Os últimos meses têm sido difíceis para o Google. Uma sucessão de fiascos aqui e acolá na implementação da sua inteligência artificial em produtos importantes e um recente episódio de documentos vazados (que deixou em polvorosa o mundo do marketing digital) têm alimentado questionamentos sobre a capacidade da big tech. A urucubaca chegou até o CEO, Sundar Pichai, que volta e meia é confrontado sobre sua liderança.
Anunciada com pompa no começo de maio, a ferramenta AI Overview foi vendida como a revolução imediata para o motor de buscas mais popular do mundo. A funcionalidade prometeu combinar a montanha de dados indexada pelo Google – textos, mapas, imagens, vídeos e etc – com com a capacidade de processamento do Gemini, a aposta da empresa para fazer frente ao ChatGPT, da OpenAI.
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A ideia é dar um comando complexo ao buscador – algo do tipo: “quero uma lista de escolas particulares de ensino médio a até 2 km da minha casa, com mensalidades entre R$ 1000 e R$ 2000 e que ofereça aulas de balé no período da tarde” – e receber como resultado um card com todas as informações requisitadas. O Google prometeu poupar tempo do usuário e entregar uma personalização digna de ficção científica.
Deu errado.
Em vez de uma onda de usuários gratos e fascinados com as novas funcionalidades, o Google colheu uma crise de relações públicas. Lançado originalmente nos Estados Unidos e com promessa de chegar a um bilhão de usuários até o fim de 2024, o AI Overview sugeriu cola (aquela de usar no colégio mesmo) como ingrediente para uma boa pizza caseira e disse que Barack Obama foi o primeiro presidente muçulmano dos Estados Unidos. Precisando de mais nutrientes nas suas refeições? O Google recomendou uma dieta diária de pedras.
E não foi a primeira vez. O anedotário do Google já acumulava problemas desde o Bard, antecessor do Gemini lançado no ano passado. O próprio Gemini, na estreia, gerou indignação porque se recusava a criar imagens de pessoas brancas enquanto produzia representações de soldados nazistas negros.
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O Google, acostumado à liderança entre os buscadores, sentiu a pressão da OpenAI e da Microsoft, que investiu bilhões na startup de Sam Altman e integrou o GPT ao Bing. A dona do Windows também anunciou poucos dias atrás um novo conceito de computador pessoal, no qual seu Copilot – alimentado pelo GPT – mescla funções de sistema operacional e assistente virtual.
Tudo isso ajudou a empresa co-fundada por Bill Gates a retomar o posto de mais valiosa do mundo, com market cap de US$ 3 trilhões. A Alphabet, holding que controla o Google, vale US$ 2,1 tri.
O Google respondeu incorporando sua IA o mais rapidamente possível ao seu produto mais popular, com os resultados listados acima. Na expectativa de responder ao críticos, fãs, nerds e investidores que acompanham a “corrida das IAs” como quem segue um campeonato de futebol, os tropeções recentes do Google só animaram a torcida rival e renderam até alguma gozação por parte de Satya Nadella, o CEO da Microsoft.
“Espero que, com nossa inovação, eles definitivamente queiram sair e mostrar que sabem dançar”, disse Nadella ao site americano The Verge, falando sobre a concorrência com o Google. “E quero que as pessoas saibam que fomos nós que os fizemos dançar”.
E o baile seguiu. À Bloomberg, Sundar Pichai disse que dar ouvidos ao “barulho lá de fora” significaria correr o risco de “dançar a música de outra pessoa”. “Nós temos muito claro o que precisamos fazer”, afirmou o chefão da Alphabet, tentando vender confiança.
Pega na mentira
Os tropeços do Google com a inteligência artificial não são pouca coisa, só que a crise mais recente está relacionada ao SEO, sigla que inglês significa otimização para sistemas de busca.
Se você sabe o que é isso, pode pular os dois próximos parágrafos. Mas segue aqui!
Quem produz e distribui conteúdo online tem uma grande meta: ser achado pelos motores de busca. Para ser achado, há um conjunto de boas práticas – técnicas para fazer com que determinado texto, por exemplo, apareça nos primeiros resultados quando alguém for ao Google para pesquisar sobre aquele assunto.
Algumas dessas regras são bastante conhecidas, mas há toda uma indústria focada em tentar descobrir exatamente quais são os critérios que o Google usa para definir o lugar de cada link que aparece como resultado da sua busca. A receita do bolo não é plenamente conhecida e muda com frequência. Afinal, é o segredo industrial que até aqui garantiu ao Google o domínio da internet e as centenas de bilhões de dólares em publicidade que entram nos seus cofres todos os anos.
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O Google passou os últimos anos negando alguns critérios que foram levantados por especialistas como hipóteses do que faz um link ranquear bem no buscador. Tempo de navegação no site, dados do Chrome – navegador do Google e também líder de mercado –, número de cliques, etc.
A negativa, no entanto, virou um novo constrangimento porque 2.500 documentos internos do Google e que versam justamente sobre as regras de SEO do buscador foram vazados no último dia 29. Eles revelam que várias dessas regras que o Google passou anos dizendo que não importavam, na verdade importam, sim.
Pela primeira vez, o Google reconheceu a legitimidade do material vazado, mas disse que as informações ali contidas não devem ser consideradas recomendações ou descrições de práticas que o buscador realmente leva em conta.
Os documentos podem ser material de treinamento; podem apresentar critérios ultrapassados; podem ser critérios para o futuro; podem ser meros testes.
Ou podem ser dados acurados sobre como funciona o site mais popular do planeta.
O InvestNews solicitou uma entrevista com algum representante do Google no Brasil, mas não houve resposta. Por e-mail, enviamos perguntas a respeito do vazamento de documentos e também sobre os problemas enfrentados pelas ferramentas de inteligência artificial, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.
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