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Em semana-chave das concessões, a CCR sob Miguel Setas é colocada à prova

Executivo português chegou há um ano com o desafio de conciliar crescimento agressivo com dívida controlada

Miguel Setas, CEO da CCR
Miguel Setas, CEO da CCR (Ilustração: João Brito)

É comum encontrar Miguel Setas em eventos do mercado financeiro falando sobre os planos da CCR para a próxima década, que ele chama de “Ambição 2035”. O diálogo com os investidores virou uma rotina do executivo português, de 53 anos, desde que ele passou a comandar uma das maiores empresas de mobilidade da América Latina, em abril de 2023.

Em suas interações, Setas mostra sempre muito pragmatismo: é preciso conciliar crescimento de dois dígitos ao ano, arrematar novas concessões e manter o endividamento controlado. Esse discurso será colocado à prova mais uma vez nesta semana – o ponto alto da agenda do ano para o setor de infraestrutura –, em que duas rodovias vão a leilão, com uma demanda de R$ 13,2 bilhões em investimentos. Em pelo menos um dos certames é esperada a participação dos grandes players, entre eles a CCR, que não leva uma concessão há três anos.

“Estamos com a casa arrumada para sermos competitivos nos leilões”, afirmou Miguel Setas em rápida conversa com o InvestNews. Como de costume, o executivo despistou se a empresa vai participar das disputas pela Rota Sorocabana e Rota do Zebu, que ocorrem nesta quarta (30) e quinta-feira (31). “Na sexta-feira, você vai saber.”

A CCR é uma gigante de mobilidade que reúne mais de 30 ativos de infraestrutura, entre rodovias, trens urbanos e aeroportos. Somente em estradas, são 3.615 km administrados em cinco Estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina). Mas a última vitória da CCR em um leilão de concessão foi em outubro de 2021, quando renovou a gestão da Dutra (BR-116) por mais 30 anos por R$ 1,76 bilhão e assumindo o compromisso de investir outros R$ 25 bilhões na rodovia, uma das principais do país.

A renovação da Dutra pôs fim a um forte ciclo de investimentos iniciado em 2018 e que durou quase três anos. Nesse período, a empresa arrematou 20 novas concessões entre rodovias, aeroportos e trens e viu seu endividamento líquido saltar 77,2% no período, de R$ 11,8 bilhões no fim de 2017 para R$ 20,9 bilhões no fechamento de 2021.

Hoje, a dívida líquida está em R$ 24,9 bilhões, embora a alavancagem (proporção da dívida líquida em relação ao lucro operacional/Ebitda) esteja em torno de 3 vezes, número ainda considerado saudável pela empresa. O teto imposto pela companhia para esse indicador é de 3,5 vezes.

Ainda assim, a escalada da dívida deflagrou uma série de mudanças na CCR. Com a virada dos juros a partir de 2021 – a Selic subiu de 2% até 13,75% ao ano – as empresas de capital intensivo voltaram-se para dentro de casa para priorizar a gestão do passivo. Objetivo que foi reforçado na CCR com a chegada de Itaúsa, dos Setúbal, e Votorantim, dos Ermírio de Moraes, no início de 2022. A dupla de peso passou a fazer parte do bloco de controle da companhia junto com os grupos Mover (ex-Camargo Corrêa) e Soares Penido.

A partir da entrada dos Setúbal e Ermínio de Moraes na CCR, a gestão de custos e eficiência e a busca por retorno dos investimentos ganharam ainda mais atenção, disse Setas poucos meses após assumir. Seu primeiro movimento foi o de mexer na diretoria, diminuindo de 11 para sete o número de altos executivos (C-levels), em um modelo que trouxe maior agilidade à tomada de decisões para tocar os mais de R$ 33 bilhões em investimentos para os próximos anos.

Outra característica da nova fase da CCR é a maior seletividade nos investimentos. E isso se traduziu em uma participação tímida nos leilões mais recentes. “É nossa obrigação avaliar todos os editais de concessão, mas isso não significa, necessariamente, que temos que entrar em todos eles”, defendeu Setas em entrevista no ano passado.

