No Brasil, a legislação referente aos jogos de azar é considerada complexa e sujeita a uso de brechas pelas empresas. E esse cenário, segundo especialistas, é o que propicia o surgimento de casos como o da Blaze, plataforma de apostas online que tem sido alvo de diversas reclamações que incluem manipulação de resultados e calotes aos apostadores.
A plataforma de cassino virtual e apostas opera no Brasil desde 2019 e já tem mais de 40 milhões de usuários. A marca tem ganhado bastante atenção recentemente por suas parcerias com figuras de peso, como o jogador de futebol Neymar e o influenciador Felipe Neto, além de patrocínios milionários com os times Santos e Botafogo.
“Todo jogo nessas plataformas, a princípio, estão proibidos. Mas não há fiscalização que consiga dar conta de todos os sites que circulam pela internet”, explica Ricardo Prado, professor de Direito da Escola Superior do Ministério Público e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático.
“A prática se popularizou muito após o incentivo de influenciadores. As pessoas gostam de jogar e acreditam na possibilidade de ficarem ricas rapidamente. Isso dá margem a esse tipo de problema. Grande parte dessas situações são criminosas, golpes”, observa o especialista.
Atualmente, a legislação brasileira não aborda especificamente as apostas online, o que acaba abrindo caminho para diferentes interpretações. Alguns sites de apostas operam no país e aceitam clientes brasileiros ao alegarem ter licenças emitidas por autoridades estrangeiras. A Blaze tem sua sede em Curaçao, uma ilha no Caribe conhecida como “paraíso fiscal“.
Com o aumento de sua popularidade, muitos usuários passaram a reclamar que a Blaze não paga os ganhos obtidos nos jogos. Além disso, a plataforma é acusada de realizar alterações no histórico do saldo.
Todo o processo envolvendo a Justiça ou mesmo o atendimento ao cliente fica dificultado pelo fato da empresa ser estrangeira e não ter suporte localmente. No Reclame Aqui, há mais de 5,7 mil reclamações registradas contra a companhia e apenas 38 respondidas até a tarde desta terça-feira (13). A nota da Blaze – que costuma medir sua reputação pelo próprio cliente – é de 4,3 em uma escala que vai até 10.
A identidade do dono da Blaze não é um dado público no site da empresa. A plataforma informa apenas que é operada pela Prolific Trade N.V., mas não há maneira de descobrir os nomes de fato por trás da empresa.
Apesar da proibição da prática no país, a fiscalização funciona “por demanda”. “Quando há denúncia ou reclamação sobre prejuízos e supostos golpes, as autoridades entram em ação”, explica Jair Jaloreto, advogado especializado em Direito Penal Empresarial e sócio do Jaloreto & Associados.
Em situações como essas, os riscos são “evidentes e orbitam a ausência de proteção ao usuário do serviço, que não dispõe de meios para auxiliá-lo na resolução do problema”, avalia Anna Florença Anastasia, especialista em Direito Administrativo e licitações no GVM Advogados.
As acusações
Em um vídeo com mais de 4 milhões de visualizações no YouTube, o influenciador Daniel Penin alega que há uma inteligência artificial treinada para fazer com que o usuário sempre perca o dinheiro conquistado.
Para sacar a quantia, é preciso ganhar o dobro do que foi conquistado na primeira vez. Isso motiva o usuário a colocar mais dinheiro e diversas tentativas até o acerto – que não acontece, segundo Penin.
Diante dessas acusações, os especialistas recomendam cuidado. É complicado fazer depósitos em uma empresa que você não conhece, ou sua sede, a pessoa por trás do negócio. Não há como depositar grandes quantias com confiança sem informações básicas da outra parte. Estelionato é um crime que tem crescido expressivamente na internet por fazer milhões de vítimas”, diz o professor Ricardo Prado.
O InvestNews procurou a empresa para questionar sobre a repercussão do conteúdo, mas, até a última atualização desta reportagem, não havia recebido retorno.
Famosos popularizam prática proibida no Brasil
Mesmo com diversas reclamações e queixas não respondidas, a Blaze mantém sua popularidade e alcança um público cada vez maior com as parcerias que fecha. Segundo o portal SimilarWeb, o Brasil foi responsável por 97,19% das 38,6 milhões de visitas à plataforma em maio de 2023.
Mas se é proibido, como isso é possível? Jair Jaloreto explica que “como a prática pende de regulamentação, estas empresas com sede social e fiscal fora do país operam e atraem clientes livremente”.
O programa de parcerias com a casa funciona da seguinte forma: os influenciadores precisam ter, no mínimo, 10 mil visualizações por vídeo no YouTube ou 500 mil seguidores no Instagram. Neymar, Felipe Neto, Viih Tube, Gkay são alguns dos 400 influenciadores que fecharam contrato com a casa em troca de cachês.
Daniel Penin diz em seu vídeo que algumas dessas personalidades ganham parte da receita com seus cupons.
O influenciador Felipe Neto disse no último domingo (11) que irá se pronunciar sobre a polêmica envolvendo seu patrocínio. “Eu vou me pronunciar sobre toda essa polêmica que criaram a respeito da nossa patrocinadora, a Blaze”, disse em um vídeo no Instagram. “As pessoas acreditaram mais uma vez em um mundo de mentiras. E as mentiras vão cair”, disse. Até a publicação desta reportagem, não havia sido publicado novo posicionamento do influencer.
Riscos da popularização
As apostas são consideradas jogos de azar, cuja exploração é considerada uma infração penal. Segundo Fernando Gardinalli, sócio do Kehdi Vieira Advogados, enquanto não houver uma regulamentação expressa da prática, ela é considerada ilegal.
Na opinião do especialista, a popularização rápida das apostas digitais tem dois grandes riscos. O primeiro, do apostador (pessoa física), de ser enquadrado na contravenção penal – uma infração considerada menos grave. “Como a aposta, em tese, é considerada uma infração penal, ela pode ser considerada um crime”, expõe.
O segundo risco, e de maior importância, é que a falta de regulamentação, principalmente de normas sobre a fiscalização da perspectiva de atividade econômica, pode gerar risco de prática de outros crimes.
“Por exemplo, a lavagem de dinheiro. A regulamentação e a fiscalização do setor são fundamentais para se evitar que essa atividade de apostas seja utilizada para finalidades ilícitas”
Fernando Gardinalli, sócio do Kehdi Vieira Advogados
Apostas online também entraram na mira do governo recentemente. O ministério da Fazenda anunciou em maio que está finalizando a regulamentação do mercado de empresas de apostas online (as chamadas “bets”), com o objetivo de garantir uma nova fonte de receita para os cofres públicos.
Em 2018, a Lei 13.756/18, sancionada pelo então presidente Michel Temer, estabeleceu que o Ministério da Fazenda deveria regulamentar as “apostas de quota fixa” (definidas como “sistema de apostas relativas a eventos reais de temática esportiva”), em um prazo de 2 anos. Mas até então, nada nesse quesito foi realizado.
Agora, com os esforços do governo em prática, segundo Camila Fernandes, sócia da Nelson Wilians Advogados, será possível prever que a regulamentação poderá trazer segurança jurídica aos apostadores, além da arrecadação para o governo.
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