Mesmo com a Azul enfrentando pressões cambiais e os efeitos persistentes da pandemia, os principais executivos insistiram que fariam tudo o que pudessem para evitar o pedido de recuperação judicial. “Quem se beneficia de um processo de recuperação judicial não são os sócios — são os advogados, os consultores“, disse o CEO da empresa, John Peter Rodgerson, a uma publicação local em agosto.
Na semana passada, porém, após diversas renegociações de dívidas e injeções de capital, a empresa reconheceu a extensão de seus problemas e tomou a medida que tanto tentou resistir, entrando com um pedido de recuperação judicial em um tribunal de Nova York – recorrendo ao Chapter 11.
Reviravolta na Azul
Esta foi a mais recente reviravolta na história da Azul, que se tornou uma grande empresa regional após ser fundada em 2008 com apenas alguns jatos da Embraer e a ambição de se tornar uma versão local de baixo custo da JetBlue.
Mas isso se tornou uma realidade na América Latina, onde as companhias aéreas foram sobrecarregadas pela pandemia, juntamente com a inflação e as altas taxas de juros.
As companhias aéreas brasileiras enfrentaram dificuldades, principalmente porque o governo não interveio para oferecer auxílio durante a pandemia.
Além disso, houve o descompasso entre suas receitas em moedas locais e seus custos em dólares, incluindo combustível, arrendamento de aeronaves e obrigações de dívida com credores estrangeiros, que as pressionaram.
Gol
Outra grande companhia aérea brasileira, a Gol Linhas Aéreas, realizou dez exercícios de gestão de passivos ou captações de capital antes de, finalmente, buscar proteção contra seus credores em um tribunal americano em janeiro de 2024.
Isso ocorreu alguns anos depois que as principais companhias aéreas regionais, como Latam, Avianca e Grupo Aeromexico, entraram com pedido de recuperação judicial nos EUA em 2020.
Sombra no setor
A onda de reestruturações judiciais lançou uma sombra sobre o setor, apesar de um comunicado da Azul na semana passada, no qual Rodgerson prometeu que “a Azul continua a voar – hoje, amanhã e no futuro”.
“Os desafios persistentes no setor de aviação brasileiro podem diminuir o entusiasmo dos investidores, gerar mais preocupações e torná-los ainda mais cautelosos em relação a esse setor”, disse Alex Dray, diretor de pesquisa de mercados emergentes da Gimme Credit.
O pedido da Azul é particularmente notável porque ocorreu após as tentativas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ajudar as companhias aéreas do país. Lula, que fez campanha por viagens aéreas acessíveis, pressionou por um plano de resgate para companhias aéreas em dificuldades em 2024. Mas quase um ano e meio depois, os R$ 4 bilhões em ajuda prometida ainda não chegaram às empresas.
Autoridades do governo disseram que ainda esperam que o dinheiro chegue nos próximos três meses, mas a Azul agora não é elegível para o apoio, devido a uma política que proíbe empréstimos a empresas falidas.
Na sexta-feira (30), o vice-presidente institucional da Azul, Fábio Campos, afirmou que sua empresa aguardava os recursos, “mas o dinheiro nunca chegou”.
“A impossibilidade de acessar esses recursos foi parte da equação em nosso processo de tomada de decisão”, disse Campos em entrevista coletiva.
Aversão à RJ
Mesmo com a espera por financiamento federal, a Azul, assim como muitas empresas brasileiras, hesitou em pedir recuperação judicial nos EUA, apesar do uso generalizado dessa tática por companhias aéreas em todo o mundo antes e depois da pandemia.
“No Brasil, ainda existe um enorme estigma em torno do processo de insolvência e, no resto do mundo, ele é visto como um caminho para a reestruturação e a recuperação”, disse Edgard Lemos Barbosa, advogado do Barroso Advogados Associados.
Os esforços da Azul para combater a recuperação judicial pareceram ganhar força em 2023, quando a empresa implementou um plano que incluía uma troca de dívida por ações.
As ações, no entanto, continuaram a cair, e as tentativas da empresa de realizar outra troca de dívida e uma oferta pública de ações acabaram fracassando em restaurar a confiança dos investidores.
Alguns credores estavam pressionando a administração da Azul a entrar com pedido de recuperação judicial já em novembro passado, de acordo com pessoas familiarizadas com as discussões.
A pressão surgiu depois que a empresa foi atingida pelo aumento das taxas de juros e pelo fechamento de um importante aeroporto no sul do país em maio devido a chuvas torrenciais e inundações históricas.
Em abril, quando a última oferta de ações da empresa não conseguiu levantar recursos suficientes — e a ajuda governamental ainda não havia sido concedida — os credores elaboraram um acordo pré-definido em questão de semanas e o apresentaram à empresa.
Capítulo 11
A Azul agora planeja cortar mais de US$ 2 bilhões em dívidas e pagar alguns de seus credores com uma oferta de ações de US$ 650 milhões.
A United Airlines e a American Airlines planejam investir até US$ 300 milhões em ações.
Campos disse que a Azul espera conseguir sair da recuperação judicial já no início de 2026. A empresa acredita que o pedido em parceria com os credores permitirá que ela evite taxas e avance mais rápido do que por meio de uma reestruturação extrajudicial, de acordo com uma pessoa familiarizada com o pensamento da empresa.
Mas o pedido levanta dúvidas sobre uma proposta de fusão com a Gol, anunciada no início deste ano, que criaria a maior companhia aérea do Brasil. A Azul agora está totalmente focada em seu processo de reestruturação, disse Campos.
Analistas afirmam que a demora da Azul em entrar com pedido de recuperação judicial — e iniciar as negociações com as empresas que alugam seus aviões — agora tornará mais difícil competir com concorrentes regionais que já passaram pelo processo.
“As companhias aéreas que se reestruturaram anteriormente — Avianca, Aeroméxico e Latam — garantiram condições de arrendamento mais favoráveis durante um período de menor demanda por aeronaves, o que lhes deu mais flexibilidade após a reestruturação”, escreveu Luiz Felipe Scalercio, chefe de pesquisa de crédito no Brasil da BCP Securities, em nota a clientes.
Além disso, há todas as taxas que, segundo Rodgerson, pesam muito sobre as empresas que entram com pedido de recuperação judicial. A empresa estimou nos documentos que gastará até US$ 200 milhões em “honorários profissionais” vinculados à recuperação judicial.