No último leilão do qual a CCR participou, realizado no fim de setembro, a empresa fez a oferta mais baixa entre as que disputavam a concessão da Rota dos Cristais (rodovia federal que vai de Belo Horizonte a Cristalina, em Goiás). A vencedora foi a francesa Vinci Highways com uma proposta substancialmente maior que a da CCR.

De forma sintomática, a concorrência cresceu nessa fase de retração da CCR. Além de investidores estrangeiros, os fundos de infraestrutura foram os que dominaram os leilões de concessões dos últimos anos, ocupando um espaço deixado pela própria CCR e pela Ecorodovias, outra concessionária tradicional que não ganha uma concessão nova desde setembro de 2022.

Setas reconhece que a competição acirrada pressiona ainda mais as margens das concessionárias. Por outro lado, diz que há espaço para todos, uma vez que o percentual de rodovias concedidas no Brasil ainda é baixo em relação a outros países mais desenvolvidos. 

“Nós fazemos uma avaliação de risco e retorno, e isso nos leva a direcionar nossas atenções para concessões que ofereçam melhores condições de desenvolver o negócio e para o tipo de relações contratuais que nós entendemos que tenham um nível de risco mais controlado”, disse Setas, em conversa com investidores promovida pela gestora Galapagos no mês passado.

País de coração

Executivo forjado no setor de energia, o português Miguel Setas tem conhecimento ímpar dos mercados regulados, no qual o setor de mobilidade está incluído. Sua primeira passagem pelo Brasil foi em 2008. Ele chegou ao país para tocar os negócios de distribuição da EDP (antiga Energias de Portugal). Entre 2014 e 2021, foi o CEO da EDP Brasil, até retornar a Portugal para assumir uma das vice-presidências na matriz.

Casado com uma brasileira, o executivo acabou criando raízes no país. E isso contribuiu para que ele aceitasse o chamado da CCR para voltar. Seu interesse pelo país vai além da ligação familiar: Setas se mostra um entusiasta da tese de que o Brasil pode liderar a transição energética do mundo.

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, e Miguel Setas, CEO da CCR
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, e Miguel Setas, CEO da CCR (Divulgação)

Lançou no ano passado o livro “Gigante pela própria natureza”, que traz suas impressões sobre o país e as potencialidades de nossa “economia verde”. “As lideranças do Brasil precisam se conscientizar sobre essa oportunidade de ouro, para que ocupemos o nosso espaço no mundo. Precisamos superar um pouquinho nossa síndrome de vira-lata”, disse o executivo ao Brazil Journal na época do lançamento.

Semana das concessões

Para esta semana estão previstos cinco grandes leilões de concessão: a Parceria Público-Privada (PPP) para a construção de escolas no interior de São Paulo, que terá um dos lotes leiloados nesta terça-feira (29) e prevê R$ 1,06 bilhão em investimentos. Na quarta (30), é a vez do leilão dos serviços de saneamento básico no Piauí, que deverá atrair Aegea e Iguá, e exige R$ 8,6 bilhões de investimentos por 35 anos de concessão.

Ainda na quarta-feira, ocorre o principal leilão de infraestrutura da semana, o da Rota Sorocabana, um conjunto de 12 rodovias, com 460 km de rodovias estaduais de São Paulo e que abrange a Castelo Branco e a Raposo Tavares. 

Para assumir a gestão do ativo por 30 anos, além de pagar pelo direito de concessão, haverá uma demanda de R$ 8,8 bilhões em investimentos. A Sorocabana é um dos desmembramentos de uma concessão da CCR, a ViaOeste, que será extinta após o leilão desse lote e da Nova Raposo, previsto para o próximo mês. Dada a importância do ativo, é esperada a participação de empresas puro sangue da atividade.

Outra rodovia que será concedida é a Rota do Zebu, trecho da BR-262 em Minas Gerais, que passa por uma importante região produtora de gado Nelore, a raça zebuína mais criada no país. Para gerir a estrada por 30 anos, o vencedor do leilão terá que assumir R$ 4,4 bilhões em investimentos. Por fim, encerra a semana, na sexta-feira (1), a concessão da loteria estadual de São Paulo, com R$ 332,7 milhões em capex.

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