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A Shein prometeu fazer um grande IPO nos EUA. Suas raízes na China atrapalharam

A gigante da fast-fashion pretendia fazer a ponte entre Pequim e Washington, mas as esperanças de uma oferta pública nos EUA desapareceram

Por Shen Lu The wall street Journal
Publicado em
13 min
traduzido do inglês por investnews

A gigante de fast-fashion Shein parecia estar com tudo. A fornecedora de camisetas de US$ 3, jeans de US$ 10 e outras roupas de preço ultrabaixo se tornou uma das maiores empresas de moda do mundo, com centenas de milhões de clientes. Em novembro, entrou com pedido de abertura de capital em Nova York, aumentando as expectativas de que seria uma das maiores IPOs em anos. 

Seu executivo-chefe nos EUA, Donald Tang, viajou pelo país se reunindo com políticos, otimista de que conseguiria convencê-los de sua visão da Shein como modelo de conformidade e transparência. 

Agora, a empresa se vê no meio das tensões entre EUA e China, e suas esperanças de uma oferta pública inicial em Nova York desapareceram.

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A Shein foi fundada em 2012 na China, embora tenha mudado sua sede para Singapura em 2021. Tem contratos com milhares de fábricas chinesas que produzem novos estilos todos os dias, além de serviços como armazenagem e back offices. Porém, seu maior mercado são os EUA — nunca vendeu na China. 

A Shein basicamente falhou em debelar dúvidas de ambos os lados. Os legisladores de Washington desconfiam dos laços da Shein com a China e exigiram mais detalhes sobre sua cadeia de suprimentos. Pequim quer que a Shein e outras empresas com operações substanciais na China permaneçam alinhadas com suas próprias mensagens. Uma questão descomunal é o algodão — não apenas onde a Shein obtém o tecido, mas também como fala sobre ele.

A Shein transferiu seus esforços de abertura de capital para Londres. Um pedido de IPO pode ocorrer nas próximas semanas, disseram pessoas familiarizadas com o assunto. 

A divisão crescente entre Pequim e Washington tem se refletido especialmente em indústrias de alta tecnologia, como semicondutores e inteligência artificial — mas nenhuma empresa está imune. Os desafios de Shein em satisfazer os dois lados não são um bom presságio para outras empresas com raízes na China que tentam estabelecer uma posição nos EUA. 

Junto com a plataforma de vídeos sociais TikTok e a varejista Temu, a Shein está entre as poucas grandes empresas com raízes chinesas que alcançaram os consumidores americanos de maneiras significativas. Todos estão sob escrutínio em Washington. No mês passado, o presidente Biden assinou um projeto de lei que proibirá o TikTok se sua proprietária chinesa, a ByteDance, não o vender dentro de um ano. 

A Temu, de propriedade da empresa chinesa de comércio eletrônico PPD Holdings, despejou dinheiro no mercado de anúncios dos EUA, cresceu e se tornou o segundo aplicativo de compras mais popular dos EUA em termos de usuários mensais, atrás da Amazon. Depois de entrar na mira de Washington, agora está mudando seu foco para outros mercados além dos EUA. 

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As empresas têm cada vez mais que escolher lados desde que a Didi Global, especializada em transporte por aplicativo, com sede em Pequim, irritou o governo chinês quando prosseguiu com sua oferta inicial nos EUA em 2021 sem aprovação total dos reguladores. Após seu IPO, os reguladores chineses impuseram à Didi restrições e uma revisão de segurança de dados. A empresa saiu da Bolsa de Valores de Nova York depois de 11 meses. 

“Se a Shein não conseguir, quem teria melhor chance?”, disse Sheng Lu, especialista na indústria têxtil e de vestuário global da Universidade de Delaware. “A Shein não está em uma indústria de alta tecnologia tradicionalmente sensível. É apenas uma loja de roupas.”

Tang, executivo-chefe da Shein, é o rosto ocidental da empresa desde que se juntou a ela em 2022. No ano passado, o ex-executivo do Bear Stearns se mudou de Los Angeles para Washington para ficar mais perto dos esforços de lobby de Shein. 

Ele tem experiência em abrir o capital de empresas e conexões nos EUA, onde mora há quatro décadas, e na China, onde nasceu. Contudo, descobriu que vender a Shein como uma empresa global compatível no ambiente político atual exige um conjunto de habilidades diferente. “Aprendi muito mais nos últimos anos do que na vida que tinha antes”, disse.

