do interventor judicial – hoje representado pelo escritório Leiria & Cascaes. A família foi afastada da gestão em 2017 por determinação da Justiça, no auge da crise financeira. E, desde então, os netos do fundador da companhia, Hermann Kuehnrich, esperam uma chance de lutar para retomar o controle.
A Teka vive hoje uma situação inusitada: a gestão está a cargo de uma figura que nem possui participação na empresa, o administrador nomeado pelos tribunais. Além disso, o maior acionista individual da Teka não é mais ninguém da família fundadora, mas um fundo de investimentos chamado Alumini, que conseguiu comprar o equivalente a 25% das ações no mercado. E está brigando na Justiça pelo direito de assumir o controle e poder assim sanear a empresa.
O fundo hoje trava um embate com o administrador judicial, que defende a falência da Teka sob alegação de incapacidade de levar adiante a RJ. O Alumni, no entanto, se propôs a assumir a gestão, injetar R$ 100 milhões, reestruturar as dívidas e recuperar o negócio.
Já os herdeiros, que juntos detêm 31% do capital da Teka, assistem à disputa, sem se envolver diretamente.
Do fim do ano passado até maio, os representantes do FIP conseguiram juntar os acionistas minoritários, usaram uma brecha da Lei das SA para conseguir o direito a voto dos detentores dessas ações PNs, retiraram os direitos políticos da família fundadora e elegeram um novo conselho de administração, bem como um CEO e um CFO (diretor financeiro) para a fabricante.
Apesar da resistência do interventor, que impediu o conselho eleito de assumir e pediu a falência do grupo, o fundo também conseguiu reverter na Justiça a decisão decretada no fim de fevereiro. No mais novo capítulo da saga, a Junta Comercial de Santa Catarina referendou no fim de maio a eleição do conselho pela assembleia de acionistas ocorrida em 30 de dezembro. Com isso, a nova administração deve assumir oficialmente a gestão da empresa a partir deste mês.
A maior reviravolta da acidentada história da tecelagem catarinense ocorreu em 30 de dezembro de 2024. Naquela antevéspera de ano novo, os três grupos opositores estiveram presentes na Rua Paulo Kuehnrich, nº 68, em Blumenau, para participar da assembleia de acionistas (AGO). Em jogo estava destino da própria Teka.
De um lado, estavam os representantes dos herdeiros. De outro, o administrador judicial, o escritório Leiria & Cascaes – interessado em manter-se o cargo. E a terceira força era o fundo de investimento em participações (FIP) Alumni, representado pelos escritórios Chiarottino e Nicoletti Advogados e Modesto, Carvalhosa, Kuyven e Ronco Advogados.
O Alumni montou desde 2023 uma participação de 25% de ações preferenciais (PNs) negociadas na B3. Para a assembleia, o fundo conseguiu formar um bloco de apoio majoritário. Mas havia um problema: as PNs, usualmente, não podem votar na AGO, direito conferido às ONs, das quais os Kuehnrich formavam o maior bloco.
O Alumni, porém, usou uma brecha da Lei das SA para assegurar que ele e os minoritários pudessem participar das decisões. A legislação estabelece que o estatuto da companhia pode definir o direito de voto para as PNs. E, no caso da Teka, uma cláusula prevê o direito de voto aos preferencialistas no caso de não pagamento de proventos durante um período mínimo.
Com 58% dos votos, os representantes do Alumni usaram a AGO para realizar uma reviravolta completa no grupo. A assembleia aprovou a chapa de novos conselheiros apontada pelo fundo, emplacou novos CEO e CFO, além de se comprometer a injetar R$ 100 milhões no grupo. Para selar a vitória total, conseguiram cassar os direitos políticos dos antigos acionistas controladores, os Kuehnrich.
Mas em como todo drama de tribunal, um novo capítulo iria se desenrolar a partir da assembleia. O administrador da RJ, o advogado Pedro Cascaes Neto, sócio do Leiria & Cascaes, decidiu pedir a falência da Teka, que foi aceita pela Justiça no fim de fevereiro.
Mas, em outra reviravolta, o Alumni conseguiu reverter a decisão. Em março, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina suspendeu o processo de falência até que fosse concluída uma auditoria financeira independente para ver quem tem razão sobre a viabilidade ou não de manter as operações da Teka.
Dívida não tão bilionária
O sócio do Chiarottino e Nicoletti, Leandro Chiarottino, afirma que, por tudo que foi levado aos autos, a empresa é viável. Segundo o especialista, a dívida bilionária, na verdade, é muito menor. A maior parte desse débito, cerca de 80%, refere-se a obrigações tributárias.
De acordo com o advogado, com as negociações e adesão a parcelamentos oferecidos pelos governos estaduais, essa parcela tributária cairia para perto de R$ 329 milhões, com 84% de desconto. O especialista explica que, além da redução, a Teka tem um crédito fiscal relevante, que poderia ser utilizado para pagar a dívida federal.
De qualquer modo, o destino da Teka ainda depende da auditoria determinada pelo desembargador. Ainda não há previsão para uma nova decisão da Justiça. Aos acionistas, só resta aguardar as cenas dos próximos capítulos.
Origem familiar e crescimento industrial
A história da Teka começou com Hermann Kuehnrich, imigrante alemão que se instalou em Blumenau no início do século 20. Sob comando da família, a empresa se tornou um das maiores fabricantes de produtos de cama, mesa e banho do país entre os anos 1970 a 1990.
Com o passar das décadas e as transformações do mercado, a empresa passou a enfrentar dificuldades. Até que, em 2012, a Teka entrou com pedido de recuperação judicial. À época, a dívida girava em torno de R$ 780 milhões. Hoje o valor oficial supera os R$ 4 bilhões, incluindo dívidas trabalhistas, bancárias e tributárias.
A própria população da cidade chegou a organizar passeatas pedindo uma solução para salvar a companhia. Lideradas por funcionários e ex-empregados, as manifestações também contaram com a participação de consumidores indignados com o possível fim de uma marca que acompanhou suas famílias ao longo de gerações.
O grupo hoje conta com duas plantas fabris, em Blumenau e em Arthur Nogueira, no interior de São Paulo. As fábricas empregam 2 mil funcionário. A companhia atualmente concentra 70% de seu faturamento em vendas aos segmentos hoteleiro e hospitalar, com atendimento a 5 mil hotéis no país, com clientes como Accor, Slaviero e THG.
Segundo os últimos dados disponíveis, a Teka teve uma receita líquida de R$ 323,66 milhões em 12 meses até setembro de 2024. No período, a companhia registrou um prejuízo líquido de R$ 170 milhões.