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Negócios

Foodtechs de alimentação infantil surfam brecha da grande indústria

O sumiço das papinhas para bebê criou um vácuo no mercado. Agora, startups de comida saudável começam a ocupá-lo.

Num passado nem tão distante, as prateleiras de supermercado eram cheias de papinhas para bebê. Não mais. A demanda por comida industrializada para os pequenos minguou, e os potinhos sumiram.

Isso deixou um gap no mercado. Os pais desejam uma alimentação mais saudável para os pequenos. Mas talvez não queiram abrir mão da praticidade que os alimentos prontos trazem.

E novos negócios estão surgindo para preencher essa brecha. É o caso da Papapá, de Curitiba, focada na venda de papinhas e biscoitos orgânicos para bebês.  

A startup nasceu em 2021, pelas mãos do casal de engenheiros Leonardo Afonso, 37, e Paula Afonso, 35, que enxergaram uma carência de produtos saudáveis para o público infantil.

Paula Afonso e Leonardo Afonso, fundadores da Papapá, e os filhos. Crédito: Divulgação

O primeiro passo da jornada rolou em 2018, quando o casal morava na Austrália. Já pais, eles já tinham se acostumado com a variedade de opções em alimentos saudáveis para crianças. E aí, numa viagem de Natal para o Brasil, repararam que o mercado por aqui trazia poucas opções.

“Lá fora, tinha muito produto legal, como snacks sem açúcar, com ingredientes diferentes, sem sal, não fritos, e que conseguíamos dar sem culpa. Aqui não. Era um portfólio mais limitado”, afirmou Afonso.  

Leonardo afonso, fundador da Papapá

Na época, Leonardo era diretor de suprimentos da Kraft Heinz na Austrália. Pediu demissão para se dedicar ao novo negócio aqui no Brasil e aí foram dois anos de pesquisas sobre o setor de alimentação infantil para colocar a empresa de pé.

O casal, que investiu R$ 1,5 milhão de recursos próprios no negócio, focou no desenvolvimento de produtos com os chamados clean label, sem insumos artificiais: “São ingredientes que a mãe reconhece. Nesse caso, menos é mais”.

Em 2021, a Papapá captou R$ 5 milhões em uma rodada de investimentos – liderada por Alphonse Voigt e Antonio Maganhotte Junior, sócio-fundadores da Ebanx. E usou parte do dinheiro para ampliar os canais de distribuição.

Além da presença em supermercados e farmácias em todas as regiões do país, a empresa também decidiu abrir uma loja física própria, em Curitiba, para testar o modelo. “Pode ser que a gente adote essa estratégia de loja própria em outras praças do Brasil”, projetou Afonso.

Em 2022, a empresa faturou R$ 12 milhões – montante que passou para R$ 36 milhões no ano passado. E agora a companhia começa a desenvolver produtos voltados para crianças a partir dos três anos de idade.  

“É uma forma de dar extensão para a mãe que já dava o Papapá para o bebê que agora é uma criança”, diz.

Papinhas de frutas da Papapá. Crédito: Divulgação

O boom dos orgânicos

O fato é que os empreendedores escolherem o setor a dedo. Segundo um relatório da Euromonitor publicado em setembro do ano passado, o mercado de alimentação infantil brasileiro movimentou R$ 5,8 bilhões em vendas no ano de 2022 – crescimento de 12% em relação a 2021.  

Somado a isso, a busca por produtos saudáveis disparou com a pandemia. Uma pesquisa da Organis (Associação de Promoção dos Orgânicos) aponta que o crescimento do consumo de orgânicos avançou 240% entre 2019 e 2021, em relação ao período entre 2017 e 2019. 

“A partir do momento em que adultos passaram a desejar uma vida mais saudável, isso foi transposto para as crianças”, diz Marcelo Paganini, professor do curso de Administração da ESPM.

Outro ponto é que Paula e Leonardo surfaram em um espaço que a grande indústria tem dificuldades para ingressar.

