A grande característica dos investimentos chineses no Brasil é o fato de o grosso deles estar ligado a setores estruturais: energia elétrica, petróleo, infra, mineração.
O que explica isso? Até onde os tentáculos da China se estendem por aqui? É o que vamos ver em uma série de reportagens do InvestNews. Esta é a primeira, e foca numa área em que o Brasil é protagonista nas exportações globais: a mineração.
Neste ano, aconteceu um investimento chinês emblemático na área: a compra da mina de Barro Alto (GO), que antes estava nas mãos da Anglo American, a gigante britânica. E quem adquiriu foi a MMG, subsidiária da China Minmetals – uma das mais de 100 mineradoras estatais de lá.
O interesse por trás do negócio é num metal específico. Este aqui do nosso primeiro intertítulo:
Níquel
A compra da mina ainda precisa da aprovação do Cade. Caso se concretize, a China passará a deter, numa tacada só, 50% da produção brasileira de níquel. Essa fatia equivale, sozinha, a 1% da produção global.
O negócio também envolveu uma siderúrgica especializada em processar esse minério, a Codemin, em Niquelândia (GO), num total de US$ 500 milhões.
A função mais universal do níquel é servir de matéria-prima para o aço inoxidável. O que a Codemin faz é pegar uma parte da produção de Barro Alto e fundir com ferro. O material que sai daí é o ferroníquel; ele sim o ingrediente que vai para a fabricação do aço que não enferruja.
Já o níquel “normal”, entre mil e uma utilidades, serve de coadjuvante nas baterias de lítio – as dos carros elétricos e dos celulares –, pois aumenta a capacidade de armazenamento de energia.
Como a China produz 75% das baterias de lítio do planeta, é natural que tenha interesse no níquel daqui, e de qualquer outro lugar.
Mas essa é só a aquisição mais recente. Com as de antes, a China passa a controlar pedaços razoáveis da produção de quatro metais no Brasil, pela ordem: níquel, nióbio, estanho e cobre.
Não é só aqui, claro. O maior produtor de níquel é a Indonésia, com metade do output global. E 75% ali está sob controle chinês.
Na África, idem. O Congo responde por três quartos do suprimento mundial de cobalto. E 80% da produção de lá vem de empresas chinesas.
“A estratégia faz parte de um programa de Estado que tem mais de uma década”, diz Rafael Marchi, diretor para infraestrutura da Alvarez & Marsal.
“No começo, dizia respeito à autossuficiência, a garantir os insumos que você precisa. Mas hoje é algo mais parecido com o capitalismo tradicional”, completa.
Trata-se de algo parecido com o que a Delta Airlines fez em 2012. A companhia aérea comprou uma refinaria de petróleo. Não para garantir querosene de aviação “de graça”. A refinaria tinha de lucrar também. O ponto ali era criar um player eficiente no mercado de combustíveis, capaz de manter a oferta em alta, e os preços num patamar aceitável.
É justamente isso o que a BYD faz com o “combustível” dela, o que nos leva a outro metal: o…
Lítio
A maior montadora da China, totalmente focada em elétricos, participa de joint ventures de mineração de lítio em sua terra natal. E está em busca de oportunidades fora de lá também – inclusive no Brasil.
A BYD adquiriu direitos de mineração no Vale do Jequitinhonha (MG), também chamado hoje Vale do Lítio. E faz tempo. Foi em 2023. A montadora criou uma subsidiária justamente para isso, a BYD Exploração Mineral do Brasil.
A empresa não tinha divulgado. Quem descobriu foi a Reuters, numa consulta a documentos públicos no início deste ano. O projeto segue em fase de pesquisa.
E não é só isso. De acordo com o Financial Times, a BYD manteve conversas em 2024 sobre uma parceria com a Sigma Lithium, a maior produtora do minério-base da eletrificação no Brasil.
O lítio é um alvo recente. Mais tradicional, digamos assim, é a participação da China na exploração do nióbio. Vamos a ela.