Trabalhadores costuravam roupas em uma área de produção no prédio de P&D da Shein em Guangzhou, China – Foto: GILLES SABRIE – WSJ

O rosto de Shein

A identidade dupla da Shein é familiar para Tang, de 61 anos, que é cidadão americano há décadas, mas que ainda precisa responder de onde realmente é. 

Ele veio para os EUA em 1982 para acompanhar sua namorada, que conheceu aos 14 anos em uma competição de matemática. Em um ensaio de 2006 para o Los Angeles Times, Tang contou que, quando tinha 17 anos na China, ligou para um número de emergência do cônsul-geral dos EUA dizendo que precisava de um visto para poder estar com sua namorada. Ele chegou com apenas US$ 20 — o máximo que a lei chinesa permitia que os cidadãos tirassem do país naquela época. Sua namorada agora é sua esposa e mãe de seus dois filhos.

Ele se formou na Universidade Politécnica Estadual da California, em Pomona, e passou a assumir funções executivas no Bear Stearns. Mais tarde, como vice-presidente, fez a ponte entre sua empresa e a chinesa Citic Securities, que teria sido o primeiro banco chinês a injetar capital em um banco de Wall Street. O negócio deu errado quando o Bear Stearns entrou em colapso durante a crise financeira e foi assumido pelo J.P. Morgan em 2008.

Tang ouviu falar de Shein nos primeiros dias da pandemia, quando ele e sua família estavam no Havaí. Sua esposa gostou da máscara que a anfitriã de um restaurante local estava usando, e então ficou sabendo que havia sido comprada na Shein. 

Um ano depois, Tang foi apresentado por um amigo em comum ao discreto executivo-chefe da Shein, Sky Xu, que ficou fora dos holofotes durante a ascensão meteórica da empresa, e começou a aconselhá-lo. Em 2022, meses depois que a empresa mudou sua sede, Tang começou a liderar o esforço para construir uma identidade global. 

Sob sua orientação, a Shein formou parcerias com marcas ocidentais como a Forever 21 e tentou diversificar sua cadeia de suprimentos além da China. Recrutou executivos e conselheiros ocidentais, incluindo Frances Townsend, que foi conselheira de segurança interna na Casa Branca de George W. Bush. 

A Shein apresentou vendas e lucros recordes em 2023, de acordo com uma carta aos investidores.

No entanto, apesar de toda a campanha ocidental de Tang, ele permaneceu ciente de que a Shein não estava imune à pressão de Pequim e que cair em desgraça com as autoridades chinesas poderia custar caro à empresa.

A questão do algodão

Uma questão primordial tanto para Washington quanto para Pequim é o algodão. 

A lei dos EUA proíbe importações ligadas a Xinjiang, onde Washington acusa as autoridades chinesas de usar trabalho forçado em sua repressão aos uigures, alegações que Pequim nega. Os políticos dos EUA querem a garantia da Shein de que não usa algodão de Xinjiang, que responde pela grande maioria da produção de algodão da China.

Abordar publicamente o assunto pode colocar a Shein em apuros com Pequim. As empresas vistas como tendo se curvado às críticas ocidentais sobre Xinjiang correm o risco de retaliação rápida, como a H&M descobriu em 2021, quando sua declaração de que pararia de comprar de Xinjiang provocou sua eliminação da internet chinesa.

Houve mudanças no que a Shein declara publicamente sobre o assunto. A empresa disse ao Wall Street Journal no ano passado que não obtém algodão de Xinjiang, ou mesmo da China. Suas declarações mais recentes deixam de fora qualquer menção a Xinjiang e simplesmente dizem ter “tolerância zero” com o trabalho forçado. Até o final do ano passado, o site da Shein incluía um relatório sobre sustentabilidade e impacto social, com informações sobre o fornecimento, rastreamento e testes do algodão. O relatório já foi removido do site. 

Pessoas próximas à empresa dizem que o algodão representa cerca de 4% das roupas da Shein vendidas nos EUA. 

Pacotes de camisetas da Shein – Foto: Gilles Sabrie – WSJ

A Oritain, empresa com sede na Nova Zelândia que verifica a origem das matérias-primas, disse que testes de amostras de algodão da Shein em 2022 e 2023 indicaram que 1,7% do material se originou do que chama de “regiões não aprovadas”. No caso da Shein, significa Xinjiang. Isso se compara à média do setor de 14% em 2022. 

Especialistas na indústria dizem que é desafiador para qualquer fabricante de vestuário erradicar totalmente o algodão de Xinjiang, dado o quão complexa é a cadeia de suprimentos global. O algodão cru de diferentes fontes muitas vezes acaba nas mesmas fábricas de processamento.

