Para colher seus sucessos, de qualquer forma, plantaram muitas sementes. Foram 140 companhias investidas. Um movimento impulsionado pela era dos juros globais em baixa – que perduraram pela maior parte do tempo entre 2011 e o início desta década, dando uma força para os investimentos de risco. Entre eles, claro, o venture capital.
“Quando o capital é quase infinito, você quer fazer o plano A, que faz sentido para o negócio, mas também os planos B, C e D”, diz Hernán Kazah. Em outras palavras, o excesso de liquidez fez com que algumas das empresas investidas perdessem o foco e desperdiçassem os aportes que receberam.
“A América Latina registrou US$ 8 bilhões em investimentos no começo da década, provavelmente mais do que o ecossistema precisava. Algumas companhias com modelos ainda fracos captaram muito nesse período e depois não conseguiram escalar”.
Quando o cenário mudou para um ambiente de juros mais altos (e dinheiro mais caro), em 2023, a Kaszek passou a adotar uma estratégia mais cautelosa. Em vez de se concentrar só em iniciantes, criou um fundo para investir em empresas maduras.
Dos US$ 1 bilhão que ela tem em caixa para investir hoje, pouco mais de um terço (US$ 380 milhões) estão nesse fundo late stage. “Ele existe para aportes em companhias mais desenvolvidas, que a gente gostava e acompanhava, mas que não tivemos oportunidades para investir anteriormente”, afirma ele.
Entre essas empresas mais adultas está a Zig, uma fintech que desenvolveu um sistema que facilita o pagamento de comandas em bares e baladas.
Os investimentos em startups, continuam, claro. E ganha um aporte série B quem adivinhar o foco aí: “Na parte de early stage, estamos investindo em soluções para que as empresas aproveitem melhor o uso da IA”.
Entre as investidas aí estão duas startups de IA aplicada ao ramo da saúde: a Arvo e a Tivita, além da Grão Direto, um app que junta compradores e vendedores de soja, milho e cia.
Kaszek prepara terreno para saídas
Enquanto busca mais oportunidades de alocação de capital, a Kaszek também prepara o terreno para a venda de participações em algumas companhias investidas. Entre as citadas pelo executivo estão as brasileiras Quinto Andar e Wellhub (ex-Gympass). Kazah acredita que as companhias estejam prontas para um IPO em 2026 ou 2027 dada a tendência de queda dos juros.
“São companhias que têm modelos de negócios muito virtuosos, uma boa equipe no gerenciamento e que deveriam ter um lugar na prateleira de companhias públicas da América Latina”, afirma o sócio fundador da Kaszek Ventures.
Embora Kazah more no Uruguai, o principal escritório da Kaszek Ventures é em São Paulo. A companhia tem mais de 40 funcionários e é tocada em parceria com seu sócio Nicolas Szekasy, também egresso do Mercado Livre – o nome Kaszek nasce de uma junção de Kazah e Szekasy. Há ainda unidades na Argentina, no México e no Uruguai.
Inverno rigoroso
As taxas de juros elevadas mundo afora minguaram a alocação de recursos em venture capital, naturalmente. Segundo a plataforma de inteligência de dados Sling Hub, o número de rodadas em equity recuou 19% no Brasil nos nove primeiros meses deste ano na comparação com o mesmo período de 2024 – foram 334 séries de investimento computadas nesse intervalo.
Já o volume de alocação de janeiro a setembro deste ano foi de US$ 1,2 bilhão, queda de 29% nesse recorte.
Na América Latina como um todo, os aportes entre janeiro e setembro totalizaram US$ 2,7 bilhões: 10% de queda ante igual período de 2024. Foram 511 rodadas no período, número 21% menor na mesma base de comparação.
Nesse canário, Kazah busca detectar empresas que lidem bem com as inovações mais recentes. Além de olhar para IA, busca aquelas com foco em blockchain – a tecnologia de rede por trás das criptos, que vem se espalhando pelo sistema financeiro tradicional (a começar pela adesão rampante às stable coins).
“A gente está vendo mais oportunidades na área B2B, de soluções para empresas, que olhem para como o sistema financeiro se interconecta, e como aplicar blockchain para melhorar essa infraestrutura”, afirma Kazah. “A nova onda é pautada pela inteligência artificial, que vai causar um grande impacto para as companhias. Mas precisamos tomar o cuidado de entusiasmar demais com ela.”
Apoio do empresário a Milei
Com a vitória de Javier Milei nas eleições de meio de mandato disputadas em 26 de outubro, Kazah acredita que os investimentos voltarão a ganhar força no país vizinho. Ele avalia o governo do presidente argentino como positivo até o momento e torce para que, passada a eleição, a classe política do país se envolva em torno do projeto do político de ideologia anarcocapitalista daqui para frente.
Com o cenário fiscal do país ainda conturbado, grandes empresas como Carrefour e Burger King anunciaram que buscam compradores para suas operações. “Toda a América Latina tinha uma macroeconomia fraca há 30, 40 anos. Havia muito déficit fiscal. Mas as economias foram melhorando e a Argentina ficou para trás. O macro continuou sendo uma loucura ali. O Milei está tentando mudar isso”, afirma Kazah. “Como tem eleições a cada dois anos, o cenário fica um pouco volátil e isso gera nervosismo”.
Caso se confirme, a recuperação do cenário macroeconômico argentino poderá impulsionar a alocação em equity na região, fazendo a América Latina voltar a figurar como um dos principais destinos para a alocação de recursos. Em 2022, o volume captado na região, segundo levantamento da Sling Hub, foi de US$ 9 bilhões, volume que caiu para menos da metade no ano seguinte. O montante inclui apenas rodadas de equity, desconsiderando emissão de dívidas, FIDCs e outras modalidades.