O Bradesco (BBDC4) está passando por chacoalhão interno. Em duas semanas, o bancão anunciou uma surpreendente troca de CEO e seis pedidos de demissão – justificados por motivos pessoais – no alto escalão. A trabalheira no RH da empresa neste fim de ano alimenta expectativas de que o segundo maior banco privado do Brasil tenha um 2024 mais eficiente e lucrativo, deixando para trás algumas decepções de 2023.
A saída antecipada de Octavio de Lazari Jr. e a escolha de Marcelo Noronha para a cadeira de CEO espalharam a percepção de que o banco enfim acordou para a realidade: o retorno sobre patrimônio (ROE) está muito baixo, a estrutura de custos está muito pesada, a concessão de crédito está arriscada demais e a concorrência já não é mais a mesma. Além dos players tradicionais, como Itaú e Santander, o Bradesco precisa ficar de olho também no crescimento de bancos digitais.
Analistas do BTG Pactual gostaram do que viram como um “crescente senso de urgência” do Bradesco. Lazari Jr. poderia permanecer CEO por mais cinco anos antes de encerrar o mandato, conforme as regras internas do banco.
Caminhão de mudanças
A escolha de Noronha também não foi óbvia. Até aqui, o banco nunca havia colocado no comando máximo alguém que não fosse 100% “prata da casa”. Embora tenha 20 anos na instituição financeira, o novo CEO trabalhou no BBVA até o banco espanhol ser comprado pelo Bradesco, em 2003. Como tem 58 anos, Marcelo Noronha, teoricamente, pode ficar no comando até 2030.
Noronha terá a responsabilidade de reverter um cenário difícil. Nos primeiros nove meses de 2023, o lucro do Bradesco encolheu 29,7% na comparação com o ano passado, para R$ 13,4 bilhões. O ROE ficou em 11,3% no terceiro trimestre deste ano, muito abaixo da faixa dos 21% atingida por Itaú e Banco do Brasil no mesmo período.
Além disso, o novo chefe terá de gerir um titã. A carteira de crédito do Bradesco já passa dos R$ 877 bilhões e o banco tem sob gestão R$ 774 bilhões. São mais de 80 mil funcionários e 2.754 agências.
Com a notícia do novo CEO, veio também a promessa de um novo plano estratégico a ser apresentado no começo do ano que vem. A reportagem do InvestNews perguntou a analistas e gestores o que se espera deste documento e o que as recentes mudanças estão sinalizando para o mercado. Destas respostas surgiu a lista com ‘lições de casa” que eles esperam ver cumpridas pelo banco em 2024.
1 – Diminuir o risco de crédito
O crédito foi a grande pedra no sapato do Bradesco nos últimos trimestres. A inadimplência passou de 3,3% no fim de 2019, ainda no pré-pandemia, para 6,1% no fim de setembro deste ano. A necessidade de provisionar dívidas arriscadas virou um problema maior para o Bradesco do que para os seus tradicionais concorrentes.
Em fevereiro, Lazari Jr. já havia reconhecido que o banco emprestou mais do que deveria, dada a exposição à baixa renda e pequenas empresas, segmentos muito afetados pelos juros altos. Embora a queda contínua da Selic tenda a minimizar os riscos de inadimplência daqui em diante e a sensação de “o pior já passou” esteja se impondo, “o Bradesco não deverá se beneficiar acima da média do mercado”, disse Ângelo Belitardo, gestor da Hike Capital.
“O atual controle dos riscos e um melhor mix na carteira de clientes deve pressionar negativamente seus spreads (diferença entre o que o banco ganha e cobra em juros) no curto prazo, reduzindo seu potencial de geração de margem de juros com o segmento de crédito. Os efeitos contábeis devem aparecer gradualmente, mas ainda inferiores à média de seus principais pares”, pontuou.
2 – Reduzir os custos
“O Bradesco tem uma estrutura de custos inchada, com muitas diretorias e remunerações pagas a diretores e administradores acima do mercado”, explicou Milton Rabelo, da VG Research. Belitardo, da Hike, lembrou que “as fintechs têm se mostrado mais hábeis na captação de risco e mais eficientes na estrutura de custos”.
Na Levante Investimentos, o analista Matheus Nascimento lembrou que a estrutura de custos do Bradesco está pressionando os resultados dos últimos trimestres.
Nos últimos anos, o Bradesco tem focado na redução de custos por meio do fechamento de agências e da redução do número de funcionários. Ainda assim, segue como o banco privado que mais tem agências no país. Ainda no cargo de CEO, Lazari Jr. disse em novembro que faria ajustes nos custos com “maior severidade em 2024”.
“Estamos fazendo uma revisão do nosso modelo de atendimento, que levará a uma forte redução do custo de servir”, afirmou o executivo em teleconferência com analistas e investidores para comentar os resultados do banco no terceiro trimestre.
3 – Investir em tecnologia
Outro gargalo que o banco precisa atacar, na opinião dos especialistas, é o investimento em tecnologia. Para o CEO da Box Asset Management, Fabrício Gonçalves, o setor bancário segue se digitalizando e “qualquer deficiência significativa em termos de inovação tecnológica pode ser vista como um ponto fraco”.
Rabelo, da VG Research, vê no Bradesco “um certo atraso nos investimentos em tecnologia, sobretudo em comparação com o Itaú” e lembrou ainda que os bancos digitais hoje são concorrentes fortes e diretos no segmento de pessoas físicas, especialmente entre os clientes de menor poder aquisitivo.
Para o analista Matheus Nascimento, da Levante Investimentos, os bancos digitais são hoje “os maiores concorrentes” do Bradesco por terem clientes cujas carteiras são muito similares.
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