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Transição energética pode ameaçar o futuro dos negócios da Petrobras? Entenda

Com avanço das discussões e iniciativas sobre redução da emissão de gases do efeito estufa, especialistas explicam se os negócios da estatal podem ser afetados.

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Debates sobre aquecimento global, preocupações com o aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, impactado pela queima de combustíveis fósseis, vêm ganhando força, levando a discussões sobre medidas para reduzir de forma significativa essas emissões. Diante de um cenário de transição energética, como o futuro e os negócios da Petrobras (PETR3, PETR4) podem ser impactados?

Flávio Oliveira, head de renda variável da Zahl Investimentos, explica que a transição energética vai fazer parte do futuro das empresas e da sociedade e não se pode esquecer que é algo que pode levar décadas.

“Vai haver transição energética, vai impactar a Petrobras, mas não acontecerá do dia para a noite. No curto prazo, haverá a continuidade do consumo de combustíveis fósseis e assim seguirá por um tempo. O consumo vai ser reduzido ao longo dos anos, mas o preço do petróleo ainda deve subir ou ficar em patamares mais altos”, diz o head de renda variável da Zahl Investimentos.

Enrico Cozzolino, analista da Levante Investimentos, também defende que este cenário de transição energética e redução da demanda por petróleo pode ser uma ameaça para o futuro da Petrobras, mas que não é algo para o curto prazo. “Até acontecer, ainda existe um momento em que o petróleo vai ser muito demandado e isso pode dar uma valorização de curto prazo”, considera Cozzolino.

Em novembro, a Agência Internacional de Energia (AIE) manteve sua previsão de crescimento da demanda por petróleo praticamente inalterada em relação ao mês anterior em 5,5 milhões de barris por dia em 2021 e 3,4 milhões de barris por dia em 2022.

Aposta na produção e exploração?

No final de novembro, o Conselho de Administração da Petrobras aprovou o plano estratégico da estatal para o quinquênio 2022-2026. Para os próximos cinco anos, a companhia programou investimentos de US$ 68 bilhões, valor 24% superior ao apresentado no plano estratégico para o quinquênio 2021-2025, de US$ 55 bilhões.

Deste total, 84% irão para a exploração e produção de gás e petróleo, a mesma porcentagem prevista no plano anterior. Em valores correntes, os investimentos na categoria devem subir de R$ 46 bilhões, no período anterior, para R$ 57,3 bilhões nos próximos cinco anos. Confira no gráfico a seguir:

Oliveira lembra que a Petrobras passou muitos anos com problemas, comprando refinarias. Ele explica que existe hoje no mundo um descompasso de investimento entre extração e refino e que, por isso, ainda faz sentido para a empresa aumentar sua exploração e produção de petróleo nos próximos anos.

“No final do dia é tudo uma questão de alocar onde precisa e prioridades. Daqui a pouco ela poderá investir mais? Poderá, mas não vai deixar ela descoberta em uma fonte que pode ser estratégica no curto prazo”, acredita o head de renda variável da Zahl Investimentos.

Cozzolino considera que um aumento da produção e exploração por parte da companhia não é uma ameaça ao futuro dos negócios da estatal. Para ele, em um cenário de retomada econômica, o petróleo será mais demandado. “Ainda não existem navio nem avião elétricos. Temos que olhar um pouco para isso. Então, a maior exploração, a meu ver, é maior lucro para a companhia”, diz o analista da Levante Investimentos.

Sustentabilidade e descarbonização

A substituição de combustíveis fósseis por energias limpas e renováveis tem sido analisada como um fator indispensável, afinal, o dióxido de carbono (CO2) é o gás poluente que contribui para o efeito estufa. Ele é emitido para a atmosfera por meio de atividades humanas. A queima parcial de combustíveis fósseis, especialmente do petróleo e seus derivados, é uma das fontes deste gás.

O Brasil, por exemplo, continua a aumentar o total de gás carbônico (CO2) emitido para a atmosfera. É o que apontam dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima. Segundo o levantamento, as emissões brasileiras de gases de efeito estufa em 2020 cresceram 9,5%, enquanto no mundo inteiro despencaram em quase 7% devido à pandemia de covid-19. Foi o maior nível de emissão do país desde 2006.

De acordo com a Petrobras, entre as principais soluções para este cenário estão ações para redução da queima de gás em tocha, ganhos de eficiência energética e projetos de captura, uso e armazenamento geológico de CO2 (CCUS), além do próprio perfil dos novos ativos e gestão de portfólio.

Rogério Machado, professor de química e meio ambiente na Universidade Presbiteriana Mackenzie, explica que o petróleo é composto por líquido que tem em si gases dissolvidos e sólidos, também dissolvidos, neste líquido. E que, quando se destila o petróleo, não tem como só tirar o gás, só o sólido ou só um tipo de líquido, como, por exemplo, somente o óleo lubrificante.

Segundo ele, é liberado de tudo, gás, líquidos de várias viscosidades, desde voláteis como solventes (gasolina, por exemplo), óleo leves, como o diesel, querosene, óleo lubrificante até óleos pesados.

