A BRK Ambiental conquistou na última semana uma das principais concessões de saneamento de 2025: um bloco de 151 cidades em Pernambuco, em um projeto que vai demandar R$ 15,4 bilhões em investimentos ao longo de 35 anos.

A vitória encerra um jejum de cinco anos sem a companhia levar novos ativos relevantes e ocorre justamente no momento em que a BRK testa a reabertura do mercado de ofertas públicas iniciais (IPOs) no país, que vive um hiato de mais de quatro anos sem grandes estreias.

Apesar do timing favorável para boas notícias, a BRK não é vista pelo mercado como a escolha mais óbvia para reabrir a janela de ofertas de ações no Brasil. No setor de saneamento, a intenção da concorrente Aegea em também abrir capital, bem como a privatização da Copasa, devem tornar o jogo mais difícil para a BRK.

Criada a partir dos ativos de saneamento da Odebrecht e hoje controlada pela gestora canadense Brookfield, a empresa que hoje tenta o IPO atravessou uma longa reestruturação, que melhorou sua governança, reputação e perfil financeiro, mas que ainda não eliminou todos os desafios operacionais.

“A BRK herdou um ativo que exigiu muito investimento para ser reorganizado. Houve um esforço grande de limpeza reputacional e de compliance para tornar a empresa novamente aceitável aos olhos do mercado”, resume uma fonte do setor ouvida pelo InvestNews. “É uma empresa muito mais organizada do que no passado, mas ainda em processo de convencimento do mercado.”

Divisor de águas

O leilão de saneamento de Pernambuco era acompanhado pelo mercado como um evento binário para a BRK. A última grande concessão conquistada pela empresa havia sido a da Região Metropolitana de Maceió, em Alagoas, em 2020.

Agora, o bloco vencido pelo consórcio liderado pela BRK em conjunto com a espanhola Acciona inclui Recife, além de Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Fernando de Noronha e dezenas de municípios do interior do Estado. Ao todo, são 151 cidades, com uma população estimada em cerca de 7 milhões de habitantes.

Mais do que escala, o projeto oferece sinergia. A BRK já opera desde 2013 uma Parceria Público-Privada (PPP) de esgotamento sanitário na Região Metropolitana do Recife, o que reduz riscos de execução. 

“O resultado do leilão muda o patamar da empresa porque adiciona uma base de clientes relevante e gera sinergias com a operação já existente”, prossegue a fonte. Com a vitória no certame, a BRK ganha uma nova história para apresentar aos potenciais investidores interessados no IPO.

De Odebrecht à Brookfield

Entender a BRK que hoje tenta um IPO exige voltar quase duas décadas no tempo. A empresa tem origem na Foz do Brasil, criada em 2008 como plataforma de saneamento do grupo Odebrecht. Em 2014, a operação foi rebatizada como Odebrecht Ambiental, consolidando ativos de água e esgoto em diferentes Estados.

A Operação Lava Jato alterou radicalmente esse cenário. Embora os ativos de saneamento não estivessem no centro das investigações contra a Odebrecht, o passivo reputacional do grupo tornou-se um problema em si, somado à necessidade de venda de ativos para reforçar o caixa.

Em 2017, a Brookfield Asset Management assumiu o controle da operação, adquirindo 70% do capital por cerca de US$ 900 milhões, enquanto o FI-FGTS — fundo que investe recursos do FGTS e que já estava na companhia desde 2009 — manteve os 30% restantes. A Odebrecht saiu completamente da estrutura societária, e a empresa passou a se chamar BRK Ambiental.

Desde então, a companhia passou por uma reestruturação em etapas. A primeira foi reputacional e regulatória, com reforço de compliance, mudanças na governança e reconstrução da relação com reguladores, poder concedente e mercado financeiro.

Esse período foi conduzido pela executiva Teresa Vernaglia, que comandou a BRK entre maio de 2017 e março de 2023, após passagem pela AES Brasil. “Foi uma gestão que deixou como legado uma empresa institucionalmente organizada, ainda que com desafios operacionais relevantes”, avalia uma pessoa próxima da companhia.

