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‘Desculpa se você se sentiu ofendido’: Carrefour se retrata com o Brasil

Alexandre Bompard adotou a retórica do “sou responsável pelo que eu falo e não pelo que você entende”

Alexandre Bompard, CEO global do Carrefour (Nathan Laine/Bloomberg)
Alexandre Bompard, CEO global do Carrefour (Nathan Laine/Bloomberg)

Ao melhor estilo “não foi bem isso que eu quis dizer” o presidente global do Carrefour, Alexandre Bompard, publicou nesta terça-feira (26) uma carta ao governo brasileiro para “esclarecer” as críticas feitas na semana passada à carne produzida no Mercosul, em um contexto de acirramento diante do avanço do acordo comercial do bloco sul-americano com a União Europeia (conforme contamos aqui).

Depois de os principais frigoríficos brasileiros imporem um boicote ao Carrefour e suspendendo as entregas de carne desde quinta-feira (21), o que poderia prejudicar os resultados financeiros da rede no Brasil, o CEO global precisou se manifestar mais uma vez — e novamente por carta.

No texto de sete parágrafos, o pedido de desculpas vem de fato apenas no sexto. Diz Bompard: “Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas”. 

Com a retórica de “sou responsável pelo que eu falo e não pelo que você entende”, o executivo parece se esquecer desse trecho aqui, na carta enviada a agricultores franceses na semana passada, no qual cita o “risco de inundação do mercado francês com carne que não atende às suas exigências e normas”.

Inundação nunca houve, já que as vendas de carne brasileira à França, por exemplo, não chegaram a 1% do que nosso país exportou neste ano, conforme estudo da consultoria Safras & Mercado. E muito menos existe argumento técnico ou comercial para a dicotomia entre a carne francesa e a sul-americana que Bompard tentou colocar.

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Na mensagem desta terça-feira, destinada ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, o CEO global do Carrefour novamente reforçou o argumento de que a carne brasileira serve para suas lojas do Brasil, mas que, para a França, a história é outra. “Na França, o Carrefour é o primeiro parceiro da agricultura francesa: compramos quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades na França, e assim seguiremos fazendo”.

O Ministério da Agricultura não disse nem que aceitou e nem que recusou as desculpas, apenas disse que não irá permitir “declarações equivocadas” sobre os alimentos produzidos no Brasil.

Por fim, Alexandre Bompard, lembra as raízes de cinco décadas do Carrefour no Brasil, segundo maior país em faturamento da rede perdendo apenas para a França, de seus 130 mil funcionários brasileiros – que nada têm a ver com a celeuma causada pelo seu principal executivo — e os eventuais investimentos feitos no Brasil, a despeito de a empresa estar em um processo de redução de gastos desde 2022, resultando no fechando lojas e venda de ativos.

Após a divulgação da carta, a filial brasileira do Carrefour publicou um fato relevante afirmando que está trabalhando “na resolução da situação junto aos fornecedores e espera a normalização do abastecimento no curto prazo para mitigar o impacto aos consumidores”.

Segundo a rede, dona também das bandeiras Atacadão e Sam’s Club, desde quinta-feira (21) passada as entregas de carne bovina nas lojas do grupo “não ocorreram conforme programadas”. Mas, prossegue a varejista, “não houve, até o momento, impacto relevante nas operações de venda de mercadorias, dado o nível de estoque dos produtos”.

A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), que representa os principais frigoríficos de carne bovina do país, afirmou que recebeu o pedido de desculpas — ou “esclarecimento”, nas palavras do próprio Bompard — com satisfação e que espera que “as operações sejam restabelecidas”.

Caso ainda não tenha lido, segue a íntegra da carta do Carrefour:

Ao Excelentíssimo Ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil, Senhor Carlos Fávaro,

A declaração de apoio do Carrefour França aos produtores agrícolas franceses causou discordâncias no Brasil. Como Diretor-Presidente do Grupo Carrefour e amigo de longa data do país, venho, respeitosamente, esclarecê-la. 

O Carrefour é um grupo descentralizado e enraizado em cada país onde está presente, francês na França e brasileiro no Brasil. 

Na França, o Carrefour é o primeiro parceiro da agricultura francesa: compramos quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades na França, e assim seguiremos fazendo. A decisão do Carrefour França não teve como objetivo mudar as regras de um mercado amplamente estruturado em suas cadeias de abastecimento locais, que segue as preferências regionais de nossos clientes. Com essa decisão, quisemos assegurar aos agricultores franceses, que atravessam uma grave crise, a perenidade do nosso apoio e das nossas compras locais. 

Do outro lado do Atlântico, no Brasil, compramos dos produtores brasileiros quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades, e seguiremos fazendo assim. São os mesmos valores de criar raízes e parceria que inspiram há 50 anos nossa relação com o setor agropecuário brasileiro, cujo profissionalismo, cuidado à terra e produtores conhecemos. 

O Grupo Carrefour Brasil é profundamente brasileiro, com mais de 130.000 colaboradores, se desenvolveu e continua se desenvolvendo sob minha presidência em parceria com produtores e fornecedores do Brasil, valorizando o trabalho do setor produtivo e sempre em benefício de nossos clientes. Nos últimos anos, o Grupo Carrefour Brasil acelerou seu desenvolvimento, dobrando tanto o volume de seus investimentos no país quanto suas compras da agricultura brasileira. Mais amplamente, o Brasil é o país em que o Carrefour mais investiu sob minha presidência, o que confirma nossa ambição e nosso comprometimento com o país. Assim seguiremos prestigiando a produção e os atores locais e fomentando a economia do Brasil.

Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito às normas e sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas. 

O Carrefour está empenhado em trabalhar, na França e no Brasil, em prol de uma agricultura próspera, seguindo nosso propósito pela transição alimentar para todos. Asseguro, Senhor Ministro, nosso compromisso de longo prazo ao lado da agricultura e dos produtores brasileiros. Aproveito a oportunidade para renovar os protestos de estima e consideração.

Atenciosamente,
Alexandre Bompard
Diretor-Presidente do Grupo Carrefour

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