Machado defende que é preciso pensar e desenvolver substitutos para os derivados de petróleo onde se possam obter os mesmos ou similares benefícios com materiais que não sejam tão agressivos ao meio ambiente. Para ele, seria interessante as companhias aprofundarem e acelerarem pesquisas junto a novas utilidades para os derivados de petróleo.

“Na verdade, qualquer empresa de petróleo poderá sofrer com a mudança da matriz energética. Não podemos esquecer que estamos em um mundo industrial extremamente dependente dos derivados do petróleo. A continuidade do uso do petróleo não é algo condenável, desde que seja para fins úteis onde tenhamos controle rigoroso sobre seus efeitos ao ser humano, outros seres vivos e à natureza em geral”, considera o professor de química.

Para o docente, a saída imediata, se fosse parada a queima destes materiais em motores, seria queimá-los em flare, que são os grandes lança-chamas verticais observados em unidades petroquímicas ou petrolíferas. Segundo Machado, uma das utilidades de um flare é queimar produto indesejável. “Esquisito, mas se você não tem utilidade para gasolina ou óleo diesel, você teria que fazer isto. Um contrassenso, é claro”, avalia.

Machado considera que pretende-se que seja rápido que a transição energética ganhe força no Brasil, mas ele alerta que a mudança na indústria seria, no momento, muito drástica em termos de matérias-primas, além da incerteza de como será o mundo com carros elétricos ou a hidrogênio.

“Mexer com o petróleo é mexer com um mundo que vive em função dele há mais de um século e cresceu a este ponto graças aos benefícios deste material. Não sou defensor do petróleo, sou realista. Ser uma pessoa “ecologicamente correta” não pode ser a mesma coisa que uma pessoa alienada ao que está atrelado a tal mudança”, destaca o professor.

Estratégias da Petrobras

Levantamento do instituto de pesquisas Climate Accountability Institute aponta que um grupo de 20 empresas é responsável por mais de um terço das emissões de gases causadores do efeito estufa em todo o mundo desde 1965. A Petrobras aparece na lista, na 20ª posição.

Segundo a análise, as empresas produtoras de petróleo, gás natural e carvão foram responsáveis por 480,16 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) e metano liberados na atmosfera neste período, o que representa 35% das emissões totais de combustíveis fósseis e cimento, que foram de 1,35 trilhão de toneladas.

O cálculo foi realizado com base na produção anual de petróleo, gás natural e carvão relatada por cada empresa, e levou em consideração as emissões desde a extração até o uso final do combustível.

No plano estratégico da Petrobras para o quinquênio 2022-2026, dos U$ 68 bilhões em investimentos previstos, no segmento de exploração e produção serão investidos US$ 57 bilhões. Para o período, está prevista a entrada em operação de 15 novas plataformas em seis campos.

Segundo a estatal, a inclusão da sustentabilidade é refletida no investimento de US$ 2,8 bilhões para redução de emissões, incluindo investimentos em eficiência operacional incorporados nos projetos para mitigação das emissões, bioprodutos (diesel renovável e bioquerosene de aviação) e pesquisa e desenvolvimento.

De acordo com a Petrobras, todos estes projetos contribuirão para a intenção da estatal de atingir a neutralidade das emissões de gases de efeito estufa das operações sob seu controle, em prazo compatível com o estabelecido pelo Acordo de Paris, tratado mundial que tem como objetivo promover a redução do aquecimento global.  

A empresa planeja reduzir as emissões de CO2 das suas próprias operações em 25% até 2030, redução de 32% na intensidade de carbono na exploração e produção até 2025 e almeja emissões zero até 2050.

Em entrevista ao InvestNews, Rodrigo Araujo Alves, diretor executivo financeiro e de relacionamento com investidores da Petrobras, explicou que a estatal tem hoje um portfólio de ativos que são competitivos mesmo em um cenário em que a demanda mundial de petróleo caia pela metade do que é hoje, o que projeta a Agência Internacional de Energia.

“Isso nos permite ter ativos que são competitivos e que sobrevivem mesmo neste cenário, mas, por outro lado, não nos tira a responsabilidade de fazer investimentos relevantes na descarbonização das nossas operações e na redução da pegada de carbono dos nossos produtos. Quando a gente pensa de 2009 para cá, na parte de exploração e produção, a Petrobras reduziu em praticamente 50% a intensidade da emissão de carbono nas suas operações”, afirma Alves.

O diretor da Petrobras destaca também que, apesar de ainda não ter um investimento associado, a estatal traz uma novidade no plano estratégico que é o desenho de uma governança para a avaliação de novas oportunidades de negócios que estão surgindo.

“A Petrobras teve um histórico no passado em investimentos em renováveis que não foi bem-sucedido. Então, a gente tem toda uma cautela para que os investimentos que eventualmente venham a ser feitos no futuro sejam mais resilientes dos que os do passado e temos um conjunto de competências que entendemos que, potencialmente, é onde nós temos mais vantagem competitiva, como engenharia complexa, projeto de larga escala e alta tecnologia”, ressalta o diretor executivo financeiro e de relacionamento com investidores da Petrobras.

