Não demorou muito para mais uma empresa de origem europeia se desentender com o agronegócio brasileiro. Depois da Danone, foi a vez do Carrefour entrar em uma saia justa por aqui.
O personagem da vez foi Alexandre Bompard, CEO global do grupo e presidente do conselho de administração do Carrefour no Brasil. Na mensagem enviada a seus compatriotas franceses na quarta-feira (20), o executivo afirmou que a empresa não venderá na França nenhuma carne produzida no Mercosul.
“Ouvimos o desespero e a raiva dos agricultores diante do projeto de acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul e do risco de inundação do mercado francês com uma produção de carne que não respeita suas exigências e normas”, disse Bompard, na carta endereçada a Arnaud Rousseau, presidente da FNSEA, o equivalente na França da nossa CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
Como o esperado, a fala pegou muito mal no Brasil. Na sequência dos fatos, o Carrefour veio a público afirmar que a medida se aplica apenas às unidades próprias na França, e que o Carrefour do Brasil seguirá vendendo a carne produzida… pelo Brasil. “Em nenhum momento ela [a fala de Bompard] se refere à qualidade do produto do Mercosul, mas somente a uma demanda do setor agrícola francês, atualmente em um contexto de crise.”
O Ministério da Agricultura do Brasil veio a campo rechaçar as críticas do chairman do Carrefour brasileiro. “O Ministério lamenta tal postura que, por questões protecionistas, influencia negativamente o entendimento de consumidores sem quaisquer critérios técnicos que justifiquem tais declarações.”
Contexto: Há 25 anos, a União Europeia e o Mercosul (bloco econômico formado hoje por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) negociam um acordo de livre comércio – entenda-se por exportações e importações livre da cobrança de tarifas para uma cesta de produtos, alguns com um cota e outros com entrada 100% livre.
Em 2019, a coisa parecia que ia andar. No trade acertado há cinco anos, acabaram sendo beneficiados os produtos industrializados dos europeus, como automóveis, máquinas e vestuário. Como contrapartida, os produtos do agronegócio dos sul-americanos ganharam mais facilidade para acessar o Velho Continente. Só que o documento está parado na mesa dos dois blocos, com pouco avanço desde então.
O maior entrave está justamente nos produtos do agronegócio do Mercosul. A União Europeia tentou se blindar impondo cotas bem estreitas de carne e açúcar que poderiam entrar na região livre de tarifas e liberando tudo para alimentos que os agricultores de lá não têm tanta tradição, como as frutas.
Mesmo assim, não foi o suficiente para conter os ânimos dos produtores rurais europeus, em especial dos franceses e alemães, dois dos líderes no recebimento de subsídios da UE por meio da Política Agrícola Comum (PAC), que distribuirá € 387 bilhões de 2021 até 2027.
Vale destacar que o governo francês tem sido mais vocal contra o acordo comercial do que o alemão que, enfrentando uma crise em sua indústria automobilística, passa a ver o pacto como uma boa oportunidade de mercado para o setor.
No jogo de narrativas, os agricultores europeus afirmam que iriam perder competitividade frente a produtos que chegariam mais baratos por não respeitar as mesmas legislações que eles. Do lado sul-americano, o argumento é visto como falta de eficiência, protecionismo e intervenção de soberania (uma vez que querem impor uma legislação europeia à lógica do Mercosul, conforme já explicamos nesse texto aqui).
Fato é que os protestos dos agricultores franceses engrossaram nos últimos dias à medida que o Mercosul passou a vocalizar que o acordo comercial está em vias de voltar a andar. Mesmo que o Mercosul aprove de seu lado o texto, vale lembrar que o pacto efetivamente precisa ser avalizado por todos os países individualmente (estamos falando de mais de 30 nações).
Então, tudo indica que teremos muitos capítulos de crise pela frente.
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