Quando a Shein entrou com um pedido abertura de capital nos EUA na Comissão de Valores Mobiliários (SEC na sigla em inglês) dos EUA em novembro, o fez de forma confidencial — algo comum, que permite que uma empresa mantenha dados comerciais e financeiros confidenciais longe dos olhos do público e dos concorrentes durante as discussões com os reguladores. 

A SEC disse à Shein que seu pedido não seria aceito a menos que a empresa apresentasse um documento público, disseram pessoas com conhecimento do assunto — uma medida que os advogados de valores mobiliários dizem ser incomum. Ela ainda não o fez. 

Um documento público não garantiria a aprovação da Shein pela SEC, mas poderia desencadear o escrutínio de legisladores, funcionários do governo e da mídia sobre questões sensíveis, dizem advogados de valores mobiliários. 

A Shein apresentou a mesma papelada ao regulador de ações da China, algo que as empresas com operações substanciais no país são obrigadas a fazer quando buscam abrir o capital. 

O órgão de segurança cibernética da China também abriu uma investigação sobre as práticas de dados da Shein, algo que se tornou rotina nos últimos anos. A revisão incluiu como a Shein lida com informações sobre sua equipe, fornecedores e parceiros. As autoridades também prestaram atenção especial à linguagem da Shein sobre o algodão de Xinjiang, disseram pessoas familiarizadas com o assunto.

A Administração do Ciberespaço da China não respondeu a um pedido de comentário.

Apagando incêndios

Este ano começou mal para Tang, com os problemas em Pequim e relatos de que os investidores da Shein estavam tentando vender suas participações em mercados privados. A Shein começou internamente a discutir alternativas para um IPO em Nova York. Novas questões continuaram surgindo.

Em fevereiro, o senador Marco Rubio (republicano da Flórida) pediu que o presidente da SEC, Gary Gensler, bloqueasse o IPO da Shein, a menos que a empresa fornecesse detalhes sobre sua estrutura e suas interações com o governo chinês. 

Em março, legisladores franceses aprovaram um projeto de lei sobre fast-fashion que vai impor multas pesadas sobre roupas de baixo custo vendidas por empresas como a Shein para conter o impacto ambiental do setor.

Em abril, o Departamento de Segurança Interna americano anunciou um maior escrutínio sobre pacotes de baixo valor enviados do exterior diretamente aos consumidores dos EUA, sem taxas e com pouca transparência. A Shein utiliza um método de transporte em que há uma brecha comercial que, segundo os críticos, também ajuda as empresas a contornar as proibições de importações feitas com trabalho forçado. 

No mesmo mês, a Europa classificou a Shein como uma “plataforma on-line muito grande”, uma designação que impõe regras rigorosas sobre questões como produtos falsificados e inseguros e dados de consumidores. 

De acordo com Tang, a prioridade da empresa agora é a conformidade. A Shein planeja gastar US$ 50 milhões com conformidade global nos próximos anos. Isso segue uma estratégia semelhante do TikTok, que para evitar a proibição nos EUA expandiu sua presença no país e gastou US$ 1,5 bilhão em um projeto de conformidade de uso de dados. 

Tang inclui até os planos de abertura de capital de Shein como parte de seus esforços de transparência. “A maioria das empresas procura abrir o capital por razões de liquidez. Mas, para nós, queremos abraçar o escrutínio e a diligência pública”, disse.

Quando perguntado em um painel do Milken Institute no início de maio de onde a Shein realmente é, Tang disse que, dependendo de como as pessoas olham para ela, a Shein pode ser vista como uma empresa chinesa, com base na localização da maioria de sua cadeia de suprimentos e funcionários, ou uma empresa de Singapura, com sua sede e outras funções importantes lá. 

Mas, concluiu, os valores, a missão e a visão da Shein estão alinhados com os dos EUA: empreendedorismo, inovação, expressão da individualidade, estado de direito e concorrência justa. 

“Acho que se você olhar dessa forma, somos uma empresa americana”, disse ele. 

O principal desafio de Shein continua sendo Washington. 

Pequim não está procurando impedir a Shein de abrir o capital no exterior e a empresa teve sua revisão de segurança cibernética liberada, dizem pessoas familiarizadas com o assunto. Uma pessoa próxima a Pequim afirmou que o regulador de ações da China indicou que dará um aceno final assim que a Shein se aproximar da abertura de capital. O regulador de valores mobiliários da China não respondeu a um pedido de comentário.

A Shein ainda não desistiu completamente da abertura de capital nos EUA, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto.

Escreva para Shen Lu at [email protected]

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