Para Enrico Cozzolino, analista da Levante Investimentos, os números apresentados pela estatal não são pequenos. Segundo ele, é um valor inicial de um projeto que mostra uma tentativa ESG  (Ambiental, Social e Governança), mas que ainda se tem muito para se fazer e ser discutido neste aspecto.

“A Petrobras é gigante. Transacionar os modelos é muito difícil. Pouco se fala do projeto e política de desinvestimento que ela tem feito muito bem e isso já é, quem sabe, o início de uma transição. Não dá para uma empresa exploradora de petróleo virar verde da noite para o dia. Vai demorar e, a meu ver, não há nenhuma resistência do próprio negócio da companhia”, afirma Cozzolino.

Ele acrescenta que o risco que se tem com uma exploração e produção maior com o decorrer dos anos, do ponto de vista financeiro, é mais no sentido de ser mais caro do que as concorrentes diretas em alguns pontos, mas que, para Cozzolino, ainda é um negócio que faz sentido para a Petrobras.

O analista da Levante Investimentos acredita que a estatal não vai ser deixada para trás com o processo de transição energética e que existem diversos caminhos, como desinvestimento e política de descarbonização.

“Existe um tempo de maturação. Com o decorrer do tempo, isso vai acontecer. Mas tem muito tempo para chegar lá. É precoce e não consigo nem avaliar ainda os caminhos para a estatal”, diz o analista da Levante Investimentos.

Já Flávio Oliveira, head de renda variável da Zahl Investimentos, considera que a Petrobras é um pouco mais devagar do que seus pares multinacionais para fazer a transição dos seus modelos de negócios. Segundo ele, isso pode ser, por um lado, uma resistência, quanto, por outro, parte das características da empresa, que, por ser pública, pode ser mais burocrática e ligada a questões políticas.

“Empresa que tem interferência política não é algo que ajuda neste ponto. Acredito que a privatização destravaria valor e tornaria a empresa mais rápida e competitiva. Tem que usar como comparação as petroleiras estrangeiras e seguir a linha que elas estão fazendo. Se tivesse menos interferência política e a Petrobras usasse a referência de empresas estrangeiras, é só dar continuidade, não tem muita mágica”, defende o head de renda variável da Zahl Investimentos.

A Petrobras pode se tornar menor com a transição energética?

Cozzolino avalia que a Petrobras já está se tornando menor devido ao seu processo de desinvestimentos e que isso tem, para ele, dois impactos: de um lado, menor receita. Por outro, pode ter maior eficiência cuidando e explorando de seus ativos principais.

Já Oliveira pontua que, no longo prazo, não se sabe quais serão as utilizações práticas do petróleo e aponta que é difícil falar o que pode acontecer. Porém, segundo ele, se houver redução do consumo, a Petrobras pode deixar de ser uma das maiores empresas do país no longo prazo, perder representatividade no mercado e acabar encolhendo, caso não diversifique seus negócios e não aposte na transição energética.

“Essa redução de consumo provavelmente vai acontecer, mas a gente não consegue saber a quantidade disso. A intensidade desse movimento é a questão. A empresa não pode ficar à mercê do petróleo olhando para frente, ela deveria diversificar seus negócios”, considera o head de renda variável da Zahl Investimentos.

Possíveis impactos para as ações?

Enrico Cozzolino, analista da Levante Investimentos, explica que pelo fato de a transição energética ser um termo muito amplo, não é possível fazer uma análise de a partir de qual momento as ações da Petrobras podem ser impactadas com este cenário.

Ele avalia, no entanto, que o preço dos papéis da estatal está descontado, comparativamente com seus pares, devido ao preço do petróleo, entre outros fatores, e que o principal ponto que o investidor deve ser atentar é em relação à ingerência política.

“Desde que o plano de desinvestimento seja seguido, que a gestão da companhia seja independente, que o programa de aumento de combustíveis não interfira, acho que esses são os principais fatores. O mercado está exigindo prêmio da Petrobras em virtude de riscos. No longo prazo, a preocupação é se a companhia vai executar de fato seus planos”, diz Cozzolino.

Flávio de Oliveira compartilha desta visão. Segundo o head de renda variável da Zahl Investimentos, a transição energética é efeito de longo prazo para as ações da estatal. Segundo ele, o que está fazendo preço nos papéis da Petrobras são outros fatores, como, por exemplo, a proximidade das eleições presidenciais e risco político.

“É complicado prever que, no futuro, vai ter uma redução do consumo dos combustíveis. Pode também acontecer de vir outros presidenciáveis dizendo que vão mexer na maneira que a empresa precifica o combustível de forma que ela possa começar a ter prejuízo hoje, amanhã, ano que vem. No preço em que a ação está, na situação em que vivemos, o problema da transição energética é menor que os outros. Não quero dizer que tenha que ser ignorado”, destaca Oliveira.

O head de renda variável da Zahl Investimentos aponta ainda que, para o futuro, vale a pena o investidor ter atenção, sempre monitorando o preço, pois, segundo ele, para quem está mirando as ações da empresa por mais de uma década, vai ter impactos, mas, se considerar o preço atual e a expectativa do que deve ocorrer nos próximos anos, isso não vai chegar a destruir valor para a empresa.

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