Finanças no radar

Após a saída de Teresa, quem assumiu o comando foi Alexandre Thiollier Neto, executivo da própria Brookfield, que chegou com a missão de colocar as contas da BRK em ordem. Desde então, o discurso da companhia tem sido o de aprimorar a gestão do passivo e reduzir o endividamento.

A BRK encerrou setembro com dívida líquida ajustada de R$ 12,1 bilhões, o equivalente a 6,2 vezes o resultado operacional Ebitda, nível considerado elevado para empresas de capital intensivo, como é o caso do saneamento.

De acordo com a diretoria, a companhia tem buscado melhorar esse perfil com alongamento de prazos e refinanciamentos. “Nosso foco tem sido construir uma estrutura de dívida compatível com a natureza de longo prazo dos nossos contratos, trazendo mais previsibilidade para o caixa da companhia”, afirmou o CFO Felipe Cunha, em teleconferência com analistas.

Alexandre Thiollier Neto, CEO da BRK Ambiental
Alexandre Thiollier Neto, CEO da BRK Ambiental (Divulgação)

Para o mercado, no entanto, o desafio permanece. “A empresa avançou muito em governança e finanças, mas ainda precisa endereçar ganhos de eficiência operacional e engenharia”, diz a fonte.

No terceiro trimestre de 2025, a BRK registrou receita líquida ajustada de R$ 926 milhões, enquanto o Ebitda ajustado somou R$ 516 milhões, com margem de 55,7%, a mais alta da história da companhia. Apesar disso, a empresa fechou o período com prejuízo líquido, pressionada principalmente pelo elevado custo da dívida.

Objetivo do IPO

Foi nesse contexto que a BRK decidiu dar o primeiro passo formal rumo ao mercado de capitais. No início de dezembro, a companhia anunciou o pedido de registro para uma oferta pública inicial de ações, com intenção de listagem no Novo Mercado, segmento de mais alto nível de governança da B3.

A operação ainda não foi lançada e depende das condições de mercado, mas marca a primeira tentativa concreta da empresa de acessar a bolsa desde a entrada da Brookfield no controle.

Se tudo sair como planejado, a expectativa é levantar cerca de R$ 2,5 bilhões com o IPO. Os recursos teriam como objetivos centrais reduzir a alavancagem, reforçar a estrutura de capital e criar uma alternativa para que Brookfield e FI-FGTS possam vender parte de suas participações ao longo do tempo.

Sem unanimidade

A decisão da BRK de avançar com o pedido de registro do IPO não vem acompanhada de consenso no mercado. A companhia tenta fazer algo raro no Brasil recente: abrir capital sem ser unanimidade entre investidores.

Além das dúvidas em torno da execução operacional, a estrutura acionária também pesa na avaliação. “O investidor que entrar [no IPO] será sócio de um fundo público [FI-FGTS], e isso inevitavelmente entra na conta do valuation”, afirma uma das fontes. “Não inviabiliza o IPO, mas influencia o preço.”

A dificuldade da BRK em se firmar como candidata natural a reabrir a janela de IPOs ficou ainda maior após surgir no mercado a informação de que a concorrente Aegea também contratou bancos para avaliar uma abertura de capital no início de 2026.

Controlada por Equipav, Itaúsa e pelo Fundo Soberano de Singapura (GIC), a companhia é vista como uma das histórias mais consistentes do setor privado de saneamento e tende a disputar o mesmo tipo de investidor.

“O setor tem um primeiro grupo de grandes operadores, como Sabesp e Aegea. A BRK está em um segundo patamar, junto com Iguá e Águas do Brasil”, diz uma das fontes. A comparação, avalia o interlocutor, é inevitável. “Não é uma decisão sobre saneamento. É uma decisão sobre qual ativo escolher dentro do setor.”

Investidores também acompanham com atenção o debate sobre a viabilidade das metas de universalização até 2033, um desafio que atravessa todo o setor de saneamento e pode exigir reequilíbrios contratuais no futuro.

Além da BRK e da Aegea, a privatização da mineira Copasa deve se tornar outro fator de competição relevante na disputa pelos recursos dos gestores.

Procurada pelo InvestNews, a BRK Ambiental disse que está em período de silêncio e que não poderá comentar.