Na visão do fundador da Papapá, mesmo quando as gigantes do mercado decidam apostar forte em produtos saudáveis para bebês e crianças, haverá uma certa resistência por parte do público.  

“A Heinz, por exemplo, é conhecida pelo ketchup. A Nestlé, pelo chocolate. Não são referências adequadas para quem está buscando produtos saudáveis. Foi aí que enxerguei uma oportunidade com algo que, de certa forma, eu sabia fazer”, disse o empreendedor.

Ao atuarem em um nicho específico, os empreendedores também conseguem, muitas vezes, ofertar um alimento diferente do que está no portfólio das grandes empresas, conforme explica Paganini: “Muitas vezes, um produto industrializado não tem açúcar, por exemplo. Mas também não tem gosto. Os empreendedores estão conseguindo chegar a um equilíbrio entre sabor e valor nutricional”.

Distribuição sob medida

Empresas como a Papapá podem ter dificuldades para ganhar escala, em grande parte porque já que esses alimentos exigem um processo mais artesanal.

“Algumas companhias, como a Fazenda do Futuro, que desenvolve hambúrgueres naturais, estão conseguindo espaço na Europa e na Ásia, mas elas jamais vão ser uma grande indústria, porque o processo de produção é mais difícil e a escolha de fornecedor é mais complexa”, explica Roberto Kanter, CEO da Canal Vertical e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Leonardo Afonso dá um exemplo prático: “Uma de nossas matérias primas é farinha amarela orgânica – um ingrediente que às vezes não é tão fácil de encontrar”.

Embora seja difícil para as foodtechs produzir em grandes quantidades, Kanter sinaliza que elas podem conseguir ganhar escala na distribuição, por meio de múltiplos canais, como assinaturas e delivery.

Esse é justamente o caso do ecommerce Jornada Mima, fundado em 2021, pelas engenheiras de produção Paula Cunha, de 35 anos, e Luciana Vicente, de 39 anos. O foco ali é a assinatura de kits de comida congelada para bebês.

Paula Cunha e Luciana Vicente, da Jornada Mima

A ideia surgiu justamente quando Paula foi se atualizar sobre a introdução alimentar de seu segundo filho. 

“Fui entendendo que a papinha liquidificada morreu. Nenhum pediatra recomenda mais. Elas não estimulam a mastigação, e a criança não sente o gosto exato dos alimentos”.

A Jornada Mima usa o ultracongelamento. Trata-se de uma tecnologia que congela os alimentos em questão de minutos. No congelamento normal, as células dos alimentos ficam desidratadas. No ultra, a rapidez do processo mantém a integridade da parede celular, o que preserva os nutrientes, a textura e o sabor dos alimentos.

Os pratos ali são montados por faixa etária, de acordo com orientações dos órgãos de saúde. Por exemplo: para bebês menores de um ano, há restrição de sal. E o açúcar deve ficar de fora da dieta até os dois anos. 

Além disso, as refeições seguem a recomendação de incluir os cinco grupos de alimentos (carboidratos, proteínas, leguminosas, legumes e verduras) no almoço e no jantar.

“Esse processo de dar uma alimentação variada acaba sendo penoso para os pais, principalmente quando você tem de equilibrar com as outras demandas do dia a dia. Foi um gap que observei. E vi aí uma oportunidade de mercado”.  

Paula Cunha, fundadora da Jornada Mima
Pratos da Jornada Mima. Crédito: Divulgaço

A empresa de Paula Cunha atua majoritariamente com a venda online em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em 2023, iniciou alguns testes de vendas para uma loja física e uma escola.

Além de recursos próprios das fundadoras, a Jornada Mima recebeu um aporte de R$ 1 milhão de investidores anjo – recurso que foi usado para o desenvolvimento de produtos e canais de venda. A projeção é de um faturamento de R$ 3 milhões em 2024. 

Bom apetite para os pequenos.

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