Nióbio
O nióbio é a jabuticaba dos metais: só tem no Brasil. Ou quase isso, na verdade: 90% da produção global acontece aqui.
A graça do nióbio é suportar temperaturas altíssimas sem se deformar. Isso torna o minério essencial para turbinas de avião e foguetes. Não só: basta um pouco de nióbio para elevar a resistência do aço, então ele é importante para carros, prédios, oleodutos…
A produção do nióbio não está apenas concentrada num país, mas numa empresa também: a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração). 85% do nióbio brasileiro sai da mina que ela opera em Araxá (MG).
Até 2011, ela era toda da família Moreira Salles. Mas naquele ano os controladores fizeram duas vendas gêmeas: 15% da CBMM para um consórcio de cinco empresas japonesas mais 15% para um grupo de cinco chinesas.
O interesse chinês é óbvio. Um terço da produção global de nióbio embarca para lá.
E o avanço da China nessa área não ficou por aí. Quase todo o restante da produção nacional ficava com Anglo American. Mas em 2016 a estatal chinesa CMOC comprou a mina de nióbio da britânica, no complexo de Catalão (GO).
Tem mais. A outra produtora nacional de nióbio, ainda que em menor escala, é a Taboca, que opera na Amazônia. Ela foi comprada em 2024 por outra estatal chinesa, a CNMC.
No fim das contas, os 15% da produção nacional de nióbio que não saem da mina da CBMM estão todos nas mãos de companhias chinesas. E além disso elas ainda detêm aqueles 15% da mineradora dos Moreira Salles. Juntando tudo, é possível afirmar que quase um terço da produção brasileira está sob os tentáculos da China.

Estanho e cobre
Só que o maior trunfo chinês com a aquisição da Taboca não é o nióbio. É o estanho.
O Brasil produz 8% do estanho global, e essa mineradora é responsável por 30% da extração brasileira – cortesia da mina de Pitinga (AM).
O estanho é importante por ser o elemento das soldas dos circuitos eletrônicos, já que derrete a apenas 232º C. Um exemplo cotidiano: os botões do controle remoto da sua TV ficam ligados à placa interna por soldas de estanho.
Ainda mais crucial é o cobre. A graça dele é ser um condutor poderoso de energia. É impossível tomar café num copinho de cobre, por exemplo. O calor da bebida atravessa o metal quase sem perda, e você queima os dedos. Boa condução de energia é isso. E sem boa condução não existiriam smartphones, data centers, inteligência artificial…
O Brasil não é um grande produtor de cobre. São 360 mil toneladas por ano; 2% da produção global. Mas isso não impediu a China de buscar ativos por aqui. E eles encontraram.
O alvo foi a Mineração Vale Verde, que opera a mina de Serrote (AL). A Baiyin, outra estatal chinesa, comprou a companhia, e agora controla 5% da produção nacional de cobre.

Minério de ferro
Uma exceção curiosa nessa história é o minério de ferro. O Brasil é o segundo maior exportador do mundo. A China, o maior importador. E, claro, o grande cliente do minério nacional: 70% das nossas exportações embarcam para lá.
Mesmo sendo uma compradora dessa monta, a China segue sem uma operação de minério de ferro no Brasil. Mas, ao que tudo indica, não por muito tempo. A chinesa Geely, dona da Volvo, e que recentemente lançou carros com sua própria marca no Brasil, deve começar a produzir minério de ferro por aqui.
A história é mais complexa. Quem toca o projeto é a Sul Americana de Metais, que é subsidiária da Honbridge Holdings, uma mineradora chinesa. Mas a Honbridge é controlada pela Geely, que tem 53% das ações ali.
Temos aí uma estratégia radical de “verticalização”, a estratégia que comentamos lá no início: uma montadora, que consome aço vorazmente, operando na produção da matéria-prima do aço.
O tal projeto é o Bloco-8, no norte de Minas Gerais. Ele ainda busca as licenças ambientais para operar. Caso dê tudo certo, a previsão é tirar 27 milhões de toneladas por ano de minério, após um investimento de US$ 2,1 bilhões.
Daria 6% da produção brasileira atual. Mas não é só isso. O Bloco-8 vai produzir minério de alta qualidade, com 65% de ferro, mais caro que o minério “padrão” (o de 62%) e equivalente ao da mina de Carajás, a jóia da coroa da Vale. Olhando só para essa fatia, a do minério premium, o Bloco-8 deve responder por 13% da produção nacional.
E dado o apetite da mineração chinesa, nada indica que vá parar por aí.